Craig A. Morris é assistente de direção do Serviço de Comercialização Agrícola/Programa de Pecuária do Departamento de Agricultura dos EUA (Livestock and Seed Program, Agricultural Marketing Service AMS/USDA).
O AMS supervisiona os programas de certificação de carne e de carcaça, e serviços de informação de mercado para gado de corte, carne e grãos, além de controlar todos os programas de padronização de produção de gado de corte e carne bovina. Audita também programas de certificação de processos, que levam o selo do USDA.
Morris trabalhou como diretor de qualidade e segurança alimentar da empresa US Beef Packer, que detinha a marca Future Beef. Além disso, já trabalhou no USDA como especialista em mercados internacionais. Tem doutorado em Meat Science pela Texas A&M University.
Craig Morris concedeu essa entrevista exclusiva ao BeefPoint, onde falou sobre desafios da pecuária e alternativas para agregar valor à produção e aumentar a lucratividade do produtor.
Qual é o maior desafio da cadeia da carne bovina americana?
CM: No momento atual estamos vivendo um desafio nos mercados de exportação de proteína animal e também no caso específico da carne bovina. Muitos são os fatores que atrapalham as exportações americanas de carnes em geral. Problemas com exportação de frangos para a Rússia, vaca louca no Japão, aftosa em inúmeros países do globo. Tudo isso causou uma enorme oferta de proteína animal com preços muito baixos no mercado interno americano, pois esse produtos não podiam ser exportados. Esse ano está sendo um ano bem difícil para nossa indústria. O desafio é como cada proteína animal irá manter seu market share. Isso será especialmente difícil para a carne bovina.
Qual é a previsão para a tendência no consumo de carne bovina nos EUA?
CM: O primeiro ponto é que a carne bovina é muito dependente do fator preço, com isso a oferta de produtos substitutos a preços competitivos pode afetar em muito o consumo.
E em relação às marcas de carne nos EUA. É esse o caminho, ou apenas uma moda passageira?
CM: Eu não tenho dúvidas que carne com marca é o futuro da carne bovina nos EUA.
A cadeia da carne americana tem altos e baixos. E em momentos de crise, os produtores que não estão em nenhuma aliança ou programa de carne diferenciada serão os que mais terão problemas financeiros.
A cada dia mais as pessoas buscam uma marca. As crianças de hoje não querem apenas um par de tênis. Elas querem um tênis Nike. Quando se compra alguma coisa, há uma busca de associar sua compra com uma marca.
Veremos cada vez mais marcas de carne no mercado. E será com esses novos produtos, com esses produtos diferenciados, com marca, que iremos “conquistar” nossos clientes. Acredito que as pessoas não irão mais a supermercados para comprar “apenas” carne. Elas irão comprar uma marca específica de carne.
Tanto aqui no Brasil como nos EUA, estamos vendo o fortalecimento de empresas frigoríficas e redes varejistas. Como os produtores conseguirão “sobreviver” num ambiente tão hostil?
CM: Tivemos inúmeras experiências nos últimos anos com alianças e acredito que foi possível aprender muito com essas iniciativas. Os frigoríficos hoje são muito eficientes em produzir produtos de maior valor agregado, com carne bovina. O varejo tem, por sua vez, conseguido “girar” bastante, vender muito ao consumidor final.
O objetivo dos produtores deveria ser união e padronização de uma maneira que fosse possível trabalhar com as empresas frigoríficas com o objetivo de comercializar seus produtos (sua carne) ao varejo, criando assim um verdadeira aliança. Na minha opinião é muito mais vantajoso trabalhar em conjunto com o frigorífico, com o objetivo de construir um produto consistente, uma marca forte, onde produtores e frigoríficos são sócios, do que pensar em construir o seu próprio frigorífico.
O Sr. acredita então que marcas de carne serão “construídas” por produtores e frigoríficos em conjunto, e não apenas por produtores, como uma maneira de se “proteger” dos frigoríficos e varejo?
CM: Existem alguns exemplos atualmente onde os produtores, em associação com um frigorífico, trabalham em conjunto para desenvolver uma marca. A marca é de propriedade dessa associação entre os dois elos da cadeia, e não apenas dos produtores ou apenas do frigorífico.
Essa associação (entre produtores e frigoríficos) pode buscar um parceiro no varejo para comercializar sua marca de carne. Hoje é possível encontrar várias redes varejistas dispostas a vender uma carne diferenciada nos EUA.
Um bom exemplo é o programa Certified Angus Beef que surgiu em 1978, operado por produtores (por intermédio da associação de criadores de Angus) que trabalha em conjunto com frigoríficos e varejistas. O objetivo é entender o que o consumidor final deseja. Hoje, os produtores desse programa são recompensados por produzirem dentro dos padrões da aliança e recebem um sobrepreço significativo pelos seus animais.
Outro exemplo mais recente é o programa chamado Ranchers Renaissance. Nessa aliança, produtores estão associados a um dos maiores frigoríficos americanos e a um dos maiores varejistas. Nesse programa o objetivo é ter um produto realmente diferenciado. O resultado final é que os produtores recebem uma recompensa monetária por produzir um padrão específico de animais para abate, o que por sua vez permite o varejo comercializar de forma diferenciada e também lucrar.
Brasil ainda está bem atrás nesse caminho de ter alianças fortes entre elos da cadeia produtiva. Qual seria a sua sugestão para que esse processo se acelerasse?
CM: O ponto inicial é identificar um nicho de mercado.
Você tem que identificar um varejista que trabalha com produtos diferenciados. Um varejista que deseja diferenciar sua seção de carnes dos outros concorrentes e que está disposto a pagar um premium por isso. E esse é o ponto crucial, encontrar alguém que está disposto a pagar esse diferencial de preço por um produto diferenciado.
Esse valor extra que o consumidor paga por essa carne especial é que vai premiar o produtor pela qualidade. Esse premium é que vai realmente unir produtores entre si e estes com frigoríficos. Ao invés de cada elo (produtores, frigoríficos e varejo) lutar por ganhar parte da remuneração de outro segmento (produtores X frigoríficos) a saída é tentar dividir esse “valor extra” que essa carne especial paga.
No Brasil é relativamente fácil encontrar nichos de mercado para alguns cortes como a picanha, mas para a maioria dos outros cortes o valor recebido é o mesmo. Como fazer para que apenas esses poucos cortes que recebem um “extra” paguem a conta de todo o animal e também dos custos extras de se ter um produto com qualidade diferenciada e garantida?
CM: Esse também é o grande problema nos EUA. Especialmente para cortes de dianteiro. Para se resolver esse problema é preciso olhar para as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas para aumentar o valor desses cortes de menor valor ou menor liquidez.
Um bom exemplo é um estudo chamado Muscle Profile, onde se estudou os músculos do dianteiro, com o objetivo de se descobrir novos usos e novas formas de desossa da carcaça e preparo de pratos. Nesse trabalho, foram identificados cortes originados de um único músculo que possuem boa maciez, e que podem ser comercializados de maneira diferente e obter um valor acima do que se conseguia anteriormente.
Por outro lado, o programa Certfied Angus Beef tem uma marca reconhecida hoje no mercado americano e por isso consegue obter valores mais altos para todos os seus cortes, inclusive para carne moída. No caso específico desse produto, a pergunta seria qual é a superioridade da carne moída CAB em relação aos concorrentes. A única resposta é que eles têm uma marca associada ao produto.
Vários artigos e notícias vêm sendo publicados na imprensa americana sobre o potencial da cadeia da carne bovina brasileira. Como você vê o Brasil hoje?
CM: Existe claramente muita oportunidade. Os produtores americanos de carne bovina reconhecem que os EUA são importadores líquidos de carne bovina.
Metade da carne que nós, americanos, consumimos, é na forma de carne moída. Nos últimos 10 anos, temos importado mais do que exportado em volume e exportado mais em dólares. Esse ano, importaremos mais do que exportaremos em toneladas e em milhões de dólares.
Os principais produtos de exportação americanos são cortes de alto valor, para mercados como Japão e Coréia. E os principais produtos importados são retalhos de carne para fabricação de hambúrgueres.
Nesse contexto, fica claro que consumimos mais carne do que produzimos e nós precisamos importar carne para atender a essa demanda. Atualmente, Nova Zelândia e Austrália são nossos principais fornecedores. Acredito que um produtor de carne americano vê o Brasil como uma ameaça maior para Austrália e Nova Zelândia do que para os EUA.
O produto mais abundante hoje no mercado americano é o retalho de carne com 50% de gordura e 50% de carne. É necessário fazer um mix com retalhos mais magros para se produzir o tipo de hambúrguer ou carne moída que o mercado consumidor deseja hoje. Por isso, a possível importação de cortes com baixo teor de gordura para os EUA é também uma oportunidade para se comercializar essa carne que temos disponível.