Por Louis Pascal de Geer1
Durante os séculos de guerra na Europa e os dramas de fome na antiga Rússia, China e Índia, ficou dramaticamente demonstrado o tamanho da dependência da sociedade civil e urbana dos produtores de alimentos nas fazendas. Até hoje, infelizmente, ainda temos exemplos em várias países da África e Ásia.
Na Europa antiga, e nos impérios Russos e Chineses, a agricultura era praticada pelos colonos nas propriedades da elite num sistema feudal que nunca conseguiu produzir alimentos suficientes para a população, porque a atividade agrícola requer, em primeiro lugar, um amor pela Natureza e a Terra, como também uma disposição de trabalhar nos limites e com um sentido de ser o dono do pedaço.
“O olho do dono engorda os bois”, e quem não é o dono da fazenda até hoje tem dificuldades de igualar-se aos níveis de produções obtidos pelo quem realmente trabalha a sua própria terra.
Desde então a agricultura e as propriedades viraram uma questão de segurança nacional com as reformas agrárias, tanto nos regimes comunistas com suas desapropriações e fazendas coletivas, como também nas sociedades democráticas e capitalistas, com seus meios econômicos e políticos que mudaram para sempre o perfil da agricultura nos seus países.
Ninguém mais quer ficar refém do campo, como aconteceu principalmente durante a 2º. Guerra Mundial, onde uma boa parte dos fazendeiros cobraram fortunas para um pouco de comida.
As revoluções culturais de Mao na China obrigaram civis das cidades a trabalharem no campo para sentirem na pele, que ninguém era melhor de que o outro, uma espécie de projeto Rondon coletivo e obrigatório.
Em Israel, a mistura de fazendas coletivas e cooperativas, com a segurança nacional, não se baseou só em segurança alimentar, mas foram, e ainda são, também fundamentais para a ocupação plena do país e da segurança militar até hoje.
Os fazendeiros ficarem cada vez menos bem quistos pela sociedade e vice-versa, porque os preços agrícolas foram, e são, politicamente administrados, com grandes benefícios para a população urbana e investimentos pesados em reforma agrária.
Os subsídios se tornaram necessários para os fazendeiros, e eles, de quebra, tiveram que pagar também o preço do bem-estar ambiental e a segurança alimentar da sociedade, e se sujeitar a legislações cada vez mais rígidos em um clima que podemos chamar de quase hostil.
O direito de mandar em tudo nas suas propriedades na verdade não existe mais em muitos países da Europa, EUA etc.
“O bem estar e a saúde da sociedade e do consumidor estão hoje plenamente acima dos interesses particulares de produtores e/ou processadores de alimentos, e está situação ficará cada vez mais assim”.
É esta a lição de casa que devemos fazer aqui no Brasil. Ou, em outras palavras, aceitar plenamente que somos os co-responsáveis pelo bem-estar da sociedade e do consumidor final de nossos produtos.
Quando olhamos o assunto da rastreabilidade e a certificação dos sistemas de produção nas fazendas através deste prisma, fica claro e transparente que temos que responder à altura para conseguir manter e expandir os mercados para os produtos agrícolas e da pecuária aqui dentro do país e lá fora.
É extremamente enganoso e danoso achar que somente fazendas que vendem gado para as empresas de exportação devem certificar os seus sistemas de produção e identificar os animais. Esta separação entre mercado interno e exportação é, na prática, impossível, e é um convite permanente à fraude e corrupção, além de ser um insulto para os consumidores aqui no Brasil.
As regras devem ser aplicadas para todos, independente onde estão e o que fazem eventualmente com a produção.
Com esta atitude e responsabilidade podemos realmente crescer de vez como produtores de alimentos para nós aqui, e para o mundo, em que os consumidores podem confiar.
Certamente, quando estiver funcionando, teremos a recompensa financeira através de preços melhores.
Só depende de nós!
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1Louis Pascal de Geer atualmente é consultor, trabalhou durante 28 anos para Agropecuária CFM Ltda, se aposentando como vice-presidente da empresa