No Brasil, a restrição alimentar dos animais durante a seca, devido à estacionalidade de produção de forragens impede o crescimento contínuo do animal. Nessa situação, pode ser observada ocorrência biológica chamada de crescimento compensatório. Ou seja, animais que sofreram restrição alimentar tendem a apresentar taxas de ganho de peso no período de ausência de restrição superiores aos de animais que não sofreram restrição. A compensação pode ser:
– total, raramente observada, ocorre quando o ganho de peso após o período de restrição é alto o suficiente para que os animais que passaram por restrição são capazes de atingir peso de abate na mesma idade dos animais que não passaram por restrição.
– parcial, a mais comum, onde também ocorre ganho compensatório, mas não o suficiente para que os animais que passaram por restrição atinjam o mesmo peso de abate à mesma idade dos animais que não passaram por restrição.
– ausente, isto é, sem compensação, relativamente comum em situação de campo, principalmente quando a restrição ocorre no início da vida do animal, está relacionada a nutrientes classificados como estruturais e é de longa duração. Na re-alimentação os animais apresentam ganhos iguais ou menores que os que não foram restringidos, atingindo o peso de abate em idades bem mais avançadas. Em muitas circunstâncias estes animais podem apresentar carcaças mais leves para uma mesma composição corporal quando comparados com animais que não passaram ou que apresentaram compensação total ou parcial a uma restrição alimentar.
Na figura 1 são apresentadas as curvas de crescimento de animais machos Nelore submetidos a quatro tratamentos durante um ano após a desmama (Manella et al., no prelo). Os tratamentos foram: Teste – pasto de braquiária brizanta e suplementação mineral; Banco – idem teste, com acesso a banco de proteína, no caso de Leucena; Seca – pasto de braquiária brizanta com suplementação durante a seca; Ano – pasto de braquiária brizanta com suplementação durante os períodos de seca e de águas. No período da seca os ganhos foram de 534, 486, 277 e 201 g/d, e no das águas de 584, 782, 741 e 645 g/d, respectivamente para os tratamentos: Seca, Ano, Banco e Teste.
Figura 1: Ganho de peso acumulado (kg) de bovinos em Brachiaria brizantha (Teste), suplementados durante o ano todo (Ano), no período das secas (Seca), ou com livre acesso a banco de proteína de Leucaena leucocephala (Banco). Fonte: Manella et al. (no prelo).
O maior ganho de peso do tratamento banco nas águas ocorreu devido a maior disponibilidade da leguminosa. A severidade e a duração do período de restrição, bem como a idade em que ocorre são fatores que afetam o grau de compensação. Animais que sofrem restrição alimentar precocemente, ou seja, logo após o nascimento tendem não apresentar ganho compensatório e por muitas vezes irreversíveis, tendo diminuição significativa do peso adulto.
Berge (1991) compilou dados de diversos trabalhos onde a idade dos animais variou de 0 a 25 meses, sendo estes divididos em 2 grupos, de acordo com o início da restrição alimentar (antes ou depois dos sete meses). Segundo os autores, o grupo de animais que sofreu restrição durante a fase de amamentação, levou em média 14 a 18 meses para compensar 70-80% no atraso no seu crescimento, enquanto que animais que sofreram restrição após a desmama levaram apenas de 4 a 7 meses para apresentar o mesmo grau de compensação. Em contrapartida alguns relatos indicam que quanto mais próximo do peso adulto ocorrer a restrição, menor a probabilidade de compensação total.
Boin e Tedeschi (1997) revisaram trabalhos mostram que a duração do período de compensação é tão longo quanto o período de restrição. Entretanto, períodos demasiadamente extensos de consumo limitado, principalmente de nutrientes considerados estruturais, podem não permitir a compensação parcial, com os animais atingindo a mesma composição corporal ao abate mais leves e mais velhos.
O tipo de restrição alimentar (energia ou proteína) imposta aos os animais pode influenciar o grau de compensação do animal. Drouillard et al. (1989), assim como outros autores antes dele, propuseram que o crescimento limitado de bezerros era melhor compensado após restrição energética ao invés de protéica. Faulkner e Ireland (S/data) observaram ganhos lineares de bezerros quando suplementados com níveis crescentes de proteína em creep-feeding. Quando confinados após a desmama, os ganhos continuaram a apresentar as mesmas tendências, isto é, sem apresentação de ganho compensatório.
Sains (1998) estudou os efeitos de diferentes níveis nutricionais, variando a concentração energética da dieta, a quantidade de alimento fornecido, e a alternância dos níveis nutricionais sobre a ingestão de matéria seca, composição do ganho e tamanho dos orgãos. Os animais em uma primeira fase (237-327 kg PV) receberam dieta de alta qualidade (C, concentrado) ad libitum (CA) ou limitado (CL), ou uma dieta de baixa qualidade (F, forragem) ad libitum (FA). Na segunda fase (327-.481 kgPV) os animais receberam a dieta C, ad libitum (CA) ou limitado em 70% de CA (CL), perfazendo 5 combinações. As curvas de ganho acumulado são apresentadas na figura 2 e os dados para os diferentes parâmetros avaliados na tabela 1. As combinações (tratamentos) de maior interesse no presente caso são os com consumo ad libitum na segunda fase (CA-CA; CL-CA e FA-CA).
Figura 2: Crescimento compensatório em novilhos. Adaptado Sains (1998).
Tabela 1: Desempenho de animais alimentados de diferentes formas em duas fases.
As curvas da figura 2 mostram que, em relação aos animais do tratamento CA-CA (sem restrição), os do tratamento CL-CA apresentaram compensação parcial, enquanto os do tratamento FA-CA não, embora tenham atingido peso e composição semelhantes (tabela 1).
Os resultados (tabela 1) demonstram que os animais previamente restringidos responderam a re-alimentação aumentando o consumo de matéria seca e melhorando a conversão alimentar de 22 e 30% (CL-CA) e 30 e 10%(FA-CA) em relação ao controle (CA-CA). O autor associou a diferença entre CL-CA e FA-CA quanto ao tempo para atingir o peso para abate devido a diferença observada na exigência de mantença.
No trabalho acima, o fígado apresentou redução significativa para ambos os tratamentos (CL e FA), devido a deficiência de nutrientes absorvíveis e metabolização. Porém, os animais que receberam concentrado apresentaram menor proporção órgãos do aparelho digestivo/peso vazio do que os animais que receberam forragem. Tal aumento é explicado pelo maior tempo de retenção de alimentos de baixa qualidade no trato intestinal.
Estima-se que 40-45% das exigências de mantença do animal seja destinada aos orgâos internos. Estima-se que a mudança em 1% na proporção destes orgãos no corpo vazio, é capaz de produzir uma mudança em 6% na mantença. Durante a fase de restrição animais do grupo CL e FA apresentaram mudanças médias no tamanho de vísceras em relação ao peso vivo de -3 e +5%, respectivamente, explicando parcialmente as alterações na mantença.
De modo geral, a intensidade da restrição alimentar e principalmente o tipo de alimento a ser fornecido na fase de re-alimentação, influenciam o grau e o tempo de compensação, além de fatores como a composição corporal e principalmente o consumo de materia seca. A compensação pode ser usada de maneira estratégica e consciente em sistemas de produção a pasto ou em confinamento.
Literatura Consultada
Berge, P. Long-term effects of feeding during calfhood on subsequent performance in beef cattle (a review). Livestock Production Science, v. 28, p. 179-201, 1991.
Boin, C.; Tedeschi, L. O. Sistemas Intensivos de produção de carne bovina. II. Crescimento e Acabamento. In. Anais do 4a Simpósio sobre Pecuária de Corte. Produção do Novilho Precoce. Fealq. Piracicaba, SP. p. 205. 1997.
Drouilard, J. S. et. al. Compensatory growth following metabolizable protein or energy restrictions in beef steers. Journal of Animal Science., v. 69., p. 811-818.. 1991.
Faulkner, D. B. e Ireland, F. A. Performance of nursing calves fed supplement with varying protein levels. http://beefnet.outreach.uiuc.edu/. S/Data.
Manella, M. Q.; Lourenço, A. J.; Leme, Recria de Bovinos Nelore em Pastos de Brachiaria brizantha com Suplementação Protéica ou Com Acesso a Banco de Proteína de Leucaena lecocephala. I. Desempenho Animal. Revista da Sociedade Brasileira de Zootecnia. (no prelo).
Sains, R. Crescimento compensatório em bovinos de corte. Simpósio sobre Produção Intensiva de Gado de Corte. CBNA. p. 22. 1998.