A rastreabilidade bovina continua gerando debates entre os envolvidos com a cadeia da carne, principalmente com relação ao prazo para inclusão do rebanho no programa estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Pecuaristas e entidades do setor querem mais tempo para discutir o assunto e apontam que há muitos pontos confusos na portaria do governo. O credenciamento de certificadoras também tem gerado polêmica, uma vez que entidades de classe, como a Associação Brasileira de Criadores (ABC), querem ser credenciadas pelo Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov) para certificar gado.
No entanto, empresas que já detém a tecnologia para certificação, já apresentam seus sistemas, como aconteceu na Agrishow, e aguardam o credenciamento do governo para trabalhar dentro do Sisbov.
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O gado brasileiro terá carteira de identidade obrigatória, nos próximos meses, para concorrer no mercado mundial de exportação. Do nascimento ao abate, todos os dados relevantes da vida de cada bovino constarão de arquivos de computadores, por exigência de consumidores cada vez mais preocupados com a saúde animal.
Preocupada com a doença da vaca louca e com a constante ameaça da febre aftosa, a União Européia decidiu só importar carne bovina de regiões que possam comprovar sua boa qualidade. Essa medida, que valerá a partir de junho para os europeus e se estenderá a outros países até dezembro de 2003, valerá também para o mercado interno até o fim de 2007. O prazo é apertado porque os pecuaristas ainda não começaram a aplicar as normas baixadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no programa de rastreabilidade.
“É um processo tumultuado, pois a portaria do governo é confusa e ambígua”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Criadores (ABC), Luís Alberto Moreira Ferreira, referindo-se à instrução normativa nº 21, de fevereiro, que estabelece regras para identificação e acompanhamento do rebanho. A ABC pede a revogação da instrução para que a questão possa ser discutida e reformulada, ouvindo-se todos os setores envolvidos. Encaminhada a Brasília, essa reivindicação ficou sem resposta.
Os pecuaristas querem que sua associação seja credenciada como entidade certificadora do Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov). “Temos 75 anos de experiência e tecnologia”, argumenta Ferreira, falando em nome de 1.500 associados. Sob a alegação de que os interesses das partes envolvidas (criadores, frigoríficos e exportadores) podem eventualmente comprometer a isenção do controle de qualidade, o governo confia o processo a empresas supostamente independentes.
“Não sei o que vai acontecer, porque ainda não fizemos nada e estamos atrasados, a menos de dois meses do prazo dado pela União Européia”, adverte o presidente da ABC. Dos 30 milhões de cabeças de gado abatidas por ano no Brasil, cerca de 10% são exportadas e, dessa porcentagem, 40% se destinam à Europa. Essa fatia tende a crescer com a expansão das vendas para a Rússia e, em escala mundial, para a China, Japão e Oriente Médio.
Tecnologia
A rastreabilidade envolve tecnologia moderna, como a utilização de chip para captação dos dados e de computadores para armazenamento e análise, mas utiliza também métodos tradicionais. A marcação a ferro e o uso de brincos funcionam como fichas de identificação com informações básicas, como a origem e data de nascimento dos animas.
Cabe aos criadores e aos frigoríficos fornecer outros detalhes, como tipo de alimentação, vacinas, doenças e transferência de propriedade. “O maior problema será a coleta de dados, pois não adianta ter uma boa base de arquivo e análise, se a coleta não for bem feita”, alerta o diretor de uma empresa especializada em identificação animal, Vincent L’Henaff. “É normal que haja confusão, porque o Brasil tem um rebanho muito grande e uma mão-de-obra ainda mal preparada”, observa.
Com a ressalva de que possa ser suspeito, pelo fato de ter uma certificadora, o agrônomo José Amaral Wagner Neto, diretor da Organização Internacional Agropecuária (OIA), acha que a certificação deve ser feita por empresas independentes e não por entidades de classe. “É preciso garantir isenção de interesses”, argumenta Wagner Neto, apoiando as restrições impostas pelo governo. A responsabilidade do produtor, diz ele, é fazer os registros e controles com os quais os técnicos da certificadora vão trabalhar.
Os pecuaristas estão correndo contra o tempo para atender às condições da União Européia, mas todos têm consciência de que não se trata apenas de um capricho do mercado. “A questão é que o consumidor está cada vez mais exigente”, constata o presidente da ABCZ, José Olavo Borges Mendes. Em sua avaliação, o rigor tende a crescer também no Brasil. “Somos favoráveis à rastreabilidade não só em nível de exportação, mas também para atender ao consumo interno”, afirma Borges.
Vários sistemas
A rastreabilidade, desde o sistema convencional, como os brincos de identificação até os mais sofisticados, que identificam o boi pela retina, foi uma das atrações da Agrishow 2002, em Ribeirão Preto (SP). A identificação pela retina foi uma atração à parte. A técnica registra a foto digital do fundo do olho do bovino, identificando a retina do animal. Para capturar a imagem da retina usa-se um equipamento eletrônico, composto de câmera digital, microprocessador, receptor de GPS, emissores de infravermelho, visor e teclado. O método é um dos que serão credenciados pelo Mapa para a certificação de bovinos.
A Allflex, que atua há 18 anos no Brasil, tem vários sistemas de rastreabilidade, incluindo brincos visuais. O veterinário Paulo Cruz, responsável pelas demonstrações na Agrishow, destacou os eletrônicos. Um deles é o Leitor de Bolso, no qual um chip é colocado na orelha do animal, que tem sua identificação lida por rádio-freqüência a 15 centímetros de distância, por aparelhos portáteis. Está começando a ser vendido no Brasil, por US$ 2,50 o par (brincos eletrônico e visual).
O Leitor de Painel, com custo de US$ 600 cada, pode ser fixado em tronco de brete, salas de ordenhas, frigoríficos e outros locais. A leitura é automática, com os dados transmitidos por cabo para um computador da propriedade rural. O coletor “Romeu”, portátil, para manejo no brete e à prova de choque, registra os dados do animal, e o receptor, apelidado de “Julieta”, com um modem, torna-os disponíveis na Internet. Cada equipamento custa US$ 2 mil.
Cruz afirma, ainda, que existe uma confusão entre os termos identificação, rastreabilidade e certificação. “Nossa intenção não era negociar na Agrishow, mas passar a idéia de um trabalho sério de rastreabilidade”, diz.
A Splice do Brasil, em parceria com a Texas Instrumentos, apresentou o brinco eletrônico, o Bolus (cápsula de cerâmica que abriga um chip e que é aplicada por via oral no rúmen do animal); o microchip injetável (subcutâneo, injetado na prega umbilical do bovino), a leitora e as antenas.
Os brincos convencionais, com números que identificam os animais, também foram apresentados.
Fonte: O Estado de São Paulo, Suplemento Agrícola (por José Maria Mayrink e Brás Henrique), adaptado por Equipe BeefPoint