Tragado por uma forte crise após denúncias de sonegação fiscal no início deste mês, o frigorífico Margen hoje em quase nada lembra o pequeno, e discreto, império formado nos últimos anos graças, principalmente, a parcerias e arrendamentos. E, se esse pequeno império ruir, a única certeza é que o setor de frigoríficos não será mais o mesmo.
Hoje, apenas três das 21 unidades industriais da empresa no país (Rio Verde, Rondônia e Paranavaí) estão operando. E parcialmente, porque o Margen não consegue comprar animais para abate. Em novembro, o abate diário chegava a oito mil bois. Restringe-se a 15% desse volume hoje. “A empresa começou a perder a capacidade de captação de matéria-prima para dar continuidade [ao abate]”, disse Wagner Cyrne Diniz, gerente comercial do grupo, que tem unidades em Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná e Rondônia e fatura R$ 2,3 bilhões por ano.
Sem trabalhar com capacidade plena, o frigorífico ameaça demitir cinco mil dos seus 11 mil funcionários nesta semana. O mercado de boi gordo também não escapou da crise do Margen e registra quedas de preços porque criadores ofertaram mais temendo não ter para quem vender. Em suma, todo o mercado ficou nervoso, também por conta dos rumores de que a devassa que alcançou a empresa pudesse se alastrar.
Início
O vendaval no frigorífico começou dia 1o de dezembro, com a prisão dos diretores e sócios do grupo, na operação “Perseu” da Polícia Federal, após oito meses de investigação. O grupo é acusado de sonegação de R$ 150 milhões em tributos federais, estaduais e municipais e em dívidas com o INSS.
Só no Fórum de Rio Verde, onde fica a sede do Margen, há processos de execução fiscal em relação a dívidas do INSS e cartas precatórias. Um dos diretores do grupo, Geraldo Antônio Prearo, e um dos sócios, Mauro Suaiden, também têm processo por porte ilegal de arma. Na prefeitura, o Margen tem débitos por taxas de vistoria e bombeiros, além de taxas de licença para funcionamento, não renovadas desde 2002, segundo levantamento da secretaria municipal da Fazenda de Rio Verde.
Desde a prisão dos diretores, os advogados dos executivos entraram com dois pedidos de habeas corpus, ambos negados, explicou o advogado que representa os diretores do Margen, Ney Moura Teles. Uma nova decisão sobre a soltura deverá ser avaliada no dia 10 de janeiro. Os processos por porte ilegal de arma foram relaxados, diz.
Diniz afirma que a ausência dos diretores do grupo atrapalha os negócios da empresa. Com a prisão dos diretores, os bancos cortaram as linhas de crédito do grupo. Sem capital de giro para comprar matéria-prima, o Margen está negociando o parcelamento de suas dívidas com os pecuaristas. Segundo Diniz, nas demissões que podem acontecer esta semana, o Mato Grosso do Sul deverá ser o estado mais prejudicado.
Conforme ele, além do corte das linhas de crédito, os bancos travaram todos os ativos em duplicatas da empresa, até que o valor principal devido seja liquidado. “Os bancos não só retiveram o que era contratualmente acertado, mas bloquearam o valor excedente”. Para gerar caixa, o grupo lançou adiantamento de contrato de câmbio (ACC), já que tem um volume expressivo de exportação. Mas mesmo com essas operações os recursos são retidos pelo banco, o que inviabiliza o capital de giro.
O Margen exporta 50% dos cortes que produz. Em outubro, as receitas com embarques foram de US$ 20 milhões. Para dezembro, a expectativa é de US$ 2 milhões.
Futuro
Se o futuro próximo do Margen é incerto, a verdade é que o setor já começa a vislumbrar mudanças num futuro mais distante por conta da crise atual. As empresas não comentam, mas não há dúvida, entre analistas, de que em caso de quebra, frigoríficos nacionais e também investidores estrangeiros terão interesse nas unidades do grupo. O alvo principal seria as que o Margen têm em parcerias com outras empresas ou arrendadas, nove num total de 21.
Os primeiros frigoríficos lembrados como potenciais compradores são Friboi e Bertin, dois dos principais exportadores de carne bovina do país hoje. São lembrados pelo porte e também pelo apetite para continuar crescendo no mercado externo.
Além disso, o caixa de ambos acaba de ser irrigado por recursos do BNDES para capital de giro. São R$ 100 milhões no caso do Friboi e R$ 90 milhões para o Bertin, que não comentam a hipótese. “Pode haver interesse de vários no mercado interno e de estrangeiros”, diz o analista da FNP Consultoria, José Vicente Ferraz. Ele afirma, porém, que o interesse dos investidores dependerá do tipo de passivo que o Margen deixar, numa eventual paralisação das atividades.
Alcides Torres, da Scot Consultoria, acredita que os grandes frigoríficos “vão tentar ocupar espaços” eventualmente deixados pelo Margen. Isso pode significar concentração dos abates, com prejuízo para os pecuaristas na hora de negociar. Até novembro, o Margen abatia oito mil bois diariamente atrás apenas do Friboi, com 12 mil e à frente do Bertin, com cinco mil.
Para o consultor, as unidades do Paraná (duas arrendadas e uma em parceria) seriam atraentes para frigoríficos como Friboi e Bertin, que ainda não têm plantas no estado. Outro atrativo seria o fato de essas unidades serem aprovadas para exportação à Europa. Mas um especialista diz que as fábricas do Margen são pouco atraentes para grandes frigoríficos já que o volume de abate diário gira de 500 a 800 animais. “Para ser rentável, é preciso abate de pelo menos mil bois por dia”. Na opinião dessa fonte, plantas como as do Paraná podem atrair interesse de estrangeiros, que querem entrar no Brasil de olho no potencial exportador do país.
Distribuição
A crise do Margen já afetou a distribuição de produtos, segundo redes de varejo. Diniz afirma, porém, que o grupo continua distribuindo em todo o país, em razão do estoque remanescente. “Temos um volume de distribuição bem significativo em São Paulo. Fazemos em torno de três mil entregas por dia no estado”, afirma. Mas alguns varejistas, como o Pão de Açúcar, estão cancelando contratos com o frigorífico. A rede informa que devolveu cerca de oito carretas de carne (20 toneladas cada).
Segundo Teles, o grupo teve uma decisão a seu favor no que diz respeito às dívidas do INSS, atribuídas ao Funrural. O grupo está isento das contribuições do Funrural, em torno de R$ 80 milhões, decisão que, segundo o advogado, foi julgada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região de Brasília, em 1997. “A outra parte da dívida do INSS está em discussão na esfera administrativa do INSS”. Os tributos referentes à Receita Federal, PIS/Cofins também estão em discussão.
Pecuarista e fornecedor do Margen, o prefeito de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha (PP), sai em defesa do grupo e diz estar disposto a interceder, caso seja necessário. “Foi uma surpresa para todo mundo. Minha mulher perguntou: ‘Como fica agora, Paulo Roberto?’ Todos esses anos, eu só mando o gado [para o Margen] e pronto. Estou de pernas para o ar”. De acordo com Cunha, uma eventual quebra do grupo reduzirá o ICMS arrecadado e repassado ao estado.
Fonte: Valor (por Mônica Scaramuzzo e Alda do Amaral Rocha), adaptado por Equipe BeefPoint