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Crise no agronegócio

Por José Vilmar F. Costa1

As crises da agricultura brasileira são resultantes, em grande parte, dos efeitos das políticas econômicas vigentes.

É triste verificar que um quadro tão melancólico atinja produtores eficientes e competitivos. Mais triste ainda é registrar que isso decorre, em grande parte, das taxas de juros estratosféricas que o Brasil vem praticando, trazendo como conseqüência a valorização excessiva do real diante do dólar.

A situação atual é uma conjugação de vários fatores, que começaram com a forte elevação dos custos de produção na safra passada, queda nos preços, excedente de produção, elevação dos juros, política de manutenção do real valorizado, elevado nível de endividamento dos produtores, crédito mais caro e restrito, foram os fatores que afetaram o desempenho da agropecuária, iniciando a crise no setor.

Existe um ditado que diz: “O pessimista é um otimista bem informado”. Estamos no fundo do poço. O agronegócio, motor da economia nos últimos anos, vai viver um cenário sombrio neste ano de 2006. Os produtores de grãos devem ter em 2006 mais um ano de descapitalização.

Com as implicações:
– Menor ou nenhuma renda ao produtor;
– Em 2006 não tem sobra financeira do ano anterior; em 2005 ainda tinha sobra de 2004;
– Efeito multiplicador reverso e potencializado na economia pela geração de menor renda. A economia regional deverá se ressentir, mais uma vez, da perda de renda cumulativa e com conexões perversas em todos os segmentos do agronegócio. Ficando a economia da nossa região sem alavancagem (renda) para crescer.

O ano recém iniciado se anuncia novamente de dureza para a maioria das commodities agrícolas, ainda que a safra brasileira prometa ser recorde. A oferta mundial de grãos seguirá em alta, o que representa, na prática, preços em baixa, principalmente num cenário com real valorizado.

A superprodução mundial e local desses produtos (grãos) promete segurar a rentabilidade e limitar geograficamente a sua viabilidade.

Soja – a superoferta mundial de 221 milhões de toneladas será uma das causadoras da cotação deprimida. O estoque mundial esta na faixa dos 50 milhões de toneladas, após uns cinco anos oscilando entre 30 e 35 milhões de toneladas. A lei da oferta e da procura tratará de derrubar os preços. Ainda tememos o impacto da gripe aviária, já que 60 % da soja é convertida em ração.

Tal perspectiva, exceto por uma desvalorização mais acentuada do real frente ao dólar, sugere não haver espaço para uma retomada mais firme dos preços no mercado brasileiro.

Arroz – poderá viver um ano de recuperação de preços em razão do ajuste da oferta e demanda e da redução do estoque de passagem;

Milho – A perspectiva é de um mercado estagnado para o ano de 2006. Temos um estoque de passagem elevado (4 milhões de toneladas). A cotação internacional e o real valorizado não estimula a comercialização do milho no mercado externo e os surtos de gripe aviária são um agravante. Os preços do milho podem subir no curto prazo por causa da estiagem no Sul. Por conta disso, haveria espaço para movimentos especulativos ao longo do primeiro semestre. Já no segundo semestre, o comportamento dos preços dependerá do desempenho da safrinha.

Até o momento não há nenhuma perspectiva de que o setor terá, enfim, uma política agrícola consistente, digna do que a agricultura representa para a economia do País.

Na verdade, enquanto que nos países desenvolvidos a agricultura é fortemente subsidiada, aqui ocorre o inverso: é a agricultura que subsidia o Brasil, alavancando outros setores da economia.

O agricultor brasileiro opera num contexto de juros mais elevados do mundo, paga elevados impostos, não é beneficiado por uma política agrícola que permita estabilidade nos preços, não possui seguro de produção, ou seja, está absolutamente só no sistema econômico nacional. E o que é pior: a agropecuária continua pagando a conta da política de estabilização da economia.

As atividades agrícolas estão enfrentando uma fase de questionamentos importantes, em função das transformações do ambiente macroeconômico mundial. A agricultura, historicamente, no mundo todo esteve ligada e dependente do Estado, que determinava o “planejamento” do agronegócio.

O agricultor era, quase sempre, o elemento “passivo” da cadeia de produção alimentos e, por isso, a gestão da atividade agrícola, sempre foi exercida de maneira amadora. Atualmente o gerenciamento econômico administrativo, é o componente de maior importância na viabilidade dos empreendimentos agrícolas.

O agricultor de hoje deve ter um perfil de alguém que faz rigoroso controle financeiro de suas atividades e que investe em alternativas objetivando obter renda. Que é capaz de identificar oportunidades de negócios e de buscar assessoria externa para solução de problemas. Principalmente, é capaz de parar atividades tradicionais, economicamente inviáveis e de iniciar novos negócios, um agricultor profissional.

O produtor precisa melhorar a gestão do seu negócio ao avaliar custos, selecionar investimentos, conhecer os mecanismos do mercado. Precisa ainda fortalecer o espírito associativo, se aproximar mais de suas entidades, se juntar em pools, grupos, obtendo melhores condições para negociar.

Dentro deste contexto de competitividade, práticas de gerenciamento requerem não somente a busca por elevada produtividade, outrora a principal fonte de preocupação dos produtores.

Planejamentos de longo prazo, práticas administrativas como controle adequado de custos de produção, análise econômica de projetos de investimento, que raramente são feitos pelos produtores rurais, doravante, serão práticas imprescindíveis para a permanência na atividade produtiva. Não podemos mais errar. Planejamento é fundamental.

Da crise deverá surgir a oportunidade para que se crie no nosso segmento, o sentimento de que devemos aprimorar a nossa capacidade de gestão, bem como, continuar acompanhando a evolução tecnológica. É um caminho irreversível para o setor voltar a ter bom desempenho nos próximos anos.

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1José Vilmar F. Costa, engenheiro agrônomo, Sinop/MT

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