Luiz Fernando Aarão Marques1
Ao executar um programa de cruzamento industrial, o produtor tem interesse na rapidez do retorno financeiro. Para realizar o lucro, é fundamental que se conheça a capacidade combinatória das raças envolvidas e a contribuição particular de cada uma delas no esquema de cruzamentos. A capacidade combinatória específica (CCE) entre raças, tem sido muito explorada em pequenas espécies animais, como aves, coelhos e suínos, como também nas plantas, por exemplo o sorgo forrageiro e o milho híbrido. Quanto maior a distância étnica original entre os grupos acasalados, maior a heterose nos produtos (filhos), expressa como vigor, crescimento, resistência e fertilidade.
A contribuição particular é uma outra forma de aumentar o valor de cada raça envolvida no cruzamento. Refere-se ao potencial de produção já existente, previamente desenvolvido, ao longo do processo da formação, evolução e melhoramento genético do grupamento em foco.
O sistema de acasalamentos pode ser otimizado quando, em manejo simples, conseguimos obter o máximo de cada contribuinte, conhecendo sua origem e capacidade de combinação.
A definição de alguns critérios, até o sobreano (18 meses), pode definir entre as raças de bovinos o sucesso nos cruzamentos:
1- Precocidade sexual
2- Precocidade de crescimento
3- Precocidade de acabamento.
A raça com precocidade sexual tem fêmeas que apresentam cio e machos com libido antes dos 18 meses de idade.
A raça com precocidade de crescimento apresenta animais com peso de 500 kg até os 18 meses de idade.
A raça com precocidade de acabamento tem a carcaça apta ao abate ( acima de 2 mm de espessura na gordura subcutânea) aos 18 meses de idade.
Levando em conta os critérios acima, consideramos a natural limitação de algumas raças para apresentar uma ou mais destas características até o sobreano (18 meses ou 550 dias de idade). Portanto, uma composição adequada destas contribuições, deve prever os objetivos e metas do cruzamento industrial, uma vez que estes critérios de precocidade são concorrentes, isto é, apresentam correlações negativas. A raça com maior vantagem sexual perde no crescimento e também, a raça com maior vantagem no crescimento não é precoce no acabamento. Se considerarmos apenas estes três critérios e, desde que não haja limitação de alimento para as matrizes meio sangue (F1), deve-se usar no primeiro cruzamento, a raça sexualmente precoce com a raça que apresenta ampla capacidade de crescimento, uma vez que as matrizes serão mais exigentes, por serem maiores, apresentando também maior eficiência na conversão do alimento. Se o criador faz opção para obter o tricruzado (tricross), então, a raça com melhor acabamento de carcaça, deve ser incluída no segundo cruzamento.
Mas a questão de otimizar o cruzamento não se esgota aí, porque com certeza outros critérios devem ser exigidos para compor o animal resultante. Estes critérios são a capacidade materna e a adaptabilidade, estas consideradas características importantes nas condições de criação extensiva do ambiente tropical. Então, mencionando a capacidade materna para criar bezerros saudáveis, a boa produção de leite para sustentá-los e a fecundidade necessária para reciclar novas crias, fazemos referência a matrizes que contribuem com fertilidade, efeito materno e docilidade.
Por outro lado, adaptabilidade é importante, no caso de criação em ambiente tropical e/ou subtropical, porque a resistência dos animais sob sistema extensivo contribui para reduzir os custos de manutenção do programa de cruzamentos; esta é a vocação natural de nossa eficiente pecuária. Para tanto, é reconhecida a contribuição dos zebuínos na simplificação do manejo e na redução dos requerimentos de mantença dos animais. De modo geral, escolhe-se a fêmea Nelore para os cruzamentos, com algumas vantagens e limitações. As vantagens referem-se à facilidade (disponibilidade de fêmeas) na reposição de matrizes e aos programas de melhoramento que a mesma raça vem recebendo, no país. Como limitações, pode-se mencionar a incipiente precocidade, nas três vertentes já mencionadas, ainda que aprimoramentos nestes sentidos já tenham sido alcançados, em muitos rebanhos, com programas já implementados.
Quanto à capacidade materna, o exemplo da raça Simental demonstra excelência, não só em precocidade de crescimento, como no acabamento da carcaça e precocidade sexual.
É evidente a existência de raças especializadas nos mencionados aspectos de precocidade, que podem atender mais prontamente a um sistema de cruzamentos com muitos requisitos, mas, à medida em que introduzimos maior número de genótipos (raças) o esquema de cruzamentos é inexoravelmente conduzido para a miscigenação e daí ao confundimento, em uma profusão de critérios e objetivos a alcançar.
Portanto não parece adequado introduzir um grande número de raças para atender a um grande número de objetivos, sob o risco de que o produtor se perca no caminho de alcançá-los, em custo alto. Ademais, o maior grau de heterose é alcançado já primeira geração, portanto entre duas raças com muita distância étnica; e pode ser maximizado quando ambas são “puras”, isto é, fortemente homozigotas, bem selecionadas, cada uma a seu lado e complementares entre si, acoplando suas respectivas contribuições genéticas, com objetivo de resultarem produtos heterozigotos com superioridade fenotípica (heterose ou vigor híbrido)
Este resultado certamente pode ser alcançado usando-se os troncos zebuíno e brachycera, aqui esquematicamente representados pelas raças Nelore e Simental nos seguintes processos:
1- CRUZAMENTO INDUSTRIAL EM BACKCROSS:
(Fêmea NELORE + macho SIMENTAL) = ( ½ SN fêmea) + (macho SIMENTAL)
Todos os animais (¾ SIMENTAL machos e fêmeas) produzidos nesta fase são destinados ao programa Novilho Precoce, bem como os machos ½ sangue resultantes da primeira geração de cruzamento.
2- CRUZAMENTO INDUSTRIAL EM TRICROSS:
(Fêmea NELORE + macho SIMENTAL) = ( ½ SN fêmea) + (macho de raça com acabamento de carcaça, por exemplo :Angus)
O destino dos animais ¼ S + ¼ Z + ½ Angus será, como no esquema anterior, o atendimento do programa Novilho Precoce. Nos dois casos, sabe-se que após obter o meio sangue (F1), há redução da heterose, mesmo quando se usa uma terceira raça, já que as diferenças genéticas entre as raças taurinas (Simental e Angus, ou outra…) entre si é menor que a existente entre o Nelore e o Simental.
3- CRUZAMENTO ALTERNADO CONTÍNUO:
(Fêmea NELORE + macho SIMENTAL) = ( ½ SN fêmea) + ( macho ANGUS) =
( fêmea ¼ S + ¼ N + ½ A) + (macho LIMOUSIN ) = (1/8 S + 1/8 N + 2/8 A + 4/8 L)
Neste tipo de cruzamento, deveríamos sempre encontrar mais uma raça, sempre diferente das anteriores para não prejudicar o nível de heterose já conseguido. Neste sistema existe um problema no manejo, que necessariamente precisa ser diferenciado a cada geração para atender aos diferentes biótipos formados, o que dificulta e encarece o processo e os produtos obtidos.
4- OBTENÇÃO DE COMPOSTOS (MESTIÇAGEM):
O composto é um animal com pai e mãe mestiços. Resulta de mestiçagem e tem diversas etnias ou raças, o que lhe confere alto grau de heterose, devido à heterogeneidade de seus alelos. O uso destes reprodutores é apropriado para suprir com vigor híbrido os sistemas de criação, sem necessidade de modificar o manejo a cada geração, como ocorreria no cruzamento anterior, conforme mencionado. Pode ser obtido como segue:
Um ponto negativo deste sistema, seria usar animais parentes em miscigenação, o que ocorre principalmente quando os rebanhos são pequenos, ou no caso de IA (inseminação artificial) com desconhecimento da genealogia. A consangüinidade (endogamia), leva à queda no grau de heterozigose, necessária para manter o status do cruzamento em alta. Esta preocupação justifica-se aqui, porque o objetivo é perseverar o ciclo reprodutivo entre os mestiços ao longo das gerações, admitindo-se, de forma planejada, introgressão de outras raças.
5- CRUZAMENTO ALTERNADO EM BACKCROSS:
(Fêmea NELORE + macho SIMENTAL) = ( ½ SN fêmea) + ( macho NELORE) =
( fêmea ¼ S + ¾ N) + ( macho SIMENTAL) = (fêmea 5/8 S + 3/8 N) + (macho 5/8 S + 3/8 N) = ( SIMBRASIL = BIMESTIÇO = 5/8 SIMENTAL + 3/8 NELORE)
Neste tipo de cruzamento, o objetivo é formar uma gado sintético, procurando conciliar as qualidades de Precocidade Sexual, Crescimento e de Acabamento, bem como a Capacidade Materna e a Docilidade presentes na raça Simental com os valores de Adaptabilidade e Simplicidade do manejo da raça Nelore. O animal Simbrasil deve ser proveniente de uma origem Simental de Seleção, qualificada com base nas DEP´s Maternais e de Crescimento, objetivando assim aprimorar os resultados das progênies SIMBRASIL.
Utilizando animais com avaliação genética (Sumário com as DEP’s), os cruzamentos subseqüentes serão conseqüência dos pais qualificados, desde que usados os esquemas de cruzamentos. Ao executar os cruzamentos, devemos nos lembrar de um antigo ditado popular : “Os ascendentes de um animal nos prediz o que o mesmo poderá ser ; a observação de seu desempenho no ambiente nos informa o que o mesmo parece ser; somente sua progênie nos garante o que ele é”.
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1Professor da Faculdade de Veterinária, Universidade Federal Fluminense – UFF (Niterói –RJ)