Nos últimos meses vem ocorrendo uma grande e saudável discussão a respeito de cruzamento industrial, sendo tópico de diversos artigos nos radares técnicos, e de fórum de discussões. Um dos inúmeros benefícios do cruzamento é poder explorar os efeitos da heterose ou vigor híbrido, que podem estar relacionados não só ao aspecto produtivo (ganho de peso, peso de carcaça, fertilidade, precocidade, etc.), mas também ao aspecto qualitativo da carcaça (como melhor acabamento, marmorização, e maciez), para atender determinados nichos de mercados, ou padronização das marcas/grifes.
Sem considerar os manejos pré e pós-abate, sabe-se que a variação genética tem considerável influência na palatabilidade da carne. Diversos trabalhos foram realizados principalmente na Austrália e EUA, e alguns também no Brasil, que demonstram que o uso de raças taurinas no cruzamento com zebuínos melhora de forma significativa a palatabilidade da carne, devido à melhora na maciez. Este atributo, segundo Crouse et al. (1989) é muito importante para determinar a aceitabilidade pelo consumidor.
Thompson (1998) ao avaliar banco de dados do MAS (Meat Australia Standart) observou que em condições comerciais a % de Bos indicus (zebuínos) nos cruzamentos apresentavam grande efeito na palatabilidade da carne (tabela 1). Carcaças oriundas de animais com 75% ou mais de sangue zebu apresentaram baixa palatabilidade em 63% dos casos de acordo com testes com consumidores, enquanto que em animais com menos de 25% de sangue zebu apenas 11% das carcaças foram reprovadas no teste.
Tabela 1: Resultados de aceitação do consumidor de carcaças oriundas de animais com diferente grau de sangue zebu
Crouse et al (1989) estudou no Clay Center em Nebraska durante 4 anos as características qualitativas da carne de 422 bovinos de cruzamentos de taurinos com zebuínos. As raças taurinas usadas eram Hereford (H) ou Angus (A), e as zebuínas Brahman e Sahiwal, sendo que os animais cruzados apresentavam diferentes graus de sangue Zebu:Taurino (0:100, 25:75, 50:50 e 75:25). Os animais foram submetidos ao mesmo manejo nutricional e abatidos com idades aproximadas (12-15 meses) e com acabamento semelhantes. As carcaças foram avaliadas através da força de cisalhamento e de painel sensorial feito por técnicos treinados.
Tabela 2: Grau de sangue de Bos indicus em cruzamento industrial e qualidade da carne
Os autores observaram (tabela 2) que conforme aumentava o grau de sangue zebu nos animais havia aumento na força de cisalhamento (P<0,01) e diminuição nas notas dos painéis de degustação. Tendências de decréscimo no peso de carcaça e no grau de marmoreio também foram observados com o aumento de sangue zebu. No Brasil Restle et al. (1999) realizaram trabalho semelhante aos de Crouse, et al. (1989) e Johnson et al (1990), porém os animais eram cruzamentos de Hereford e Nelore. De maneira semelhante aos trabalhos anteriores, os autores relatam efeitos negativos nos parâmetros de maciez e palatabilidade da carne com o aumento de sangue zebuíno (tabela 3). Tabela 3: Características da carcaça de novilhos de diferentes genótipos de Hereford x Nelore
Jonhson et al. (1990) ao trabalhar com cruzamentos de Angus e Brahman, também observaram diminuição na maciez e aumento da força de cisalhamento na carne dos animais com maior grau de sangue zebuíno. Neste trabalho também foi avaliado o efeito do tempo de maturação na força de cisalhamento, onde a carne de animais com 0 ou 25% de Brahman melhorou mais do que a carne de animais com 50% ou mais de sangue zebuíno (figura 1).
Como pode ser observado no gráfico, a maturação possibilita melhora significativa na maciez após 10 dias. Tal procedimento pode ser vantajoso do ponto de vista qualitativo, principalmente quando se trata de animais com alto grau de sangue zebuíno. A carne de animais com 75% de sangue zebuíno, após 10 dias de maturação, apresentou força de cisalhamento semelhante ao da carne de animais Angus que não foi submetida à maturação.
Figura 1: Efeito do tempo de maturação na força de cisalhamento de animais com diferentes graus de sangue zebuíno.
Crouse et al. (1989) sugeriu que talvez a principal causa da diferença na maciez ocorresse devido a menor fragmentação da miofibrila e por existir maior quantidade de tecidos conectivos em animais zebuínos que europeus. Porém, no trabalho de Johnson et al (1990) não foram observadas diferenças nas quantidades de tecido conectivo. Whipple et al (1990) e Wheeler et al. (1990) demonstraram que outro fator estaria relacionado às diferenças entre a maciez da carne de Bos taurus e Bos indicus. Estes autores observaram que animais zebuínos apresentam concentrações de calpastatina no músculo superiores aos taurinos. A calpastatina é o inibidor da ação da calpaína durante o processo de proteólise pós-morten. Foi observada estreita relação entre este inibidor com a menor maciez da carne.
Pringle et al (1996) avaliou os efeitos de 5 ou 10 dias de maturação na maciez e atividades de calpaína e calpastatina na carne de carcaça de animais com 0 a 100% de sangue Brahman. Os resultados mostraram que no maior grau de sangue zebuíno houve diminuição da atividade de mi-calpaína, e aumento da calpastatina. Segundo os autores o aumento da relação calpastatina:calpaína foi significativamente correlacionado com a diminuição da maciez e aumento da força de cisalhamento.
Tabela 4: Força de cisalhamento e atividade de calpaína e calpastatina no músculo de bovinos com grau de sangue zebuíno crescentes.
Animais com maior grau de sangue zebu, de modo geral, apresentam carne com maciez inferior a animais cruzados. Na Austrália, o sistema de classificação de carcaça promove “descontos” na pontuação em função da % de Bos indicus no cruzamento. Porém, pela importância do zebu naquele país devido às condições de clima, as carcaças geralmente passam por processos de estimulação elétrica, maturação, ou ainda podem ser penduradas pela pelve, ações estas que melhoram a maciez da carne.
È indiscutível a importância do zebu para pecuária brasileira, sendo talvez o principal responsável pelo Brasil estar se tornando exportador competitivo. Com cruzamento é possível melhorar ainda mais a eficiência produtiva, agregar valor ao produto atendendo nichos de mercados mais exigentes e de maior poder aquisitivo, tanto externo como interno.
Literatura Consultada
Crouse, J. D.; Cundiff, L. V., Koch, R. M., Koohmaraie, M., Seideman, C. Comparisons of Bos indicus and Bos taurus inheritance for carcass beef characteristics and meat palatability. Jounal of Animal Science, v. 67. p.2661-2668. 1989.
Johnson, D. D., Huffman, R. D., Willians, S. E., Hargrove, D. D. effects of percentage Brahaman and angus breeding, age-season of feeding and slaughter end point on meat palatability and muscle characteristcs. Jounal of Animal Science, v. 68. p.1980-1986. 1990.
Pringle, T. D.; Willians, S. E.; Johnson, D. D., West, R. I. The role of the calpain proteinase system in aged tenderness of Angus and Brahman crossbred steers. www.ads.uga.edu/annrpt/1996/96_039.htm. 1996.
Restle, J., Vaz, F. N., Quadros, A. R. B., Muller. Característica de Carcaça e da carne de novilhos de diferentes genótipos de Hereford x Nelore. Revista da Sociedade Brasileira de Zootecnia. V. 28, n. 6., p. 1245-1251. 2000.
Thompson, J.M. (1998). Grading – The Meat Standards Australia (MSA) Experience. Armidale Feeder Steer School. February 1998, Armidale .
Wheeler, T. L., Savell, J. W., Croos, H. R. et al. Mechanisms associated with the varuiation in tenderness of meat from Brahman and hereford cattle. Jounal of Animal Science, v. 68. p.4206-4220. 1990
Whipple, G., Koomaraie, M., Dikeman, M. E., et al. Evaluation of atributes that affect longissimus muscle tenderness in Bos taurus and Bos Indicus cattle. Jounal of Animal Science, v. 68. p.2716-2728. 1990