A produtividade por vaca exposta à reprodução (taxa de natalidade*sobrevivência*peso médio ao desmame) pode aumentar em 25% através de processos simples de exploração da heterose entre zebuínos e taurinos. Se esta for obtida através de uma combinação cuidadosa de material genético, este ganho pode ser alcançado sem qualquer aumento nos custos de produção. Em termos nacionais, pelo menos R$ 1 bilhão poderiam ser adicionado à receita das propriedades pelo uso racional da complementariedade e da heterose para esta característica.
Prezados leitores do BeefPoint, nos próximos radares técnicos de melhoramento animal, nós, da equipe GenSys, optamos por reapresentar alguns artigos do nosso eterno amigo, mestre e mentor Luiz Fries, como uma forma de homenageá-lo e de relembrar alguns de seus importantes ensinamentos e suas contribuições para o desenvolvimento do melhoramento animal no Brasil.
No artigo escolhido para este mês, Luiz descreveu sobre Cruzamentos em Gado de Corte. Este artigo foi adaptado daquele originalmente apresentado no “4º Simpósio sobre Pecuária de Corte, Tema: Produção do Novilho de Corte, FEALQ/ESALQ, Piracicaba, SP, 8-10/Out/1996.”
Com votos de boa leitura e muitas reflexões,
Equipe GenSys.
Introdução
A produtividade por vaca exposta à reprodução (taxa de natalidade*sobrevivência*peso médio ao desmame) pode aumentar em 25% através de processos simples de exploração da heterose entre zebuínos e taurinos. Se esta for obtida através de uma combinação cuidadosa de material genético, este ganho pode ser alcançado sem qualquer aumento nos custos de produção. Em termos nacionais, pelo menos R$ 1 bilhão poderiam ser adicionado à receita das propriedades pelo uso racional da complementariedade e da heterose para esta característica.
A combinação de efeitos aditivos e de heterose permite reduzir em pelo menos um ano a idade do primeiro parto e a idade de abate. Junto com o aumento da produtividade por vaca, estes ganhos no tempo determinam uma taxa de desfrute pelo menos duplicada. A pura complementariedade permite ainda minimizar problemas como a baixa resistência a parasitas ou a pouca maciez da carne.
Ausência de resíduos químicos na carne e carne de qualidade serão pré-requisitos para o país disputar mercados a medida que se livra do espectro da aftosa. Estes fatores todos conduzirão os produtores comerciais aos cruzamentos, por maior que seja a paixão por uma determinada raça pura. Portanto, existe também uma oportunidade enorme para que se faça uma seleção dentro de raças com uma pressão nunca imaginada, antes da maré dos cruzamentos.
Grandes têm sido os avanços da IA no país nos anos recentes e se espera que o uso desta siga crescendo. Contudo, para a maior parte dos rebanhos comerciais do país, com baixo nível de tecnologia, a maior oportunidade para usufruir dos ganhos de heterose residem no emprego, em monta natural, de reprodutores selecionados, com genética aditiva superior, e que criem e/ou mantenham altos níveis de heterose nos seus produtos.
Em função desta visão, não serão aqui discutidos conceitos de esquemas de cruzamentos que não contenham uma proposta de auto-sustentação e que criem dependências de compra constante de material genético. Criadores particulares, contudo, podem obter um benefício máximo em heterose utilizando algum destes esquemas de mais alta tecnologia para situações específicas de ambiente e de mercado.
Reprodutores sintéticos ou compostos? Esta questão tecnicamente não existe mas serve de bandeira para estratégias comerciais muito distintas e que serão aqui, pelo menos tentativamente, discutidas.
Cruzamentos e seleção são processos sinérgicos de melhoramento genético
Talvez o erro maior que exista dentro da ciência do melhoramento genético animal seja a divisão entre os processos básicos de seleção e cruzamento. Os procedimentos não são mutuamente exclusivos. Mesmo assim, ouve-se: “eu tenho gado fino, de seleção, e portanto não posso nem pensar em fazer cruzamentos”; ou então: “cruzamento é coisa para produtor comercial”. Na verdade, os processos são sinérgicos e preconceitos do tipo acima só trazem prejuízos.
Alguns dos “saltos genéticos” obtidos por alguns selecionadores são, na verdade, resultado de cruzamentos ou seja, da recuperação de parte da heterozigose perdida no processo de fixação de características raciais. Os principais benefícios da reunião das duas grandes avenidas do melhoramento genético animal são:
1) Explorar a parte das diferenças genéticas totais que é devida às diferenças entre as médias das raças. Muitas e diferentes características foram “fixadas” ou estabilizadas em patamares completamente distintos nas diferentes raças. Estas diferenças nos permitem a exploração de efeitos de complementariedade ou “profit heterosis” que em muitas situações podem ser mais importantes do que a própria exploração da heterose. Estas diferenças podem ser tão grandes que em certos casos, envolvendo populações cruzadas, se diz que a herdabilidade de determinadas características é 1,00. Ou seja, mesmo para características quantitativas, se observa que, se um determinado animal possui uma dada composição genética (25% ou 50% de gens de uma raça, por exemplo) então ele manifesta uma determinada característica num patamar diferenciado. Um exemplo claro de complementariedade é o uso de zebuínos para introduzir gens para adaptação/resistência.
2) Recuperar parte de variabilidade genética perdida após o isolamento de uma raça e também obter uma maior variabilidade genética dentro de uma população sintética. Em determinadas situações este é o único ou o principal objetivo buscado num cruzamento. Representa apenas um outro grau do que é realizado dentro de raças quando determinados linhagens/rebanhos são abertos após longo isolamento, fazendo um “refrescamento”.
3) Estes incrementos em variabilidade genética permitem obter maiores taxas de ganho genético dentro de populações sintéticas. Realizar ganhos aditivos deve ser um dos objetivos de programas a longo prazo. Só a exploração da complementariedade e da heterose representam horizontes muito curtos, com desperdício de oportunidades, e que podem conduzir programas assim orientados a serem ultrapassados.
4) Explorar e manter a heterose.
5) Aproveitar o momento de mudanças para livrar-se de preconceitos associados à cria baseada sobre animais de “raça” pura. Particularidades não associadas à produtividade devem ser deixadas para trás e não há porquê reintroduzí-las ou criar novos modismos em populações cruzadas.
6) Não perder de vista que só pela união destas avenidas é possível dar um salto de 50% na produtividade (somando os ganhos de seleção pelo uso de 25% de diferenças aditivas dentro de raças aos ganhos em complementariedade e heterose – outros 25%) e ainda manter taxas de ganhos genéticos superiores a 1% da média fenotípica ao ano.
A união destas duas avenidas têm um pré-requisito básico: é necessário trabalhar com populações grandes. Em primeiro lugar, porque qualidade só sai da quantidade, ou seja, só se obtêm ganhos genéticos significativos através de forte pressão seletiva e sem um grande número de animais não é possível realizar descartes por produção. Sempre é preciso considerar formas associativistas para reunir uma grande população. Com populações de tamanho médio ou pequeno, as vantagens iniciais serão perdidas devido à reconstrução de níveis crescentes de consangüinidade.
Para usar bem a complementariedade é necessário conhecer bem quais características produtivas de cada raça e, antes de tomar qualquer decisão, avaliar o potencial deste grupamento em manter um abastecimento constante e seguro de material genético superior.
Diferenças genéticas em produção entre raças
Na secção anterior vimos que o primeiro benefício do cruzamento é (ou deveria ser, em gado de corte) explorar os benefícios da complementariedade entre raças. O exemplo mais claro que existe disto é combinar características de adaptabilidade (e produção em ambientes nutricialmente pobres) dos zebuínos com características de produtividade dos taurinos. Para obter os benefícios máximos de um programa de cruzamentos é necessário encontrar raças que verdadeiramente se complementem, para as características que causam um maior impacto econômico, e cujo produto seja capaz de manter um alto nível de produção dentro do sistema empregado. Pode ser dito que o maior problema dos cruzamentos hoje realizados no país é a excessiva (e muitas vezes única) preocupação de obter novilhos pesados.
A Tabela 1 é um resumo dos resultados com comparações entre 26 raças do programa de avaliação de germoplasma do MARC-ARS-USDA, conforme relatado por Cundiff e col. (1993). Estas informações são resultantes de mais de 30 anos de trabalhos desenvolvidos pelo Clay Center para caracterizar raças bovinas representando diversos tipos biológicos para características bioeconômicamente importantes.
No diferentes ciclos, o número de touros utilizados em Inseminação Artificial (AI) por raça se situava entre 15 e 20. Cerca de 200 progênies foram produzidas para cada uma das raças dos touros. Touros Hereford e Angus foram originalmente amostrados em 1969, 1970 e 1971 (touros nascidos entre 1963 e 1970) e usados em todos os 4 ciclos. No Ciclo IV, uma nova amostra de touros Hereford e Angus (cerca de 30 para cada raça), nascidos entre 1982 e 1984 foram usados e comparados com os touros Hereford e Angus originais (tipo antigo).
As tabelas do apêndice mostram resultados das diferentes raças em relação ao Hereford-Angus antigo. Chamam a atenção os resultados do Hereford-Angus atual, que estão mais próximos das raças continentais do que do Hereford-Angus antigo. Grupos raciais são agrupados em sete tipos biológicos de acordo com diferenças relativas em taxa de crescimento e tamanho adulto, relação carne/gordura, idade à puberdade e produção de leite. Resultados de animais puros Hereford e Angus não são apresentados porque eles não obtiveram o benefício da heterose. Assim, médias dos grupos raciais são de cruzas F1 (calculando a média dos produtos de vacas Hereford e de vacas Angus), com o benefício da heterose.
Tabela 1. Raças agrupadas por tipos biológicos de acordo com quatro critérios (um maior número de X´s indica um valor maior no critério), segundo Cundiff e col. (1993)1
Maximizar heterozigose ou heterose?
Mesmo no meio técnico existe confundimento (intencional ou não) entre heterozigose e heterose, conceitos muito distintos que serão definidos nesta secção.
Uma pergunta freqüentemente feita é “qual a heterose máxima em gado de corte?”. Se interpretarmos esta pergunta como qual a característica que apresenta um maior efeito heterótico então uma boa resposta pode ser encontrada em Koger (1976), onde é apresentada uma tabela com valores médios já reportados na literatura para as heteroses dos vários componentes da produtividade por vaca e para diferentes sistemas de cruzamentos. A produtividade por vaca é definida como kg de bezerro desmamado por vaca exposta à reprodução e é resultante do produtório de vários componentes: taxas de manifestação de cio e fertilidade; sobrevivência embrionária, perinatal e pré-desmama; instinto e habilidade materna; e ganho de peso pré-desmame.
Por exemplo, para cruzamentos entre zebuínos e taurinos, vacas F1 entre estes (portanto, com 100% de heterozigose) desmamando produtos de touros de uma terceira raça (produtos com 100% de heterozigose também), obtêm uma vantagem em produtividade por vaca, graças à heterose, de 45%. Opções mais simples e estabilizadas, com possibilidades de serem utilizadas por grande número de produtores, como sintéticos entre estes grupos, proporcionam uma heterose de 26%. Mesmo este valor de heterose (que é o do sistema com maior potencial de abrangência e menores riscos), se multiplicado pelo número de ventres disponíveis no país e pelo equivalente monetário da produção média por vaca disponível, nos dá um resultado na casa dos US$ 1 bilhão.
Esta cifra dá uma idéia do quanto existe em genética para ser explorada e posta a funcionar em favor da pecuária nacional. O importante é que a heterose é um fenômeno biológico que está à disposição de todos e ninguém pode querer cobrar royalties pela sua obtenção. Quando um criador está comprando touros e opta por reprodutores de raça diferente das suas vacas, ele obterá este benefício como fruto líquido da sua decisão. Ninguém tem o direito de se apossar de direitos da natureza e de cobrar pela heterose que este touro possua nem pela heterose que ele produzirá sobre seus produtos.
Chama a atenção o fato do confundimento sistemático entre heterose e heterozigose aparecendo na imprensa recentemente. Ver, por exemplo, matéria/entrevista sobre compostos na DBO de Agosto de 1995, onde são utilizadas expressões como 75% e 100% de heterose, como se isto fosse possível de obter e/ou como se heterozigose fosse sinônimo de heterose. Qualquer criador ficará impressionado, pelo menos durante algum tempo, com estas cifras, muito maiores do que um plausível 26% ou um máximo de 45% para um dos componentes de um sistema tecnicamente exigente.
A heterozigose é um conceito estatístico que define qual a probabilidade de que os alelos de um determinado locus provenham de raças distintas. Por exemplo, se for feito um cruzamento de Nelore sobre Brahman, a probabilidade de que os elementos de um par de gens destes produtos provenham de raças distintas é de 100% (mesmo assim ignorando o parentesco existente entre estas raças).
O fenômeno real que se verifica na produção animal é a heterose e portanto ela é que deve ser o foco/objetivo de planos de otimização ou maximização de produção pecuária e de programas genéticos. A heterose (superioridade sobre a média das raças paternas puras), que é expressa na produção de uma animal, depende de:
1)nível de heterozigose materna e individual;
2)distância genética entre as raças envolvidas;
3)freqüências gênicas específicas presentes nos rebanhos e animais utilizados;
4)qual característica está sendo avaliada ou referida; e
5)interações com o ambiente.
O segundo destes pontos é o responsável pela heterose muito maior que existe quando cruzamos uma raça zebuína e uma taurina do que quando realizamos cruzamentos entre zebuínas ou entre taurinas. Entre taurinas, observa-se heterose maior em um cruzamento entre britânica e continental do que em cruzamentos dentro destes subgrupos mais próximos.
Parte dos resultados e conclusões obtidos pelo Clay Center podem ser afetados por estas diferentes heteroses pois eles consideraram uma relação sempre linear entre heterozigose e heterose. Assim, cruzamentos que resultem em maiores heteroses para uma mesma heterozigose terão esta superioridade interpretada como efeito genético aditivo. Por outro lado, quando o ambiente apresenta um clima frio capaz de impedir o uso de raças zebuínas (e a grande heterose que elas proporcionam com os taurinos), uma forma de aumentar a heterose é pelo aumento de raças taurinas empregadas, o que determina uma maior heterozigose.
A Tabela 2 fornece as retenções de heterozigose (H) e de heterose (h) para Peso à Desmama de gerações avançadas de 6 diferentes sintéticos. Os valores porcentuais de heterose para os F1 (quando a heterozigose é de 100% ou H=1.00) para Peso à Desmama utilizados para elaborar os dados da tabela foram (média da literatura):
materna (hm): 0.14 (ZT), 0.02 (ZZ) e 0.06 (TT); e
individual (hi): 0.12 (ZT), 0.02 (ZZ) e 0.05 (TT).
Tabela 2. Retenções de heterozigose (H) e de heterose (h) para Peso à Desmama para 6 sintéticos
Em função destes resultados cabe perguntar:
1)A maior complexidade (que poderia afugentar criadores ou induzi-los a erros) e o maior número de gerações necessário para atingir a composição desejada em alguns esquemas compensariam o ganho extra (relativamente pequeno) em heterose?
2)As outras raças a serem adicionadas são de igual qualidade em termos de genética aditiva para a produção do que as já contempladas no esquema mais parcimonioso de uso de heterose?
3)Dado que este último ponto seja verdadeiro, estas raças realmente agregam características complementares não ainda satisfeitas e possuem fontes amplas e seguras de genética aditiva?
Respostas criteriosas a este questionamento são necessárias para que seja possível aproveitar em toda a extensão a oportunidade que os sintéticos nos oferecem: realizar ganhos genéticos tanto através da seleção quanto na exploração da heterose.
Utilizar uma raça recém introduzida, ou com pouca disponibilidade (animais e fornecedores) de material genético é uma receita segura para problemas no curto prazo. Todos os ganhos realizados inicialmente em heterozigose podem ser perdidos (num porcentual talvez até superior) na geração seguinte. Animais F1 podem ser meio-irmãos entre si e, se acasalados, terão produtos consangüíneos. Este fato simples explica porque a maior parte das tentativas de formar sintéticos/compostos simplesmente é abandonada e desaparece em pouco tempo.
A maior variabilidade genética dentro dos sintéticos potencializa o ganho genético através da seleção e as informações hoje existentes dentro das raças permitem escolher gens aditivos para produção com impactos semelhantes ou maiores que os criados pela heterose. Um sintético deve ser formado com preocupações de retenção de heterose e de utilizar a melhor genética aditiva disponível dentro das raças.
Além disto, a seleção deve ser utilizada para recriar efeitos epistáticos favoráveis perdidos no processo de cruzamento e para aumentar ainda mais os níveis de produção obtidos inicialmente. Para que o sinergismo inicial obtido num sintético atual e científico continue existindo é necessário trabalhar com populações muito grandes, sempre abertas, com controle total de produção e uso criterioso de forte pressão seletiva. Caso a população sintética permaneça geneticamente estável (o que até poderia ser considerado um feito), é apenas uma questão de tempo ou de gerações de seleção para que as populações puras alcancem os mesmos patamares de produção. Geneticistas de milho afirmam que em 50 anos de seleção seria possível bater os melhores híbridos de hoje, sem toda a dependência/concentração genética e comercial existentes, além de evitar outras desvantagens.
Uma nova composição genética para que meio?
A primeira coluna da Tabela 1 precisa ser examinada com cuidado antes de decidir que raças utilizar num programa de cruzamentos racional. É curioso o fato de que a maior parte dos cruzamentos pioneiramente realizados no país utilizaram raças de grande porte sobre vacas aneloradas, também de grande porte (4 X’s). Talvez por isto mesmo a maior parte das fêmeas assim obtidas também foram abatidas. Ou seja, o processo de cruzamento foi utilizado quase que exclusivamente para incorporar uma genética aditiva que resultasse em animais grandes, pesados e tardios, para serem terminados em confinamento, com ganhos heteróticos relativamente pequenos.
Se a fêmea Nelore já está no limite (ou passando deste) do tamanho para regiões de colonião, é difícil imaginar qual o raciocínio utilizado para sustentar a utilização de raças de grande tamanho adulto para a formação de fêmeas de cria. Com certeza este tipo de vacas, não sincronizada com o sistema de produção, trará prejuízos ao criador médio, pelo aumento nos custos de produção ou pela redução da produtividade ou pela redução na lotação dos pastos para manter um estado corporal e produtividade/vaca razoáveis. Muitos criadores já experimentaram este tipo de cruzamento e voltaram à vaca Nelore, e hoje afirmam que a vaca Nelore é imbatível e mais produtiva que uma vaca cruzada. O que é inegável para situações deste tipo.
Mesmo que a parte aditiva seja bem equacionada e produza genótipos adequados, o maior potencial de produção desencadeado pela heterose provocará algum aumento de consumo de alimentos. Parte dos ganhos da heterose advém da redução de perdas (mortes embrionárias, p.e.), ou da maior resistência a enfermidades ou maior eficiência metabólica. Mas uma maior produção de leite ou um maior ganho de peso não se gera pela pura heterose e vai depender da disponibilidade de um maior volume forrageiro (mesmo que um animal cruzado faça um pastoreio menos seletivo) ou, no mínimo, de um melhor aproveitamento deste.
Os maiores ganhos em heterose ocorrem nas características de baixa herdabilidade, de maneira geral, e principalmente naquelas associadas com o desempenho produtivo de fêmeas. Portanto, o foco de um programa de cruzamentos deve ser aí centralizado, procurando formar fêmeas que sejam adequadas ao sistema de produção médio nacional, o que significa moderadas em tamanho e em produção de leite.
Este raciocínio conduz à formação de populações sintéticas com estas características. Felizmente o país possui genética superior e populações grandes que se encaixam neste figurino através das raças Nelore, Hereford (Polled) e Angus. Esquemas extremamente simples (como sintéticos ½ entre a Nelore e uma das britânicas) produziriam heteroses superiores a de um sintético de 4 raças européias, pelo menos para a maioria das características ligadas à produção, como exemplificado na Tabela 2.
Maior heterose pode ser obtida pelo cruzamento entre estes sintéticos (ver linha HNAN na Tabela 2), sem alterar o porte e exigências de mantença das vacas. Este pode ser o caminho natural (os dois sintéticos já existem) para a exploração de maiores níveis de heterose, sem necessariamente conduzir o criador por gerações e gerações de cruzamentos cada vez mais complexos para então chegar a um produto com algum porcentual a mais de heterose.
Mesmo criadores comerciais podem fazer alguma seleção por produção dentro dos seus rebanhos sintéticos. Por exemplo, eles podem apartar, a cada desmama, quais as vacas que desmamam o terço superior dos seus bezerros. Estas continuaram dentro do programa de sintéticos para produzirem fêmeas de reposição cada vez superiores. O restante dois terços das fêmeas poderiam ser cruzadas com touros sintéticos terminais, que teriam toda a sua produção abatida. Cada vez mais, são produzidos touros sintéticos no país do tipo Canchim, ou com gens do Limousin, Blonde d’Aquitaine, Piemontês, Marchigiana e Belgian Blue. O criador que utilizasse um sistema destes estaria:
1)explorando o máximo possível de heterose de suas fêmeas ao mesmo tempo que mantêm baixos custos de produção;
2)maximizando a heterose média final dos produtos que seguem para abate; e
3)continuaria operando livre, adquirindo no mercado animais com relação superior de DEP’s/R$ e usando raças dos reprodutores sintéticos que lhe maximizassem heterose e complementariedade.
Esta idéia de explorar as diferenças genéticas existentes entre raças e de empregá-las também, dentro de rEbanhos, entre sexos e categorias produtivas só é possível através do uso de um programa racional de cruzamentos. É importante notar que estes componentes já existem e estão à disposição do criador.
O que felizmente não existe no nosso mercado é um animal que contenha uma pitada de cada uma de várias raças. Se a gente olha bem para as fotos dos que usam a marca “composto” e abstrai a cor da pelagem, o que salta a vista é um animal duplo-propósito da Europa Continental do século passado. É um pouco de tudo sem ser especialista em nada, a não ser nas exigências alimentares para sustentar vacas com 650 kg, quando em mau estado, durante longos anos.
É necessário muita competência para vender como moderno a idéia anacrônica do duplo (ou múltiplo?) propósito. É algo como cruzar linhagens sintéticas para postura (Leghorn) e sintéticos para peito duplo, para resintetizar uma Rhode Island.
Algo parecido pode ser dito com relação as vacas duplo propósito que ainda existem nos pequenos rebanhos da Europa (os grandes já são mais especializados -Holstein com altos níveis de proteína- do que os da América do Norte). E o mesmo deve ser dito para o criador médio americano (cerca de 50 vacas) que faz a opção pelo ‘composto’. Foi para este criador que o conceito dos compostos foi criado e é recomendado pelo Clay Center (ver Sumário Executivo em Gregory et all (1995)).
É uma idéia mais do que adequada para aquele sistema de produção e para uma estrutura fundiária de produção onde pelo menos um membro da família possui um emprego na cidade e portanto só trabalha na fazenda nos fins-de-tarde e no final de semana. Para este criador, nada melhor do que adquirir, pronto, conjuntos de 20 vacas e 1 touro, prontos para usar, com toda a heterose possível já embutida. Como mais da metade da produção americana de bezerros provém deste tipo de propriedade, isto explica o grande sucesso comercial, pelo volume de vendas, dos que se dedicam a multiplicar este material genético para uso final e comercial.
As maiores falhas de tentar transplantar esta proposta para o Brasil e a forma como isto está sendo feito, são:
1)ignorar que aqui é possível, além de obrigatório, usar a genética de zebuínos, que proporciona uma heterose cerca de duas vezes maior do que a entre taurinos, conforme a mesma publicação do Clay Center, e que, portanto, maximizar heterozigose não é sinônimo de maximizar heterose;
2)propor um tipo de animal para a produção comercial que, por excessivamente grande, não é adequado a uma base forrageira de brachiárias;
3)reiteradamente confundir heterozigose, heterose e suas retenções;
4)utilizar um número excessivo de raças, o que implicará em, no mínimo, 3-4 gerações (15-20 anos) de experimentos em propriedades de terceiros até chegar ao produto final estabilizado;
5)usar como argumento para introduzir raças “adaptadas” de origem taurina a dureza da carne do zebuíno enquanto é proposto, ao mesmo tempo, o uso de raças desconhecidas para esta característica ou mesmo, como demonstrado no próprio Clay Center, raças taurinas com a mesma dureza, como a Gelbvieh; e
6)criar riscos e dependências desnecessárias de material genético escasso até na origem.
As conseqüências de maximizar pesos maduros e produção de leite já são conhecidas em diferentes países, raças e fases do sistema de produção, conforme relatos do Clay Center e da Nova Zelândia.
Considerações Finais, ou Iniciais, para um programa de cruzamentos
Como cerca de 2/3 dos custos de produção da carne bovina estão associados com a fase de cria (desde a recria de fêmeas de reposição, reprodução, gestação, lactação e até o desmame dos produtos) é fundamental obter fêmeas produtivas em qualquer modelo de produção que pretenda ser eficiente.
Como cerca de 3/4 dos custos anuais de alimentação de uma vaca são gastos na mantença, é fundamental obter fêmeas equilibradas com o meio ambiente e por isto capazes de repetir ano após ano produções compatíveis com o sistema de produção.
Como cerca de 2/3 dos benefícios totais da heterose provêm das categorias de fêmeas, é fundamental direcionar o programa para a obtenção e exploração de vacas equilibradas e produtivas.
Para produzir um novilho com uma arroba a mais de peso ou de massas musculares é necessário computar os gastos alimentares para isto, mais os custos de mantença desta mesma arroba a mais da sua mãe, se os pesos finais estiverem aquém do suportado pelo sistema forrageiro. Se o tamanho da vaca estiver além do que o ambiente suporta, o estado corporal médio das vacas cairá, as taxas de nascimento e de desmame sofrerão reduções e esta arroba a mais dos novilhos trará prejuízos econômicos.
A heterose é um fenômeno biológico gratuito. Quem pagou por isto foram os criadores que formaram as raças “puras” e fizeram consangüinidade dentro dos seus rebanhos. E para obter os benefícios da heterose basta um criador comprar touros de composição genética afastada daquela das suas vacas. Nenhuma empresa pode querer cobrar pela heterose produzida, ou mesmo por parte dela. Isto é apropriação indevida do que é da natureza, mesmo que com outros nomes.
O potencial dos cruzamentos para aumentar a rentabilidade dos criadores e para garantir a competitividade da pecuária é enorme. Experiências mal sucedidas (que seguramente ocorrerão em função de algumas propostas presentes no mercado) podem afastar um grande número de produtores destes benefícios. É dever ético dos técnicos opinar e alertar a sociedade sobre propostas que tragam benefícios indevidos para poucos às custas de prejuízos para muitos.
Animais cruzados também possuem e geram parentescos. Populações pequenas correm o risco de perder, na segunda geração, tudo (ou mais) o que foi ganho na anterior, pela reconstrução dos níveis de consangüinidade. Existem diferentes formas para os criadores combinarem cooperação, co-operação e competição para um trabalho conjunto de exploração de efeitos aditivos e de heterose.
Literatura citada
Cundiff, L. V., F. Szabo, K. Gregory, R. M. Koch, M. E. Dikeman e J. D. Crouse. 1993. Breed comparisons from the MARC-ARS-USDA. Germplasm Evaluation Program. Conferência do 25º Aniversário da Beef Improvement Federation, 26-29 Maio 1993, Asheville, North Carolina.
Gregory, K.E., L.V. Cundiff e R.M. Koch. 1995. Composite Breeds to use Heterosis and Breed Differences to Improve Efficiency of Beef Production. MARC-ARS-USDA e University of Nebraska. 80p.
Jenkins, T. G. e C. B. Williams. 1994. Performance of different biological types with variable levels of feed availability. Proceedings of the Beef Vanguard 1994 International Congress, Nov 1-2, 1994, Buenos Aires, Argentina, pp 29-36.
McMillan, W. H., C. A. Morris e D. G. McCall. 1992. Modelling herd efficiency in live weight-selected and control Angus cattle. Proceedings of the New Zealand Soc Animal Production. 52:145-147.
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Quando era estudante de tecnicas agropecuarias na cidade de Florestal MG em 1984 um professor disse durante um debate:
“Ai do Brasil não fosse o braquearea e ai do Brasil não fosse o nelore”.
Acho realmente, 24 anos depois que isso ainda diz tudo.
Parabéns pelo artigo, é dessa forma que os produtores rurais irão conciliar características para o melhoramento do seu rebanho, dentro das características desejadas. Principalmente unindo a rusticidade dos zebuínos com a produtividade dos taurinos, esse cruzamento trará grandes resultados aos produtores.
Parabéns pelo artigo, é oportuno e pontual, porque vem reforçar em termo de informação o trabalho que temos vindo a desenvolver, para o melhoramento génetico do nosso gado (SRD) com o intuíto de alcançarmos melhores resultados, cruzando-os com o gado da raça Nelore (PO) através da IA e\ou monta natural, técnica essa, explorada recentemente no meu país (Angola) que trará grandes resultados aos pequenos criadores em especial, nessa região de África.
Muito bom esse artigo, pois exibe uma alta qualidade técnica e profundo conhecimento do assunto tratado, atendendo as diferentes demandas de informações para essa nova tendência que se mostra no mercado cada vez mais competitivo da pecuária mundial.
Parabéns pela bela explanação da matéria e pela riqueza de detalhes oportunamente expressos em seu conteúdo.