Quando me solicitaram para escrever sobre cruzamentos em gado de corte no Brasil, confesso que me surpreendi. Achava que já se havia escrito muito sobre o tema e também que havia profissionais com maior capacitação sobre o assunto. No objetivo de não cair na repetição decidi revisar, da forma mais básica possível, os fundamentos teóricos dos programas de cruzamentos e externar minhas opiniões pessoais como técnico da área.
O uso dos cruzamentos em pecuária de corte aumentou muito nos últimos anos em decorrência da popularização da Inseminação Artificial e do anseio dos criadores em aumentar a eficiência e a produtividade. Pode-se dizer até que houve um movimento de “manada”, ou seja, os criadores “referência” começaram a usar a técnica e muitos os seguiram.
Mas afinal quais são os reais benefícios dos cruzamentos? Três são os grandes benefícios: heterose, complementaridade e genética aditiva. O melhor desempenho dos animais cruzados em relação aos pais de raças puras chama-se heterose, ou vigor híbrido. É o ganho que temos quando ocorre o “choque de sangue” entre duas raças distintas, e quanto mais distantes as raças, maior o choque. A combinação das melhores características de duas ou mais raças é a complementaridade. Por exemplo, soma-se a resistência dos Zebuínos com a fertilidade das raças européias. Genética aditiva é o ganho que temos com o uso de animais melhoradores. É o que somamos em nossos rebanhos com o uso de bons animais.
Já que queremos animais mais férteis, precoces e produtivos porque não podemos simplesmente identificar e selecionar em nossos rebanhos este indivíduos? Porque é muito baixa a herdabilidade de muitas características que desejamos. Quando selecionamos as vacas mais férteis de nossa propriedade, as que emprenham mais cedo e repetem cria com mais facilidade, infelizmente não temos certeza se suas filhas serão tão boas porque é muito pouco herdável esta característica (fertilidade). Porém, quando trabalhamos com cruzamento temos muitos ganhos em fertilidade devido à heterose, ou seja, sabemos que as fêmeas cruzadas são mais férteis que suas mães. Este é o “pulo do gato” do cruzamento. Da mesma forma existem características com alta – média herdabilidade, como musculosidade, tamanho e conformação, que devem ser apuradas via seleção.
Os programas que vem sendo desenvolvidos para seleção de animais zebuínos mais precoces são fantásticos e tem trazido resultados excelentes em curto espaço de tempo, mas afirmo com tranqüilidade que não chegaremos a um Nelore mais precoce que o Angus, da mesma que forma que não chegaremos a um Hereford mais resistente que o Nelore. É lutar contra as forças da natureza e milhares de anos de evolução dos animais.
Podemos dizer que as raças de bovinos dividem-se em três grandes grupos: Zebuínos (Nelore, Guzerá, Tabapuã, etc.), Europeus Continentais (Charolês, Limousin, Simental, etc.) e Europeus Britânicos (Angus, Devon, Hereford, etc.). Entender as diferenças básicas entre estas raças é fundamental para o planejamento de um programa de cruzamento. Precisamos conhecer bem quais raças que são mais ou menos precoces, tem mais ou menos problemas de parto, precisam de mais ou menos alimentos, que tem melhor carcaça em qualidade e quantidade e outras inúmeras características que estão diretamente relacionadas com o nosso resultado final, ou seja, o quanto nos sobra ou nos falta de dinheiro no bolso ao final do ano.
Considerando que a maioria dos pecuaristas brasileiros tem como base de seu rebanho animais azebuados, principalmente da raça Nelore, a decisão de qual outra raça a ser usada é uma resposta de nosso sistema de produção e nossas metas. Sistemas de produção com muita restrição de alimentação, sistemas intensivos, produção de animais cruzados para abate de machos e fêmeas, retenção na propriedade das fêmeas cruzadas e outras informações deste gênero vão nos conduzir a escolha de uma ou outra raça com desempenhos bem diferentes.
Baseado nas condições de criação no Brasil, vejo com um potencial monstruoso o uso das raças britânicas (Angus, Devon e Hereford) em programas de cruzamentos com zebuínos, especialmente quando o objetivo é a utilização das fêmeas cruzadas na fazenda. Justifico meu parecer no desempenho reprodutivo destes animais. A reprodução é a característica com maior impacto econômico na produção de bovinos.
Cada real bem gasto com melhorias em reprodução tem um retorno financeiro muito superior do que gastos para altos pesos a desmama, altos pesos ao abate ou até mesmo altos rendimentos de carcaça. Considero as raças britânicas como insuperáveis em precocidade sexual e fertilidade, o que alavanca a eficiência da fazenda e, adicionalmente, estas raças têm fácil terminação e ótima qualidade de carne (maciez, suculência e acabamento adequado), o que vai ao encontro das demandas dos frigoríficos e do mercado de carnes como um todo.
Acompanhei pela mídia os problemas de confusão de animais cruzados com “tucuras” e a conseqüente dificuldade de aceitação de bons produtos de cruzamentos em alguns frigoríficos do país. Daí surge a questão se o cruzamento é solução ou confusão. Com certeza os cruzamentos fazem parte das soluções de muitos problemas de nossa pecuária, mas no momento em que não há planejamento no que vai se fazer passamos a ter mais confusão e, ao invés de animais cruzados de qualidade, que deveriam ser mais valorizados em relação aos outros, acabamos tendo misturas e até restrições do mercado.
Os tipos de sistemas de cruzamento (terminal, rotacionado, contínuo, three cross, etc.) merecem um texto à parte, além de ser fundamental a definição de qual sistema utilizar. Acredito que para a viabilidade dos programas de cruzamentos, especialmente para iniciantes, o uso de duas raças com controles bem organizados e a participação em um programa de melhoramento genético é uma opção muito interessante, pois apesar de não ter os mesmos ganhos em heterose do que quando utilizamos 3 ou mais raças, ganhamos muito na simplicidade do manejo (número de piquetes, lotes de vacas, lotes de touros) e na precisão dos dados utilizados.
Todo o programa de cruzamento bem conduzido, independente do número de raças ou do sistema utilizado, chegará ao sucesso. Porém, o ponto chave que jamais pode ser esquecido é o do uso de touros comprovadamente superiores. Dê preferência para touros registrados, provados (em avaliações genéticas) e nacionais, pois assim os riscos de surpresas no desempenho e adaptação de seus filhos será bem menor.
Os ganhos com cruzamentos são incontestáveis: maior fertilidade do rebanho, maiores pesos na desmama, melhor qualidade do produto final e o melhor de tudo, maior remuneração na atividade pecuária como um todo.