Por Moacyr B. Dias-Filho1
Nos últimos 10 anos, a atividade pecuária na região Norte vem apresentando grande expansão, em termos de evolução do rebanho bovino (Tabela 1). Por outro lado, estimativas feitas com base no Censo Agropecuário de 1996 e no aumento do efetivo bovino, mostram que, no mesmo período, as áreas de pastagem existentes no norte do país aumentaram cerca de 95% em relação àquelas presentes na região em 1995 (Dias-Filho & Andrade, 2005).
Acredita-se que grande parte dessa expansão esteja sendo causada pela migração de produtores de outras regiões do país, que procuram a região Norte em busca de menores custos de produção, principalmente em função da pressão de competição exercida pela agricultura, que tem elevado o preço da terra naqueles locais (Dias-Filho & Andrade, 2005).
Outro fator importante são as condições climáticas locais, com temperaturas praticamente uniformes ao longo do ano e períodos secos relativamente menos severos e extensos do que outras regiões do país, permitindo que a pastagem seja a base alimentar da pecuária de corte durante o ano todo, tornando possível à produção do “boi verde”, forte componente para a conquista de mercados mais exigentes.
Tabela 1 – Rebanho bovino brasileiro por regiões, em milhões de cabeças e evolução em porcentagem.
Assim como em outras regiões do país, a degradação de pastagens constitui-se em um dos principais problemas agronômicos para a atividade pecuária na região Norte (Dias-Filho, 2005a). Embora não existam estudos formais que quantifiquem a magnitude do problema em termos de extensão de área, estimativas têm sugerido que cerca de 60% das áreas de pastagens cultivadas na região Norte estariam degradadas ou em processo de degradação.
As principais causas de degradação das pastagens na região, via de regra, são bem semelhantes àquelas apontadas para outras regiões tropicais e subtropicais (Dias-Filho, 2005a).
Nesse sentido, a superlotação das pastagens e a ausência de adubações de manutenção constituem-se em importantes causas de degradação na região Norte.
Por outro lado, o uso do fogo como instrumento de “limpeza” (controle de invasoras), ou de eliminação do excesso de pasto não consumido, continua sendo um importante fator de manejo acelerador da degradação de pastagens cultivadas nessa região.
A síndrome da morte do capim-marandu
Outra situação particular e, relativamente nova, que tem contribuído para agravar o problema da degradação de pastagens na região Norte é a síndrome da morte do capim-marandu, que nos últimos anos passou a ser reportada como importante causa de degradação de pastagens em diversos locais da Amazônia, particularmente, no estado do Acre (Teixeira Neto et al., 2000; Valentim et al., 2000).
Esta síndrome manifesta-se durante a época chuvosa, principalmente em áreas que apresentam solos de baixa permeabilidade. Estudos e observações de campo têm sugerido que a mortalidade do capim-marandu se deveria, principalmente, à associação da falta de adaptação desse capim ao excesso (temporário) de água no solo com o ataque de fungos dos gêneros Pythium, Fusarium e Rhizoctonia, que seriam favorecidos pela condição de saturação de água no solo (revisado por Dias-Filho, 2005b).
No caso particular do estado do Acre, a gravidade do problema provavelmente deve-se ao fato de que mais de 50% dos solos do Estado apresentam permeabilidade baixa, conforme zoneamento de risco edáfico realizado por Valentim et al. (2000), sendo, portanto, inadequados para o cultivo do capim-marandu (Dias-Filho, 2005b).
A solução do problema tem sido a substituição do capim-marandu por outras espécies forrageiras mais adaptadas a essas condições ambientais (Dias-Filho, 2005a; Dias-Filho & Andrade, 2005).
Recuperação de pastagens
Nos últimos anos, têm sido desenvolvidas diversas estratégias para a recuperação de pastagens tropicais degradadas. Tais estratégias são apresentadas e discutidas em Dias-Filho (2005a), e variam desde a completa renovação da pastagem, até o pousio da área, para a recuperação da vegetação secundária, em áreas que não deveriam ter sido originalmente desmatadas.
Estratégias intensivas de recuperação de pastagens degradadas, isto é, que empregam adubação e mecanização, têm sido propostas há mais de 20 anos para a região Norte. Tais estratégias normalmente são destinadas a áreas mais extensas, com características de pecuária empresarial e onde haja alto percentual de plantas daninhas de grande porte.
Nesses casos, as atividades de recuperação normalmente envolvem o enleiramento, a gradagem do solo, a adubação e a semeadura das forrageiras. A mecanização e a compra de adubos são os itens que mais encarecem o processo de renovação de pastagens. Para muitos locais da região Norte, estes custos são ainda mais elevados devido às grandes distâncias dos centros de produção, fabricação e distribuição de insumos agrícolas (Dias-Filho, 2005a).
De fato, o grande desafio econômico para a adoção, em larga escala, de tecnologias de recuperação de pastagens degradadas na região Norte, principalmente aquelas que demandam maior uso de insumos, seria que a implantação dessas tecnologias é normalmente mais cara do que os procedimentos tradicionais de conversão de áreas de floresta primária em pastagens (Dias-Filho, 2005a).
Assim, a maior dificuldade da tecnicização da atividade pecuária na região seria o montante de capital demandado, tanto para manter o fluxo de caixa inicial, como para investir na compra de animais, os quais seriam necessários para fazer frente ao aumento da produção do pasto, após a recuperação da pastagem.
A integração agricultura-pecuária poderia ser usada como forma de diminuir os custos do processo de renovação de pastagens na região Norte. No entanto, a viabilidade desta tecnologia dependeria, principalmente, da existência de mercado para comercialização da produção e, também, de infra-estrutura e mão-de-obra para plantio, colheita e armazenamento dos grãos produzidos.
Dessa forma, a gradativa intensificação da criação bovina a pasto deve ser considerada e incentivada para a região Norte. Sem essa intensificação, nos próximos anos, poderá haver aumento considerável na extensão das áreas de pastagem degradadas e no ritmo de substituição das áreas de pastagem, ainda produtivas ou degradadas, por áreas de agricultura de alta tecnologia, como a soja.
Perspectivas para os próximos anos
Em razão do crescimento da atividade pecuária na região nos últimos anos e às condições conjunturais da pecuária e da agricultura no restante do país, seria seguro afirmar que, nos próximos anos, as maiores taxas de crescimento do rebanho e da produção de carne bovina continuarão a ser registradas na Região Norte.
Em função dessa perspectiva, é necessário que esse crescimento seja centrado em uma pecuária de alta produtividade, baseada em uma gestão predominantemente empresarial. Isso significa que grande parte dos sistemas de produção atualmente praticados devem sofrer modificações objetivando intensificar a produção, isto é, produzir mais em menor área, tornando a pecuária competitiva e apta a concorrer no processo de uso da terra.
É premente, também, que essa intensificação seja baseada, predominantemente, na utilização das áreas já desmatadas (degradadas) na região, e que atualmente se encontram abandonadas ou subutilizadas, reduzindo desmatamentos e queimadas e tornando a atividade mais sustentável ambientalmente.
Nesse contexto, para que essa meta seja alcançada, é necessário que o uso de técnicas de recuperação de pastagens seja economicamente mais atrativo do que a formação de novas áreas de pastagem, a partir do desmatamento de áreas de floresta primária. No entanto, a maior dificuldade para a adoção dessa tecnicização é o montante de capital demandado (Dias-Filho, 2005a).
Sem o aporte de capital externo, a tecnicização da atividade pecuária na região Norte será um processo lento e pouco efetivo. Como a pecuária de baixa tecnologia não pode competir com a agricultura de alta tecnologia (e.g., soja), o resultado poderá ser o abandono da atividade ou a migração dos produtores para regiões que oferecem menor custo de produção, geralmente em locais onde ainda existam áreas de floresta primária. Isso invariavelmente causará aumento no desmatamento.
Portanto, considerando os benefícios ambientais e sociais da recuperação de pastagens degradadas frente à conversão de novas áreas de floresta em pastagens, há necessidade de ampliação e desburocratização das linhas de crédito atualmente disponíveis na região para que a tecnicização da atividade pecuária seja acelerada e a sua sustentabilidade aumentada.
O aumento do uso de tecnologia no manejo de pastagens na região Norte, traduzido pela maior intensificação da criação bovina a pasto, pode ter conseqüências que indiretamente ajudariam a preservar os recursos naturais locais.
Literatura citada
DIAS-FILHO, M.B. Degradação de pastagens: processos, causas e estratégias de recuperação. 2. ed. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2005a. 173p.
DIAS-FILHO, M.B. Opções forrageiras para áreas sujeitas a inundação ou alagamento temporário. In: PEDREIRA, C.G.S.; MOURA, J.C. de; DA SILVA, S.C.; FARIA, V.P. de (Ed.). 22o Simpósio sobre manejo de pastagem. Teoria e prática da produção animal em pastagens. Piracicaba: FEALQ, 2005b, p.71-93.
DIAS-FILHO, M.B.; ANDRADE, C.M.S de. Pastagens no ecossistema do trópico úmido. In: SIMPÓSIO SOBRE PASTAGENS NOS ECOSSISTEMAS BRASILEIROS, 2, 2005, Goiânia, Anais.Goiânia: SBZ. p. 95-104.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sidra – Banco de dados agregados. Brasília: IBGE, 2005. Disponível em:
TEIXEIRA NETO, J.F.T.; SIMÃO NETO, M.; COUTO, W. S.; et al. Prováveis causas da morte do capim-braquiarão (Brachiaria brizantha cv. Marandu) na Amazônia Oriental: Relatório Técnico. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2000, 20p. (Embrapa Amazônia Oriental. Documentos, 36).
VALENTIM, J.F.; AMARAL, E.F.; MELO, A.W.F. Zoneamento de risco edáfico atual e potencial de morte de pastagens de Brachiaria brizantha no Acre. Rio Branco: Embrapa Acre, 2000. 28p. (Embrapa Acre. Boletim de Pesquisa, 29).
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1Moacyr B. Dias-Filho, Eng. Agrônomo, M.Sc. em Pastagem, Ph.D. em Ecologia, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Belém, Pará.