Por Leonardo Prandini1
A crescente globalização do comércio de carnes foi tema da Meat and Livestock Commission Outlook Conference 2005 realizada em Londres no início deste ano. O evento contou com palestrantes de organizações públicas e privadas internacionalmente reconhecidos, que apresentaram ameaças e oportunidades do setor de carnes sob visão da Grã Bretanha, da CE (Comunidade Européia) e de países em desenvolvimento. Os palestrantes retrataram as políticas do comércio mundial, a evolução da produtividade agrícola e a competitividade global, com muita ênfase na performance das exportações brasileiras de carne bovina.
Deu início ao evento o representante da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) Loek Boonekamp, que focou sua palestra nas mudanças do comércio de produtos agrícolas no mundo. Enfatizou a importância que atualmente os paises do Mercosul têm na produção agrícola mundial e seu enorme potencial ainda inexplorado. Em relação aos países ricos, criticou a política de subsídios e as altas taxas de importação impostas aos produtos originários do terceiro mundo, e destacou a tendência de redução de alíquotas de importação na Europa a longo prazo.
A visão brasileira destacou-se durante a palestra do Dr. Lineu da Costa Lima, secretário de produção e agro-energia do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que apresentou um panorama da economia agrícola brasileira. Impressionou a platéia com números e fotos do país. Descreveu a exportação de produtos agrícolas como meio de geração de divisas para sanar os grandes problemas econômicos e sociais do Brasil. Ao comentar a produção de gado bovino, destacou a alta produtividade e o comprometimento com a erradicação da febre aftosa no rebanho brasileiro assim como nos países vizinhos. Descreveu as grandes oportunidades que o país oferece ainda carentes de investimento e deixou claro para os presentes o seu orgulho pela competência dos brasileiros no setor agrícola.
A platéia formada por empresários, traders, representantes do varejo e jornalistas questionou o secretário sobre tópicos de interesse europeu, evidenciando a preocupação e prioridade com a segurança alimentar (rastreabilidade e controle sanitário), aspectos sociais (MST e condições de trabalho) e a conservação do meio ambiente na produção de carne bovina no Brasil.
No evento também foi exposta a vantagem do ´branding´ da carne no mercado europeu, destacando a importância de agregar valor ao produto, posicioná-lo estrategicamente no mercado e comunicá-lo ao cliente. O comportamento emocional do consumidor na decisão de compra leva em conta aspectos como segurança e responsabilidade social que, na Europa, são regras básicas e não mais diferencial do produto. Nesse aspecto a carne brasileira perde muito em relação aos seus concorrentes australianos e argentinos. Consumidores e empresas desconhecem os atributos do nosso produto e não assumem riscos na hora da compra. ´Ter apenas uma vaga idéia sobre o país de origem pode gerar valores positivos ou negativos para o produto´- disse Richard Lowe, diretor de marketing do MLC (Meat and Livestock Comission, Grã Bretanha), explicitando a necessidade de veiculação de informações sobre o produto brasileiro.
A pecuária nacional foi mais uma vez bem apresentada pelo diretor da unidade de carnes da Coimex Trading, Jerry O´Callaghan, que de forma clara e objetiva expôs os atributos da carne brasileira aos presentes. Enfatizou que as exportações brasileiras atingem mais de 15% do comércio mundial de carne bovina e comparou os preços na UE, EUA, Austrália e Mercosul, demonstrando a vantagem do Brasil e Argentina neste quesito. O palestrante transmitiu a confiabilidade da carne brasileira no que se refere à rastreabilidade, controle sanitário, certificação internacional, bem-estar animal e responsabilidade social de forma muito convincente.
Entre outros assuntos foram discutidos na conferência os fatores que influenciam a importação de carne bovina. Nas transações internacionais de carnes não apenas o preço e as especificações do produto são decisivos, mas também a disponibilidade é muito relevante para os compradores. As importações de paises ricos são viáveis, pois são cargas de alta escala, o que seria impossível de ser realizado em paises da Comunidade Européia onde a capacidade de abate de bovinos é muito pequena em comparação com a brasileira. Ter um produto homogêneo disponível em alta quantidade é uma vantagem competitiva da nossa carne no mercado internacional.
A tendência de aumento no consumo e o déficit na produção da UE evidenciam uma oportunidade para países exportadores de carne bovina. Com a ascensão da demanda que, especialmente na Grã Bretanha restabelece-se em níveis anteriores à crise da ´vaca louca´, aumentam também as exigências pela segurança alimentar e a qualidade. Apenas produtos que cumpram todos os requisitos serão aceitos nesse mercado, requisitos os quais o Brasil precisa se comprometer de forma séria e competente, o que inclui por exemplo o sistema de classificação de carcaças e a erradicação da febre aftosa.
Na UE a tendência na redução gradativa dos subsídios e das tarifas de importação em longo prazo podem conciliar-se com o aumento das exportações do Mercosul. Isso evidencia a importância das negociações na política de comércio de produtos agrícolas entre UE e Mercosul, assim como a dependência dos produtores brasileiros neste lento processo.
A carne brasileira ainda é recebida com certa desconfiança no exterior. Frigoríficos investem em promoções de suas marcas, entretanto não há um referencial sobre a qualidade e homogeneidade do produto brasileiro em termos gerais. Concorrentes como Austrália e Argentina obtêm vantagens neste aspecto por possuírem um referencial de garantia de qualidade. Tudo indica que o Brasil estabelece-se como maior exportador e com amplo potencial de produção de bovinos, entretanto o ´desafio global´ revela-se ao abastecer diversos mercados internacionais suprindo as diferentes preferências e necessidades locais. Fica nítida a importância de eventos como esse para aproximar o produto brasileiro ao paladar e ao reconhecimento do consumidor europeu.
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1Leonardo Prandini é administrador de empresas e atualmente cursa mestrado em Agribusiness Management no Scotland Agricultural College, em Aberdeen, Escócia