Desmatamento ameaça safrinha, alerta pesquisador

O avanço do desmatamento na Amazônia, que no último ano foi o segundo maior da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é um risco ao cultivo da segunda safra de grãos no país, alerta o pesquisador Marcos Heil Costa, membro do Grupo de Trabalho 1 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do Painel Científico para a Amazônia (SPA). A devastação da floresta pode atrasar as chuvas de primavera, levando os produtores a postergar o plantio da primeira safra a ponto de inviabilizar a semeadura da segunda safra, de milho ou algodão.

Nos últimos 20 anos, novas variedades de sementes permitiram que o plantio da soja ocorra já em setembro, logo após as primeiras chuvas de primavera e cerca de dois meses antes do que costumava ocorrer no início do milênio. Esse adiantamento abriu caminho para que a colheita da oleaginosa ocorra em janeiro, o que torna viável o plantio de uma segunda safra, por causa das chuvas. Mas essa dinâmica está ameaçada.

Ocorre que, quanto maior o desmatamento, maior o atraso da queda das chuvas nas principais áreas produtoras, basicamente o Cerrado, incluindo o Matopiba (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Com isso, o produtor tem duas escolhas: manter o calendário de plantio, o que pode afetar a produtividade da primeira safra, ou postergar a semeadura, com risco de inviabilizar a segunda.

“Esse plantio precoce da primeira safra é o mais prejudicado, porque as chuvas começam mais tarde. Se o produtor mantiver o calendário de início de plantio em 25 de setembro, sofre uma consequência maior. Uma opção é plantar mais tarde”, explicou Costa. O problema em atrasar a safrinha é a perda de produtividade não cobrir os custos.

Mas a redução do período chuvoso no país também afetará a produtividade da soja no verão e a produção de carne, já que cai o rendimento dos pastos. Em 2016, o professor desenvolveu na Universidade Federal de Viçosa (UFV) uma ferramenta que calcula o impacto do desmatamento na Amazônia sobre as chuvas e sobre essa produtividade na soja e na cadeia de carne.

Pelos dados da ferramenta, que tomam como base a produtividade da soja e do gado em 2012, se o desmatamento alcançar 40% da área do bioma da Amazônia (hoje, ele chega a 20%), o valor da produção da soja plantada em 25 de setembro pode amargar perda anual de R$ 8,8 bilhões. Caso o plantio seja postergado para 5 de novembro, como se fazia na década de 1970, as perdas serão de R$ 7,3 bilhões. Na carne bovina, o prejuízo é de R$ 5,1 bilhões.

Os cálculos levam em conta só o impacto sobre a primeira safra, desconsiderando o dano em caso de perda do calendário de plantio da segunda safra. “Esse é o principal efeito do desmatamento”, diz. Os dados da pesquisa reforçam uma série de trabalhos recentes que mensuram o impacto do desmate sobre os ganhos econômicos dos produtores. Uma nota técnica do WWF-Brasil, obtida pelo Valor , reuniu estudos que mostram que, há anos, a agricultura brasileira já sofre perdas de produtividade causadas pelas mudanças climáticas nas últimas três décadas.

Pesquisa publicada na revista “Atmosphere” mostra que safrinhas plantadas em meados de março rendem 10% menos que as semeadas em janeiro em Mato Grosso e no Matopiba. Com mais atraso, a perda pode ser de 20%. Outro estudo, publicado na “Nature Sustainability”, aponta que a produtividade do milho safrinha cultivado em áreas recém-desmatadas é de 6% a 8% menor do que a de áreas maduras, por causa das temperaturas mais altas.

Esses dados mostram, com isso, o quanto a produção poderia ser maior se não houvesse desmatamento, embora na última década a produtividade tenha batido seguidos recordes. Mas Daniel Silva, especialista em conservação da WWF-Brasil, ressalta que esse avanço não se sustenta no longo prazo. “O ponto de ruptura será quando não der para fazer a segunda safra, ou quando o risco de perder a segunda safra for muito maior. Aí vai cair a ficha”, concluiu Marcos Heil Costa.

Fonte: Valor Econômico.

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