Por Alessandro de Caprio1
Ao falarmos em seleção falamos em modificar geneticamente uma população por meio de um processo de seleção artificial, fazendo com que os animais que detenham as características desejáveis venham a se reproduzir com maior intensidade aumentando a freqüência destes genes na população.
Espécies com sistemas de produção mais modernos estão quase que totalmente baseados em melhoramento genético em todo o globo, podemos ver isso principalmente na avicultura e suinocultura mundiais, onde o foco na produtividade superou e dizimou tudo que o que existia antes de raças e fenótipos. Todas as características meramente estéticas e que, portanto não tinham correlação com a produção deixaram de ser selecionadas.
A pecuária de corte, no mundo, ainda mantém uma maioria de selecionadores no seu meio. Os melhoradores são raros.
Focar em melhoramento genético significa focar em custos de produção e em produtividade, onde devemos melhorar para continuarmos competitivos em um mundo cada vez mais exigente em termos de produção de alimentos, afinal a população mundial continua crescendo.
A diferença entre melhoradores e selecionadores não se encontra no uso das ferramentas e metodologias de melhoramento genético e reprodução, se encontram no foco dado ao uso destas metodologias, como também não se encontra na raça utilizada, na região onde tem o rebanho, na assessoria que usa ou deixa de usar.
A seleção e sua resposta irão se embasar na variabilidade genética existente na população, ou dizendo de forma simplificada, nas diferenças existentes entre os animais, e os animais são, em via de regra, geneticamente diferentes, fazemos exceção aos gêmeos univitelíneos e aos clones.
A partir desta diferença genética é que o selecionador vai trabalhar lembrando sempre que não podemos criar novos genes, somente podemos escolher os mais adequados ao nosso objetivo.
Exemplificando melhor o que significa a diferença genética entre os animais posso afirmar que em qualquer lote e em qualquer lugar você poderá separar os animais em melhores e piores, por mais difícil que isto possa parecer em alguns casos. E fazendo com que os animais melhores se reproduzam mais, ou seja, deixem mais filhos que os demais, o melhoramento genético começa a acontecer.
Vamos a um exemplo prático: acompanhando uma desmama de 162 machos nelore em uma das fazendas do Qualitas, chegamos a um peso ajustado médio aos 7 meses de 202,0 kg, um resultado por si só excelente, considerando que os bezerros só tiveram acesso ao leite materno e pasto.
Dentro deste lote os 10% melhores animais pesaram nesta mesma idade 247 kg e os 10% piores pesaram 149 kg. Encontramos uma diferença de quase 100 kg entre os melhores e os piores animais em apenas 210 dias de vida, o que representa um ganho médio diário quase 500 gramas maior do lote mais pesado em relação ao mais leve.
É nesta diferença que iremos trabalhar, controlando o desempenho dos animais nas mesmas condições para selecionar como reprodutores aqueles que tenham os melhores desempenhos conjuntos.
Tendo em mente o objetivo maior do programa de seleção, cabe ao criador, normalmente com apoio técnico, escolher quais as ferramentas de seleção que vai utilizar para trabalhar. Podemos agrupar as ferramentas de seleção em quatro grandes grupos, e aqui começamos as considerações sobre cada um deles.
Este é uma das formas de seleção mais conhecidas, escolhendo os animais a partir dos seus ancestrais. Dentro de um processo de seleção moderno o pedigree é uma fonte essencial de informação para controle de consangüinidade e direcionamento de acasalamento. Lembrando que todos os filhos produzidos de um touro ou uma matriz são geneticamente diferentes, por mais parecidos que sejam, o pedigree por si só não garante a seleção de um reprodutor realmente melhorador, pois não sabemos até que ponto estamos escolhendo a melhor combinação genética.
Como a informação vinda somente do pedigree não é a mais acurada possível, os selecionadores podem buscar na aparência do animal alguma característica que confirme ou não a sua expectativa de produção. Quanto eu falo em aparência do animal estou falando na aparência funcional, ou seja, aquela onde buscamos no animal características que são essenciais ao seu trabalho como reprodutor ou matriz e nunca sobre uma seleção meramente estética. Uma correta avaliação visual é importante para completar os dados de um reprodutor em características como aprumos, musculosidade, profundidade, características funcionais, etc.
Neste momento é a primeira vez que estamos falando da produção de um animal propriamente dita, ou seja, pesos e medidas do animal. Se tivermos os pesos do animal sozinhos, ou seja, sem comparação com a média do lote onde ele estava, esta informação não serve para muita coisa, pois não temos como comparar para saber se este indivíduo está abaixo ou acima da média. Lembrando que só podemos comparar animais que tiveram o mesmo manejo.
Para corrigir esta dificuldade entram em cena os testes de performance, mais conhecidos como provas de ganho de peso, onde os animais são mantidos em uma mesma condição durante um período de tempo, e ao final determinam-se quais foram os maiores ganhadores de peso, por exemplo.
Esta informação já apresenta um grau de confiabilidade moderado, pois temos a comparação precisa do animal com outros em uma fase da vida que está diretamente relacionada ao sistema de produção. Quando falamos em matrizes índices como quilogramas de bezerro desmamados por ano, intervalo de parto e relação de desmama são igualmente importantes.
Quando olhamos para a prova de ganho de peso vemos que durante um período da vida do animal temos uma avaliação precisa do seu desempenho, mas o que ocorreu com o restante da vida do animal, com informações importantes e que não foram medidas durante o teste? Será que podemos aumentar o grau de certeza que temos no animal considerando seu pedigree e a produção dos seus irmãos (completos ou não) e de qualquer outro animal com algum grau de parentesco?
Para aproveitar ao máximo as informações dos animais e de seus parentes, bem como tornar possível comparar animais que estão em fazendas, estados ou mesmo países diferentes, unidos unicamente pelo pedigree, foi desenvolvida a metodologia conhecida pelos criadores como “Modelo Animal” (o nome técnico dela é bem mais complicado).
Com o uso desta metodologia podemos considerar na prova de um animal o seu desempenho e de todos os seus parentes, podemos numa mesma análise considerar várias características na mesma análise (peso ao nascimento, peso a desmama, produção de leite da mãe, por exemplo). E esta metodologia é a que apresenta as capacidades de produção dos animais com maior precisão, na forma de DEPs (Diferença Esperada na Progênie).
Sendo as DEPs o que existe de mais moderno e preciso em ferramentas para seleção elas são suficientes para determinar a escolha de um bom reprodutor? Será que ele é selecionado ou melhorado?
Pressão de seleção é um fator muito simples de entender, ela mostra o percentual de animais que cada criador aprova como reprodutor. Se um criador tem uma pressão de seleção de 20% ele aceita somente 20% dos animais nascidos na fazenda como reprodutores, descartando os demais.
Manter a pressão de seleção, ano após ano, mostra o empenho do melhorador com o melhoramento genético do seu rebanho e dos seus clientes. Pois mesmo que o rebanho de seleção tenha evoluído, o melhorador mantém o pé no acelerador oferecendo um touro melhor a cada ano.
Existe uma pergunta muito simples que pode ser feita a qualquer produtor de touros que irá dar ao comprador um retrato muito rápido da pressão de seleção que é exercida nesta fazenda. Quantas vacas existem no rebanho de seleção e quantos touros são vendidos por ano?
Parece simples, e é simples, veja um exemplo de um anúncio de um selecionador: “…1500 vacas, 500 touros vendidos por ano….”. A primeira vista parece que esta fazenda realmente faz pressão de seleção, mas vamos fazer algumas contas:
– Se esta propriedade tiver 85% de nascimento, nascerão 1275 animais.
– Se tiver 5% de mortalidade até o sobreano chegarão lá aos 24 meses 1200 animais, dos quais 600 machos e 600 fêmeas.
– Destes 600 machos, metade estará acima da média da safra e metade abaixo. A metade que esta acima da média tende a produzir filhos acima da média. A metade que esta abaixo da média tende a produzir filhos abaixo da média. É simples assim.
– Então temos 300 touros acima da média à venda e 200 abaixo da média.
– Esta fazenda vende 200 touros com tendência a produzir animais abaixo da média.
Idéias enraizadas do tipo “O rebanho do selecionador é tão melhor que o meu, que o descarte dele é cabeceira aqui” são armadilhas impressionantes para o produtor comercial.
Pense bem, como produtor, ou técnico, você quer que o seu rebanho, ou o do seu cliente, produza a mesma média do descarte do selecionador ou a mesma média da cabeceira? Se você comprar o descarte, ou o que deveria ser descarte, a média da sua produção será a mesma média do descarte do selecionador, e eu nunca vi qualquer descarte que fosse bom o suficiente para que eu desejasse ter um rebanho inteiro igual a ele.
Qual a pressão de seleção ideal?
A pressão de seleção ótima não pode passar de 30%, ou seja, para cada touro produzido dois machos foram descartados por não apresentarem índices de produção suficientes. Isso garante que o touro que sai da fazenda do melhorador é sempre melhor do que a média, quesito básico para ser chamado de melhorador.
No Brasil existe um conjunto de procedimentos de melhoramento genético homologado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) garantindo que a pressão de seleção não ultrapassa os 30%. Todos os programas rebanhos que conseguem este reconhecimento são autorizados pelo MAPA a emitir o CEIP (Certificado Especial de Identificação e Produção), que garante a origem do animal (semelhante a um registro de Associação) e garante a produtividade deste animal.
Estes programas são auditados anualmente pelo MAPA para que possam manter o uso do CEIP, a função do MAPA é facilitar a identificação dos rebanhos melhoradores e forçar o melhoramento genético no país.
Todo o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Zootecnia conta com a vastíssima bagagem do Prof. Danie Bosman que nos orienta ao longo dos últimos 5 anos. A experiência do Prof. Bosman com mais de 40 anos de seleção nos animais Bonsmara tem permitido que as decisões tomadas sobre os programas de melhoramento genético mantenham o foco no sistema de produção e nos impactos da adaptabilidade sobre a produtividade dos animais.
Aprendemos com o Prof. Bosman que um reprodutor leva mais do que a genética de uma propriedade, ele é o representante do sistema de produção em que foi selecionado e é essencial que o sistema de produção do selecionador seja o mais próximo possível do sistema de produção daquele que usará o animal para reprodução e consequentemente a produção de carne.
Esse ponto é fundamental, não há como esperar que a produção de um touro seja adequada a sua propriedade se ele foi selecionado em um sistema de produção muito diferente do seu, e existem muitos casos no Brasil onde o processo de seleção dos animais é realizado em ambientes estabulados, quando a regra de produção do mercado é de animais a pasto. De novo é simples assim, se você mantém suas vacas e os produtos delas a pasto, procure quem seleciona à pasto.
Como foi dito no inicio deste texto, melhoradores são aqueles que tem foco econômico no melhoramento genético, buscando diminuição dos custos de produção e aumento de produtividade.
As características de importância econômica em uma propriedade de gado de corte estão divididas em:
1 – Adaptabilidade do animal. É muito mais econômico produzir com raças adaptadas ao meio ambiente. O Nelore é o grande exemplo disso, hoje podemos utilizar raças taurinas melhoradas e adaptadas ao nosso meio ambiente para produzir animais cruzados.
2 – Reprodução. Este é o pacote mais importante de características, pouco importa o peso de desmame do bezerro se a vaca só desmama a cada dois ano.
3 – Crescimento e Carcaça. Somente quando a adaptabilidade e a reprodução estão bem instaladas é que podemos nos dedicar às características de crescimento e carcaça.
Todas estas características podem ser selecionadas por índices objetivos, e por índice objetivos entendemos medidas (peso, idade ao primeiro parto, intervalo de partos), escores visuais com escala (musculosidade, temperamento, frame).
Pureza racial não é uma característica mensurável e muito menos tem impacto direto na rentabilidade de uma fazenda que produz carne, ela é importante para manter a embalagem na qual a genética melhoradora é vendida, portanto deve ser a última coisa a ser vista em um animal que será um reprodutor.
E é fácil de fazer isso, “Este animal tem todos os quesitos produtivos que queremos em nosso rebanho e está dentro do padrão racial?”. Se a resposta for “Sim”, ótimo você tem um animal melhorador da raça em questão, se for “Não” a qualquer um dos itens você tem um animal digno de abate.
Existem muitos selecionadores no mercado e poucos melhoradores de gado, para identificar um animal realmente melhorador o pecuarista deve se ater aos seguintes pontos:
1 – Pressão de seleção. Se o programa ou fazenda vender mais de 30% dos machos nascidos como touro comece a desconfiar. Procure animais com CEIP.
2 – Sistema de Produção. Veja se o sistema de produção é próximo ao seu, animais produzidos em ambiente muito diferentes podem te trazer problemas.
3 – Veja se as características selecionadas são coerentes com a sua necessidade, se são objetivas e se tem ligação direta com a produtividade.
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1Alessandro de Caprio, zootecnista, Núcleo de Zootecnia
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Alessandro,
Parabéns. Você passa muita coisa prática, da vivência destes anos no melhoramento e dá “toques” importantes sobre assuntos que são verdadeiros “dogmas”, mas que precisam ser mudados para uma visão mais empresarial.
Um grande abraço.
Caro Alessandro,
Gostei bastante da maneira objetiva e prática com que você abordou assuntos tão importantes para o melhoramento genético. É essa visão de que o melhoramento não é algo abstrato e que só pode ser feito de maneira teórica que precisamos mostrar aos nossos acadêmicos e alguns produtores rurais. Parabéns.
Um grande abraço.