Por Humberto de Freitas Tavares1
Comunicação do secretário-geral do MAPA informa que, a partir de 15 de julho, para ter acesso ao certificado de exportação, o registro do boi no SISBOV precisará ter, no mínimo, 40 dias. Isso acabará com a prática do “curralito”, com a qual os frigoríficos têm praticado um rastreamento “para inglês ver” para poder cumprir seus compromissos de exportação.
Se cumprir a ameaça, o único feito que o MAPA conseguirá será travar nossas exportações de carne. Esperemos que isto ocorra agora durante esta seca, pois os danos para nós pecuaristas de corte serão menores.
Quem sabe então possamos rediscutir a questão e os principais interessados no assunto — boiadeiro, frigorífico e trader — sejam finalmente ouvidos, sem a interferência de intermediários preocupados em faturar uns cobres com a manutenção de uma ordenação perversa e surrealista. Como se recorda, num lote de vinte bezerros nascidos, apenas um vai se tornar, daí a 36 meses, carne exportada para a União Européia, que (em tese) exige rastreamento. Já que este bezerro não nasce com uma estrela na testa, a solução burocrática encontrada, de um cinismo revoltante, é determinar o rastreamento de todo o lote.
Rediscutir talvez não seja a palavra certa. A Secretaria de Defesa Animal, pega de calças curtas na questão da crise com o Canadá, decidiu criar uma legislação mais leonina e mais burocrática que a decretada em países europeus. Países estes com contingentes bovinos ridiculamente pequenos para os padrões brasileiros, e em estado de pânico com a ocorrência de centenas de casos do mal da vaca louca. Nota dez em defesa animal, mas nota zero em comércio internacional, em Economia, em produção animal.
Dos escombros da crise que se desenha, quem sabe surja a conclusão de que a única opção factível será rastrear por lotes. Que aliás nossos frigoríficos exportadores já praticam, com sucesso, há muitos anos. Ver a propósito os comentários de Daniel Furquim, além das discussões do Fórum BeefPoint.
A posição unânime dos boiadeiros com quem tenho conversado foi brilhantemente resumida por Victor Abou-Nehmi Filho, que é do ramo, no seu Anualpec 2002. Diz ele, textualmente, e tomo a liberdade de reproduzir: “Rastreabilidade – Ainda que muito em moda atualmente, é outro caso de barreira protecionista, tipicamente aplicada por quem não quer comprar a carne brasileira. Sob o ponto de vista mercadológico, pode-se até dizer que é um retrocesso, porque atropela o conceito secular de responsabilidade das marcas comerciais e pressupõe a inexistência de confiança entre parceiros comerciais. Na verdade, a rastreabilidade foi a saída encontrada pelos produtores europeus para recuperar a confiança dos consumidores, após a crise da doença da vaca louca, provocada por eles mesmos ao alimentarem seus rebanhos com farinha de carne. Contudo, esse foi um problema circunscrito ao mercado europeu de carne bovina. O descabimento de os produtores brasileiros investirem na rastreabilidade, como esforço para melhorar a carne nacional, está no fato de 89% de seu consumo ser doméstico e por aqui não ter havido – e nem deverá haver – casos da doença, ou seja, o consumidor brasileiro não a está exigindo. Pelo lado dos importadores, também não há necessidade de fazer a rastreabilidade, uma vez que, após a crise européia da vaca louca, eles se socorreram do Brasil, reconhecendo implicitamente a segurança de nosso sistema de produção de carne bovina a pasto. Sob o ponto de vista econômico, a rastreabilidade só representa custos extras para o produtor, os quais podem ser bastante elevados, caso seja minuciosa e bem feita. Desconhece-se, pelo menos até o momento em que este artigo esta sendo escrito, qualquer intenção concreta de se pagar algum prêmio pela carne rastreada. E mesmo que este venha a existir, dificilmente ultrapassará os 2%”.
Embora tímidas, temos visto pipocar algumas manifestações de líderes importantes neste mesmo sentido. Antenor Nogueira, com desconcertante ciclotimia, conseguiu costurar um acordo da CNA com uma empresa certificadora, para logo em seguida, numa guinada vertiginosa, defender neste BeefPoint uma saudável rastreabilidade por lotes. Felizmente outras lideranças (poucas, muito poucas…) como Laucídio Coelho Neto, João Gilberto Borges Bento e Fernando Penteado Cardoso corajosamente já se manifestaram em favor de um reestudo da obrigatoriedade da rastreabilidade individual compulsória. Vamos torcer e incentivar novas manifestações, pois é grave a situação que se desenha em desfavor de quem quer apenas continuar a produzir e exportar a melhor e mais saudável carne do mundo. Como há muitas décadas, certificada por órgãos competentes dos governos estaduais e inspecionada, carcaça por carcaça, pelo nosso brioso e tão esquecido Serviço de Inspeção Federal.
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1Humberto de Freitas Tavares é criador e invernista
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Antes de nos preocuparmos com rastrabilidade e coisas do genero precisamos nos preocupar em achar meios concretos e honestos para vendermos nossa mercadoria (leia-se animais para abate) para os frigoríficos, já que ao efetuarmos a venda ficamos totalmente a mercê destes quanto aos preços e medidas, visto que os frigoríficos manipulam o rendimento de carcaça como querem, prejudicando violentamente o pouco lucro que a atividade proporciona, tirando o incentivo do produtor na atividade e desestimulando o investimento na atividade em forma de tecnologia para produçao de animais melhores e concequentemente a conquista de mercados externos.
Qualidade e escala de rebanho nós temos, porém até quando, se for mantida a atual lucratividade? Precisamos urgentemente repensar as uninades usadas na comercialição, visto que ao mandarmos nossos animais para o frigorifico nao sabemos quanto e se reçeberemos.
Parabenizo o Sr. Humberto pelo vibrante e objetivo artigo sobre a rastreabilidade.
Além de ser obrigatória e individual, não tem padrão de identificação, vale qualquer coisa, desde que exista uma planilha da certificadora linkando os números nos animais (a tinta, ferro ou brinco) ao número SISBOV. O que eu acho um duplo absurdo.
Um abraço,
Graaande Humberto, novamente você pegou na veia, com esse artigo do SISBOV.
Sabe companheiro, às vezes acredito que estamos fazendo tudo errado, tem que fazer melhoramento genético para aumentar o tamanho do couro, para o boi ter mais sangue, osso e etc.
Me parece que esse negócio de carne não é lá o forte para os frigoríficos.
Abração.
Parabéns a você, Humberto. Sempre é um prazer ler seus artigos, seja pela lógica clara que usa seja pela defesa implícita da renda do produtor rural.
É uma pena que a grande vantagem competitiva que tem a carne brasileira – ser proveniente de um boi que come capim, leguminosa e sal mineral – tenha se tornado um problema. Na minha opinião, ele decorre da ação de uma tecnocracia que não levou em conta nem o produtor nem os técnicos que os assessoram em seu dia-a-dia, no campo.
É lógico que existe uma solução simples para este problema. Simples porque usa o mercado como ferramenta. Aqueles pecuaristas que quiserem participar do mercado externo, especialmente o representado pela União Européia – e obter com isso o benefício do sobrepreço criado pelo comércio exterior – deveriam se cadastrar se assim o desejarem.
Como no início serão poucos os que se cadastrarão, este sobrepreço será extremamente atrativo e isto acabará atraindo mais pecuaristas para o cadastramento. E mais empresas de certificação para o serviço. E o preços cairão.
No limite,num futuro muito próximo (e quanto maior for esse sobrepreço, mais próximo será esse momento), o rebanho bovino estará todo cadastrado, como querem frigoríficos, governo e importadores.
A alternativa latina – de que fala Humberto num de seus artigos no Fórum Técnico sobre o assunto – esquece o poder do mercado. Um poder tão bem usado pelos nossos competidores…
Parabens Humberto, seu artigo foi muito bem escrito, de maneira clara, mostrou o absurdo de se exigir uma rastreabilidade individual.
Gostaria de levantar mais uma questão, depois de um dia de abate no frigorifico , sabendo que neste dia foram abatidos bois de 10 ou mais pecuaristas e estas carcaças serão resfriadas, para depois serem desossadas num universo de 500 ou até 1000 cabeças por dia, como nós pecuaristas saberemos se esta ou aquela peça que foi embalada, no meio de milhares, pertence ao seu rebanho, se por ventura vier a ocorrer um problema futuro, os frigorificos estão organizados para rastrear as peças depois da desossa?
Poderemos ficar tranquilos, que não havera a possibilidade de ocorrer troca de peças de carne entre os lotes que estão sendo desossados? Que garantia teremos depois que o boi foi abatido e desossado? Teremos que acompanhar a desossa também? Vamos refletir este assunto.
Luís Otávio Pereira Lima
Veterinário e Pecuárista