No final da década de 1990 e início dos anos 2000, o Brasil viveu um divisor de águas na pecuária de corte com a consolidação dos programas estaduais de Novilho Precoce, que estabeleceram critérios técnicos inéditos para o abate de animais jovens e bem terminados. Até então, os frigoríficos recebiam predominantemente bois mais velhos, com carcaças heterogêneas e qualidade irregular, reflexo de sistemas extensivos pouco voltados à padronização.
Uma figura, vez ou outra vista nos leilões de gado, principalmente no interior de São Paulo, era Marcos Molina, filho de um açougueiro e então o dono de uma empresa fundada em 1986. Nos anos 1990, sua empreitada já tinha como foco a distribuição de cortes de carnes especiais e que depois viria a se tornar uma porta de entrada para grandes redes de restaurantes. Por isso interessava tanto a Molina a aproximação com pecuaristas modernos, que criavam bovinos de melhor qualidade. Molina tornou-se um grande parceiro dos produtores. Sua presença em leilões de gado, muitas vezes no interior de São Paulo, era uma maneira de formar vínculos e negócios.
Na construção da Marfrig, como Molina precisava de bons animais para abate, pagava prêmios por eles. A criação dos programas de Novilho Precoce, liderados por estados como Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina, representou uma mudança estrutural no padrão do gado entregue à indústria. Não por acaso, o primeiro frigorífico comprado por Molina foi o de Bataguassu (MS).
Ao atrelar bonificações fiscais e prêmios de preço a indicadores objetivos como idade, peso e acabamento de carcaça, os governos incentivaram uma transformação no manejo, na genética e na alimentação dos rebanhos. O impacto foi imediato: maior maciez da carne, regularidade de cortes e previsibilidade de fornecimento, abrindo caminho para a valorização do produto brasileiro no mercado interno e externo. E a Marfrig ia junto.
Nos anos 2000, a empresa de Molina estava em plena expansão e era considerada um frigorífico de peso no mercado, embora estivesse ainda fora do que se chamava de FBI. A sigla “FBI” para Friboi, Bertin e Independência passou a circular no mercado no início dos anos 2000, quando esses três frigoríficos se consolidaram como os maiores do setor de bovinos no Brasil. O termo era uma forma irônica, usada por analistas e pela imprensa, para se referir ao domínio que as três companhias exerciam na época, num paralelo com o poder investigativo do FBI norte-americano.
O período coincidiu com o movimento acelerado de fusões, aquisições e expansão de capacidade no setor frigorífico brasileiro, quando o país se firmava como o maior exportador global de carne bovina. A Friboi, que depois se tornaria JBS, liderava o processo, seguida de perto pelo grupo Bertin (comprado pela JBS) e pelo Independência. O uso da sigla caiu em desuso a partir da crise de 2008–2009, quando o Independência entrou em recuperação judicial e o setor passou a se concentrar em torno da JBS, Marfrig e Minerva.
Avesso a entrevistas desde sempre, Molina poucas vezes em sua vida conversou com a imprensa, tirando ramos momentos de apresentação de algum projeto ou desempenho de seus negócios. Mesmo assim suas falas sempre foram concisas. Os pormenores e detalhes era com sua equipe. E, claro, sempre em uma churrascaria. A Mfb Marfrig Frigorificos Brasil, agora como uma Sociedade Anônima (S.A), nasceu em dezembro de 2010, com sede em Itupeva, cidade a meio caminho entre Campinas e São Paulo, dois grandes mercados consumidores de “carnes de churrascaria”.
Depois da compra em Bataguassu, entre 2001 e 2005, Molina expandiu seu negócio para Promissão (SP), Paranatinga (MT) e Tangará da Serra (MT). Em 2006, avançou para Goiás, Rio Grande do Sul e Rondônia. Também iniciou as exportações para países vizinhos e adquiriu unidades na Argentina e no Uruguai, além de formar uma joint venture no Chile.
No ano seguinte, Molina implantou governança corporativa na sua companhia para abrir capital. Em junho de 2007, fez seu IPO na Bovespa, levantando R$ 17 por ação, e no ano seguinte recebeu aporte de R$ 472 milhões do BNDES, o que viabilizou a compra da MoyPark na Irlanda do Norte.
Em 2009, adquiriu a Seara por US$ 900 milhões e a norte-americana Keystone Foods, consolidando sua presença global com receita prevista de R$ 10 bilhões. Em 2010, o BNDES reforçou o apoio com R$ 2,5 bilhões em títulos conversíveis. Mas a diversificação em várias proteínas trouxe dificuldades e, em 2013, a Seara Brasil foi vendida, marcando o retorno ao foco na carne bovina.
Em 2016, a empresa de Molina se tornou a primeira a exportar carne bovina in natura para os Estados Unidos. Em 2017, o BNDES converteu títulos em ações e a companhia passou a se chamar Marfrig Alimentos.
A virada mais ousada ocorreu em 2018, com a compra da National Beef, quarta maior processadora dos EUA, e da Quickfood na Argentina, além da venda da Keystone. Em 2019, o BNDES deixou a empresa e Marcos Molina ampliou sua participação. Durante a pandemia de 2020, ele comprou cerca de R$ 1 bilhão em ações.
A saga que viria a se tornar a MBRF atual começou em 2021. A Marfrig adquiriu 31,66% da BRF e elevou a fatia para 40,9% em 2023, quando Molina assumiu a presidência do conselho e, junto com o fundo Salic, liderou uma capitalização de R$ 7,5 bilhões.
Vale registrar que a Marfrig já foi dona de fazendas e de confinamentos de gado, negócios da família que foram apartados do centro Marfrig/BRF. Molina e sua família são donos da MFG Agropecuária, com unidades de confinamento de gado próprio e serviço de Boitel. São sete estruturas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo, com capacidade estática para cerca de 150 mil animais por giro.
Uma das tacadas mais espetaculares na criação de gado foi a compra, em 2016, da Agropecuária Jacarezinho, que pertencia ao Grupo Grendene. A Jacarezinho, desde os anos 1990, se tornou uma referência em melhoramento genético da raça nelore e na produção de touros superiores que iam para os leilões – ou vendidos nas fazendas – com Certificado Especial de Identificação e Produção (Ceip), emitido pelo Ministério da Agricultura. O Ceip assegura a procedência, a produtividade e o potencial genético de um animal. No caso, para produzir carne de melhor qualidade.
Fonte: Forbes.