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E quem mais atrapalha …

Nevio Primon de Siqueira

Gostaria de colocar aos colegas freqüentadores dos sites MilkPoint e BeefPoint o que li recentemente na revista “Exame”, muito conceituada entre empresários e pessoas ligadas a todos os tipos de negócios do País. Para minha surpresa, o segmento rural foi citado em uma matéria publicada na mesma. Podem acreditar. Quem duvidar, compre e/ou leia a edição nº746, de 08 de agosto de 2001, na matéria “Saiu bem na foto?” , à página 16, os “fazendeiros” foram lembrados. Cabe ressaltar que foram lembrados como a quarta categoria de profissionais que MAIS ATRAPALHAM o nosso país. Os fazendeiros perdem apenas para os juízes, os banqueiros e os políticos. Vejam com quem são comparados os profissionais do campo. Não sei se o que estou sentindo é mágoa, revolta ou raiva, pois estes dados são resultados de pesquisa nacional de opinião, que “acaba de apontar os maiores vilões da vida pública brasileira”.

Só não estou bem certo se as pessoas que opinaram nessa pesquisa lembraram o que comeram no seu café da manhã. Talvéz pão, feito com trigo colhido em algum reduto de bandidos, leite que foi ordenhado de alguma vaca de algum safado, com um pouco de café plantado e colhido por um vagabundo qualquer, alguma fruta colhida em algum pomar de malandro, ou ainda algum complemento como margarina vegetal ou manteiga, produzidas a partir de produtos vendidos por algum fazendeiro mercenário. Nem mesmo os traficantes foram lembrados. Não é a glória???

Esta é a imagem que a imprensa falada e escrita vende dos produtores do País. Na televisão, só aparece o rei do gado, os que “agridem ” os coitados dos sem terra, os criadores de cavalos, com lindas propriedades e passam o dia na beira da piscina, enfim, tudo o que os “fazendeiros” não fazem sempre, para não dizer quase nunca. Ninguém mostra aqueles que acordam cedo, cuidam da roça, dos animais, dependem de chuva, de sol, de mercado, de maquinário, de mão de obra, etc, para produzir nada mais do que “alimento” para ser consumido por pessoas que nem sabem que eles existem e, por isso mesmo, dizem que só atrapalham.

Não sabem que as safras recordes, ano após ano, dependem única e exclusivamente da competência desses verdadeiros sacerdotes da terra, que se desdobram durante alguns meses para colher cada vez mais, do mesmo chão, para poder sobreviver e tirar da terra seu sustento e de suas famílias. Na maioria dos casos, o adubo é o próprio suor desses “vilões” e de seus colaboradores, que por vezes não podem esperar o dia seguinte para preparar a terra, sendo obrigados a varar noites sobre tratores, pois as chuvas não esperam. As fazendas são indústrias a céu aberto, que funcionam de segunda a segunda, por vezes 24 horas por dia, sem final de semana ou feriados. A terra tem que estar com as sementes na hora certa para que possam produzir e alimentar os “urbanóides”, que não sabem que o leite não brota da caixinha, o arroz não cai do céu e o feijão não nasce na prateleira do mercado.

Esses mesmos urbanóides, que pensam que vaca come mato em terrenos baldios e que os alimentos são fabricados em algum lugar, apesar de não saberem onde é a fábrica, fazem seus churrascos no fundo do quintal de casa, com carne sintética, de plástico, não fazem idéia do que representa a agricultura e a pecuária do Brasil em sua economia, o quanto de produtos agrícolas e pecuários se exporta atualmente, e que a vocação do Brasil ainda é agrícola. Mas com certeza eles se lembram dos “bois que foram confiscados” pelo então governador Quércia, pois estariam sendo sonegados, o que seria crime contra a economia popular, crime este cometido por “fazendeiros” e amplamente divulgado na mídia. Os preços de produtos agrícolas é outro ponto com o qual o agricultor sofre, pois produzindo alimento, não tem política a seu favor pois os alimentos são os itens mais controlados pelo governo para que não haja inflação. Alimentos baratos calam a boca do povo, sendo instrumento político eleitoreiro eficiente.

O que mais me choca é a inversão de valores que acontece em nosso país, onde quem produz alimento é vilão, comparado a políticos (que hoje é sinônimo de corrupto, devido aos vários casos que vem ocorrendo), banqueiros e juízes, que obviamente foram lembrados pelos casos ocorridos de falências fraudulentas e desvios de verbas públicas. Será justo esse julgamento???

Só os que cultivam a terra e procuram tirar dela algum sustento, transformar a poeira em alimentos, o capim em carne e leite, e a chuva em vida, sabem o quanto é difícil a tarefa de colher.

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Névio Primon de Siqueira é médico veterinário e produtor rural

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