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Eduardo Borba fala sobre treinamento de mão de obra e manejo racional

Durante a Feicorte 2010, Miguel da Rocha Cavalcanti conversou com o consultor em capacitação, Eduardo Borba, a respeito de manejo racional, adestramento de animais e treinamento de mão de obra.

Durante a Feicorte 2010, Miguel da Rocha Cavalcanti conversou com o consultor em capacitação, Eduardo Borba, a respeito de manejo racional, adestramento de animais e treinamento de mão de obra.

BeefPoint: Nos conte um pouco como começou essa sua história de treinamento e capacitação.

Eduardo Borba: Em 1985 nós montamos um curso na ABCZ, que na época tinha 30 dias. Nesse meio tempo, a diretoria da Associação me chamou perguntando se eu queria fazer um curso de boi. Eu respondi, imagina. “Morro de medo de boi. Como vou mexer com boi?”

Eles falaram, não queremos que você mexa com boi, mas com os homens. Foi ai que eu entendi que eles me viam mais como um educador do que como um domador. Fizemos o primeiro curso em 87, ensinado doma de cabresto para animais de elite.

Essa foi das coisas mais importantes que aconteceram na minha vida. O curso tinha 30 dias, eu fiquei hospedado dentro da ABCZ com mais 13 pessoas e aconteceram coisas incríveis.

Eu comecei o curso assim: “eu não sei nada. Vocês vão domar do jeito que vocês estão acostumados e eu vou dar palpites”. As únicas regras eram: não pode machucar o boi, porque seu patrão comer um bife de 20 mil vai ficar um negócio besta; e vocês também não podem se machucar, pois ai vai ficar pior ainda, peão não tem nem um gato para puxar pelo rabo e se ficar inválido piorou.

Quando fomos recolher o gado, 26 animais, para colocar cabresto, na hora de colocar no tronco os animais voltaram umas 4 ou 5 vezes e não entravam. Então comecei a dar meus palpites. “Toda vez que o gado estiver de frente para nós, nós vamos andar para trás, ou seja, tirar a pressão. Toda vez que o gado virar de garupa para nós, vamos apertar”. Foram 3 viradas, estavam todos os animais lá dentro e eu ganhei os caras nos primeiros 20 minutos de aula.

Depois foram acontecendo coisas que me surpreenderam muito.

Tinha um cara que o Cláudio Sabino, diretor da ABCZ, me disse: “se você der jeito nesse cara eu te dou um doce”. Ele trabalhava em uma fazenda no Mato Grosso, usava camisa aberta até o umbigo, cavanhaque e um chapéu meio de lado na cabeça. Dito era o nome dele.

Os alunos faziam uma redação, e o primeiro texto desse Dito era assim: “arrumei minhas cordas, recebi das mão do professor uma caneta e um caderno, enfim, todas as ferramentas”. Eu levei um susto com aquilo, porque mostrava que o cara estava louco para estudar

Assim os textos foram se multiplicando. Tinha um outro que falava assim: ” E aqui, agora, preciso me agarrar com tudo para ver se não vou embora xucro”. Com o passar do tempo esse sentimento foi se propagando.

BeefPoint: Então esse curso acaba fazendo com que as pessoas se sintam valorizadas, que ele vai poder melhorar?

Eduardo Borba: Exatamente. Eu acho que peão de fazenda de pecuária, é o segmento mais desassistido de todo o processo produtivo. Ele não tem ninguém para ensiná-lo.

Aquele mesmo Dito escreveu um texto que falava assim: “a vida inteira apresentei boi, mas nunca pensei em me apresentar”. Imagina, você sair de casa, ir para o escritório, mas não saber o que tem que fazer. E esses caras são mágicos, porque mesmo assim eles conseguem cumprir suas obrigações.

Esse pessoal é muito inteligente e tem muito coração.

Com essa história da tecnologia, as pessoas acham que a pergunta é : O que fazer? O que fazer, não vale nada. A questão é: Como fazer? Isso é o importante.

Os animais são todos diferentes uns dos outros, assim como gente. Então como você vai ter um manual para educar filho em casa? Se você for fazer a mesma coisa para todos, funciona com um, mas você machuca o outro. São personalidades diferentes.

Por exemplo, peguei um táxi outro dia e o cara falou: “eu fiz exército e o meu primeiro filho eduquei como militar. O segundo foi parar na Febem. Gastei uma fortuna com psicólogo e quase perdi meu filho. Eu quis fazer a mesma coisa com ele, mas ele se rebelou e não aceitou de jeito nenhum”.

O negócio todo é educação. No gado é mesma coisa. Eu preciso saber que tipo de educação eu tenho que ter para fazer parte da vida deles e que tipo de educação eles tem que ter para fazer parte da nossa.

A partir do momento que o peão passa a perceber como é que o gado opera a vida, ele fica fascinado, porque fica tudo muito mais fácil para ele. Então a transformação acontece quando você desperta na pessoa um “ahhhh”, aquele “saquei”, “eureca”. E isso acontece toda hora. Um outro exemplo foi uma outra redação, onde o cara escreveu: “agora quero ver se vou ter humildade suficiente para praticar tudo isso que aprendi”. Outro falava assim: “realmente se eu começar a prestar atenção em mim, vou errar muito menos”.

BeefPoint: Como funciona esse formato de curso? O aluno tem a aula e ao final tem que escrever um texto sobre o que ele aprendeu?

Eduardo Borba: Não, em geral, eles escrevem um ou dois textos em cada curso. Dependendo de como a coisa está andando eu peço para eles escreverem e respondo para eles, escrevendo sobre algum ponto que foi tratado.

As vezes aparece um texto tipo apostila, dizendo hoje aprendi a fazer assim. Mas eu falo que não é isso, eu quero que eles escrevam sobre a experiência, como eles estão sentindo a coisa.

Tudo se resume em 3 palavras: Sensibilidade, Timing e Discernimento (Feel, Timing and Balance, em inglês). É isso que comanda todo o trabalho com o gado. Esses conceitos não estão ligados apenas ao trabalho com os animais, eu também dou curso de gestão. Domo o cavalo e fica um bando de executivo assistindo e depois eles vão fazer as pontes com o trabalho deles.

BeefPoint: Se você tiver que fazer a seleção de um vaqueiro, quais são as características mais importantes que essa pessoa tem que ter?

Eduardo Borba: Ele tem que ser gente boa. Ele tem que ter coração, gostar de viver, gostar das pessoas e gostar dos animais, mas gostar mesmo de coração.

Eu tenho um desenho de um aluno – um baita de um peãozão que parecia um índio amazônico -, que é um galho cheio de folhas e flores e um coração vermelho pendurado embaixo desse galho. Cavalo é coração. Eles não são inteligentes, eles tem muito coração para nos dar. Todos os animais, se você entende o que acontece com eles, eles devolvem isso. Se você dá 5 eles devolvem 95, isso é muito gratificante.

Por exemplo essa história de passar o gado no tronco. O gado chega, empaca na entrada do brete e fica todo mundo apertando, até que o gado volta e vaza para trás. Então quando ele vaza, as pessoas não se dão conta que o gado está passando por cima da autoridade deles e eles estão se enfraquecendo diante dos animais.

Então, na verdade, as coisas que eles fazem errado acabam dificultando o trabalho. Como deve ser feito?

Os animais trabalham com conforto e desconforto, o conforto é a recompensa e o desconforto é a motivação para eles procurarem esse alívio. Assim para melhorar o manejo as pessoas precisam reconhecer qual foi a menor tentativa e a menor mudança no gado e esse ponto é o mais complicado. Então quando eu estou trabalhando o gado para entrar numa porteira, se o gado não considera a ideia de entrar eu devo fazer eles andarem e tento fazer com que eles entrem outra vez. Eles dão mais 2 ou 3 voltas e de repente um para olhando para o outro lado. Pronto para mim ele já entrou. Mais uma volta está todo mundo lá dentro e a decisão foi dele, do animal. Ele não foi porque que eu empurrei ele, ele foi porque ele decidiu ir e isso é muito mais forte do que ele simplesmente me obedecer.

BeefPoint: Qual é a principal coisa que você ensina em um curso de doma de cavalo?

Eduardo Borba: Feel, Timing and Balance.

A linguagem dos animais é sensação.

Isso é que é importante, o animal não pode confundir pressão com um ataque. Se ele confundir ele vai ganhar, porque ele é mais forte que a gente.

Existe um ditado que diz: “se ele soubesse a força que tem”. Eu não quero que ele saiba nunca. E ele só vai saber a força que tem se eu começar a medir força com ele. É isso que eu tento passar durante os cursos.

O aluno tem que começar a reconhecer o que ele fez para o animal reagir daquele jeito. A partir do momento que a gente começa a pensar desse jeito as coisas vão se multiplicando de forma incrível. O peões tem essa experiência, essa vivência, só que agora eles tem um conhecimento que eles não tinham ontem, que é essa história da psicologia, de entender como esses bichos sentem.

O desenvolvimento deste projeto só foi possível graças ao apoio da Allflex, In Vitro Brasil e Pioneer Sementes, que confiaram no trabalho da Equipe BeefPoint e viabilizaram a produção das entrevistas gravadas na Feicorte 2010.

0 Comments

  1. André Vicente Bastos disse:

    Parabéns, excelente entrevista!! Só ouço falar muito bem do trabalho do Dr. Eduardo!! Quero ainda poder ter a poprtunidade de conhecê-lo e de participar de seus cursos!! Grande abraço.

  2. Marius Torres Nogueira disse:

    Bastante interessante os temas abordados na entrevista.Tenho observado que em determinadas condições o excesso de pessoal no trato com os animais atropela estas considerações abordadas na entrevista. Quanto menos gente disponível na operação de manejo , maior será a necessidade de se desenvolver habilidades para melhorar sua comunicação com os animais.

    Saudações

  3. Aluisio de Alencastro Filho disse:

    Entrevista otima.Concordo com você peão tem que gostar do que faz e com coração você respeita os animais e ele te respeita.

  4. Ana Claudia Nunes de Souza disse:

    Fantástica a entrevista do Dr. Eduardo. É simplesmente mostrar que as coisas são mais fáceis do que se imagina.

    Parabéns.

  5. renato dos santos disse:

    então…quando falamos de coração fica fácil entender o significado do prazer ao trabalho. Nesta entrevista professor, traduziste isto de uma forma tão singela que a obra quase vira uma poesia. Obrigado. Quanto aos peões: "se eles não vão p/ o céu…gostaria de ir p/ o lugar que vão."

  6. renato dos santos disse:

    gostaria de ter o email do professor Borba

  7. Mauricio Rodrigo Dobrovoski disse:

    A pecuaria precisa realmente desses conhecimentos, não podemos criticar alguns pecuaristas ou peões de fazendas até que ele conheção tudo isso, na verdade o que é manejo racional. Quando coseguimos mostrar como pode ser fácil manejar os animais,  eles ficam surpresos com tudo o que falamos e fazemos, acredito que é esse mesmo o caminho a ser seguido.