Os consumidores continuam a demanda por produtos cárneos de alta qualidade, a um preço razoável. Os traços sensoriais que mais afetam a aceitabilidade da carne bovina pelo consumidor, e, portanto, repercutem na compra, são a maciez e o sabor, desenvolvidos principalmente durante o período de maturação da carne, quando ocorre um grande número de reações químicas e enzimáticas, gerando compostos fixos e voláteis, determinantes da qualidade sensorial do produto final. Nesse sentido, a utilização do processo de maturação da carne, tem sido historicamente muito usada para melhorar a qualidade.
Os consumidores continuam a demanda por produtos cárneos de alta qualidade, a um preço razoável. Os traços sensoriais que mais afetam a aceitabilidade da carne bovina pelo consumidor, e, portanto, repercutem na compra, são a maciez e o sabor, desenvolvidos principalmente durante o período de maturação da carne, quando ocorre um grande número de reações químicas e enzimáticas, gerando compostos fixos e voláteis, determinantes da qualidade sensorial do produto final.
Nesse sentido, a utilização do processo de maturação da carne, tem sido historicamente muito usada para melhorar a qualidade. A maturação consiste do amaciamento progressivo da carne fresca embalada a vácuo, durante períodos de acondicionamento da carcaça, ou de cortes comerciais variáveis entre 7, 14 ou 21 dias, sob refrigeração, a temperaturas de -1 a 2°C. Durante este período, as enzimas proteolíticas do músculo, notadamente as calpaínas, enzimas dependentes de cálcio, agem produzindo degradação parcial da integridade estrutural do sarcômero. Apesar da possibilidade do processo de maturação ser influenciado por fatores, como sexo, alimentação e outros, comumente, é reconhecido que o mecanismo de amaciamento da carne é o mesmo em todos os tipos de músculos e espécies de animais produtores de carne.
Contudo, para se obter um ótimo amaciamento durante a maturação, é necessário que os animais apresentem, no momento do abate, níveis adequados de glicogênio muscular, que permitam a obtenção de valores de pH final da carne em torno de 5,5 (GONÇALVES et al., 2004). Durante o processo, há necessidade de embalar a carne a vácuo, o que retarda o crescimento de bactérias aeróbicas putrefativas e favorece o crescimento das bactérias láticas, que, por sua vez, produzem substâncias antimicrobianas. (PUGA et al., 1999).
No Brasil, o tempo de maturação estende-se de 14 a 21 dias. É importante considerar as características do gado brasileiro, praticamente 80% constituído de bovinos de origem indiana, pois várias pesquisas têm demonstrado que a carne bovina de raças européias apresenta os efeitos da maturação (maior maciez) com 14 dias e o das raças indianas com 21 dias. Além disso, ressalta-se também o tempo de comercialização da carne, se é realizada por meio de rede de distribuição, ou diretamente disponibilizada para o consumidor final (ARIMA, 2003).
O sabor (gosto+aroma) da carne é um dos atributos mais importantes da carne cozida. Este resulta de uma série de reações envolvendo diferentes precursores durante o processo de cozimento. A percepção do aroma de um alimento resulta na presença de substâncias químicas voláteis, que sensibilizam as células especializadas da língua. Na maturação formam-se compostos precursores, que na cocção da carne originam compostos voláteis e não voláteis, resultando em um perfil de sabor característico e distinto daquele referente à carne fresca cozida (ARIMA, 2003).
O sabor da carne é resultado da combinação de sabores básicos (doce, azedo, ácido, salgado e umami) e do cheiro derivado de compostos voláteis (STETZER et al., 2008). Carnes cruas possuem pouco aroma, além do sabor de sangue. Contudo, as mesmas consistem em um reservatório de compostos precursores do aroma e sabor. Aminoácidos, peptídeos e nucleotídeos produzidos pelas proteínas, DNA e RNA, podem contribuir na adição de sabor, pois estes podem interagir com outros componentes, a fim de produzir aromas voláteis (SHAHIDI, 1998; citado por STETZER et al., 2008).
Além disso, a oxidação de ácidos graxos insaturados produz vários compostos, alguns dos quais, resultam em características de odores espécies-específicas à carne. Contudo, outros compostos podem contribuir para a produção de um sabor estranho “off flavor” na carne. A oxidação de lipídeos produz uma variedade de aldeídos (hexanal, heptenal, pentanal, 2,4-decadienal) provenientes de fosfolipídios e ácidos graxos polinsaturados, alguns dos quais têm odor desagradável em concentrações muito baixas (STETZER et al., 2008).
As mudanças bioquímicas pós-morte que ocorrem durante a maturação da carne levam a efeitos importantes na maciez. Por outro lado, a maturação também resulta em alterações de sabor. Há um aumento do aroma de fígado e gosto estranho de sangue e amargo e uma redução desejável do sabor característico de carne e sabores doces. A maturação aumenta os complexos carbônicos derivados da oxidação lipídica, alguns dos quais contribuem perceptivelmente para o sabor estranho na carne (STETZER et al., 2008).
A maturação por períodos superiores há 21 dias tem sido relacionada a uma redução da identidade do sabor; carnes maturadas por 35 dias aumentam o sabor metálico (YANCEY et al., 2006).
O sabor de fígado na carne parece estar relacionado ao ferro heme e/ou aos níveis de mioglobina, proteína responsável pela cor da carne (CALKINS & CUPPETT, 2006; YANCEY et al., 2006). De qualquer forma, os impactos dos compostos voláteis no sabor da carne são bem notados. Em relação ao sexo, a carne de touros apresenta um forte cheiro e sabor de fígado, que parece estar relacionado aos índices elevados de 2-propanona e de etanal, enquanto que a de novilhas apresentam um sabor mais forte da carne (GORRAIZ et al., 2002). Também, a maturidade da carcaça pode afetar o conteúdo de ferro, aumentando o sabor metálico, azedo, rançoso, sangrento, salgado e amargo (CALKINS & CUPPETT, 2006) e reduzir o sabor próprio.
Com o objetivo de identificar e quantificar alguns componentes voláteis da carne, Stetzer et al. (2008) avaliaram alguns músculos, tais como, Longissimus dorsi (contrafilé), Psoas major (filé-mignon), Rectus femoris (patinho), Infraspinatus (paleta), realçados previamente e maturados e sua relação com algumas características sensoriais. Esses músculos foram retirados de carcaças de fêmeas, 48 horas pós-abate.
Os músculos de um lado de cada carcaça foram utilizados como controle e os músculos do lado restante foram realçados, de modo a obter concentrações finais de 0,4% de fosfato e 0,3% de sal injetado para comparação com amostras sem adição de substâncias para realçar o sabor. Os músculos foram embalados a vácuo individualmente e maturados a 4°C por sete ou 14 dias. Em seguida, foram removidos do vácuo, cortados em bifes de 2,5 cm, reembalados a vácuo, e mantidos por 24 a 48 horas a -4°C até o momento das avaliações.
Foram realizadas análises utilizando-se um painel sensorial, composto por uma equipe treinada de 10 estudantes da Universidade de Illinois, para diagnosticar as diferenças no sabor da carne. Foram observadas diferenças no conteúdo de gordura de vários músculos, por esses autores, quando calculadas as médias sobre a adição de realçadores e tempo de maturação.
Maiores escores de intensidade de sabor foram atribuídos aos cortes do pescoço e acém, enquanto o corte do patinho recebeu notas menores. No entanto, a escala foi estreita (6,9-7,7 em uma escala de 15 pontos). Essas diferenças no sabor espelham as tendências no conteúdo de gordura entre cortes. O m. Gluteus medius (região da alcatra) teve maiores notas em relação ao sabor estranho de fígado e o m. Longissimus dorsi apresentou notas mais baixas. Contudo, todas as notas foram muito baixas e a escala foi pequena (0,5-0,9).
Clakins & Cuppett (2006), observaram que o sabor estranho de fígado aumentou e o sabor característico de carne diminuiu em alguns músculos, com maior conteúdo de ferro presente. Músculos freqüentemente exibem sabor de fígado, como o Psoas major e Gluteus medius, que em geral, possuem elevados níveis de ferro heme e/ou de mioglobina (YANCEY et al., 2006).
No mesmo trabalho de Stetzer et al. (2008) observou-se que o realce (medido sobre o músculo e tempo de maturação) aumentou a umidade em aproximadamente 1,5%, o que provocou uma diminuição no conteúdo de pentanal e de 3 hidroxi-2-butanona para aproximadamente 50%. Estes compostos contribuem para um aroma picante e freqüentemente relacionam-se à oxidação lipídica (TBARS) (AHN et al., 1998). Além disso, os compostos também diminuíram o sabor rançoso e estranho de fígado na carne, ambos por aproximadamente um terço. O realce aumentou a intensidade do sabor da carne, por aproximadamente uma unidade na escala sensorial de 15 pontos (7%). Isso não era inesperado, dado que a solução do realce continha sal, atuando como realçador do sabor.
Segundo Costa et al. (2007), o amarelo da gordura e sabor rancificado são causados pela oxidação lipídica. Durante a maturação, a oxidação dos lipídeos leva à formação de numerosos compostos de sabor, alguns deles apresentam notas de ranço, resultantes da oxidação dos ácidos araquidônico e linoléico.
Stetzer et al. (2008) também verificaram que o conteúdo de hexanal do complexus não-realçado (Músculos da região do dianteiro) foi maior, quando comparado ao Gluteus medius, Rectus femoris, Vastus lateralis e Vastus medialis (Tabela 01). Após o realce, o conteúdo de hexanal do Psoas major foi maior, comparado aos demais músculos. O hexanal contribui para um aroma de gordura e algumas vezes aroma de gramínea (ELMORE, MOTTRAM, & ENSER, 1999). Isso pode ocorrer, em parte, devido ao conteúdo de gordura presente nos músculos do dianteiro, quando comparados àqueles da região lombar.
Tabela 01. Efeitos do realce nas características dos músculos maturados
Foi observado também um realce significativo pela maturação x interações do músculo para o 2-pentil furano, 2,3-octanediona, nonanal, ácido butanóico e ácido hexanóico. Não foi observada nenhuma diferença de 2-pentil furano, entre os músculos não-realçados. O realce quase dobrou o conteúdo deste composto no Psoas major aos sete e 14 dias de maturação. Quanto ao ácido hexanóico, não foram verificadas diferenças entre os músculos não-realçados, independente da maturação. O corte do filé-mignon, realçado, teve o maior conteúdo de ácido hexanóico, o qual lembra um odor relacionado ao suor, em relação aos outros músculos realçados, após sete dias de maturação e quase dobrou sua concentração, após 14 dias de maturação (STETZER et al., 2008).
Segundo esses autores, o sabor da carne foi negativamente correlacionado com o pentanal aldeído. Esta relação inversa pode indicar uma perda de sabor da carne, enquanto os subprodutos da oxidação lipídica se acumularam. O aroma anormal de fígado foi positivamente correlacionado com o pentanal, hexanal, 3-hydroxi-2-butanona e o ácido hexanóico, compostos que podem contribuir com odores pungentes, gramíneos ou gordurosos, amanteigados e com odor lembrando suor, respectivamente. O sabor da carne foi altamente correlacionado com a salinidade e negativamente correlacionado com o sabor rançoso e sabor estranho de fígado. Como mencionado previamente, a presença de produtos da oxidação lipídica pode ter mascarado o sabor da carne.
Tabela 02. Efeitos do realce nas características dos músculos maturados
Considerações finais:
De acordo com Stetzer et al. (2008), músculos realçados aumentaram os atributos sensoriais positivos dos músculos, tais como, o sabor, salinidade, e umidade, e diminuiu alguns atributos negativos, como sabor estranho (“off flavor”) da carne. No entanto, alguns músculos foram mais beneficiados do que outros. Assim os compostos voláteis ativos afetados pelo realce e maturação dos músculos incluem primeiramente aqueles indicativos da oxidação lipídica (nonanal, 2,3-octanediona, pentanal, 3-hidroxi-2-butanona, 2- 2-pentil furano, 1-octeno-3-ol, ácido butanóico, pentanal e ácido hexanóico). O realce também diminuiu os compostos hexanal e ácido hexanóico, provavelmente devido a alguma supressão da oxidação lipídica, reduzindo, portanto a rancificação.
O tempo de maturação tem um efeito positivo na concentração de muitos compostos voláteis, com influência no sabor maturado da carne. A maturação teve menores efeitos quanto às características de qualidade dos músculos, apesar de ter diminuído o conteúdo de ácido butanóico.
Portanto, é necessário o entendimento das bases bioquímicas no processo de amaciamento da carne durante a maturação e no realce da carne, já que estas são ferramentas que melhoram as características sensoriais do produto, com melhor qualidade para o consumidor final.
Referências bibliográficas:
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COSTA, M. R. et al. Perfil sensorial e aceitação de presuntos crus produzidos por métodos tradicionais e acelerados. Ciência e Tecnologia de Alimentos, 2007.
ELMORE, J. S., MOTTRAM, D. S., & ENSER, M. (1999). Effect of the polyunsaturated fatty acid composition of beef muscle on the profile of aroma volatiles. Journal of Agricultural Food Chemistry, v.47, n.4, p.1619-1625.
GONÇALVEZ, L.A.G.; et al. Efeitos do sexo e do tempo de maturação sobre a qualidade da carne ovina. Ciência e Tecnologia de Alimentos., v.24, n.3, p.459-467, 2004.
GORRAIZ, C., BERIAIN, M. J., CHASCO, J., & INSAUSTI, K. Effect of ageing time on volatile compounds, odor, and flavor of cooked beef from Pirenaica and Friesian bulls and heifers. Journal of Food Science, v. 67, p.916-922, 2002.
PUGA, D. M. U.; CONTRERAS, C. J. C., TURNBULL, M. R. Avaliação do amaciamento de carne bovina de dianteiro (Triceps brachii) pelos métodos de maturação, estimulação elétrica, injeção de àcidos e tenderização mecânica Ciência e Tecnologia de Alimentos. v.19 n.1 p. 1-10, 1999.
STETZER, A.J.; et al. Effect of enhancement and ageing on flavor and volatile compounds in various beef muscles. Meat Science, v.79, p.13-19, 2008.
YANCEY, E. J.; et al. Effects of total iron, myoglobin, hemoglobin, and lipid oxidation of uncooked muscles on livery flavor development and volatiles of cooked beef steaks. Meat Science, 73, 680-686, 2006.