Por Angélica Simone Cravo Pereira1 e Camila de Freitas Guedes2
Em sistemas de produção de carne, a importância da avaliação da taxa de crescimento dos animais, para melhor rentabilidade e maiores benefícios nessa atividade torna-se cada vez mais necessária.
O crescimento do animal é uma função primordial, pois apresenta relação direta com a quantidade e a qualidade da carne.
Especificamente, o crescimento animal pode ser definido como um aumento do tamanho ou peso. Mais precisamente, pode ser considerado como o acúmulo dos tecidos corporais durante a vida do animal, crescimento consiste de um processo normal de aumento de tamanho produzido pelo acréscimo de tecidos, similares em constituição ou órgãos originais, podendo tal aumento de tamanho ser devido aos processos de hipertrofia, hiperplasia ou crescimento por acréscimo. Além disso, diferencia-se crescimento verdadeiro (aumento de tecidos estruturais como músculos, ossos e órgãos vitais) e engorda (aumento do tecido adiposo). O desenvolvimento é denominado como a progressão gradual do estado inferior para outro de maior complexidade, bem como uma gradual expansão de tamanho (Hedrick et al., 1994).
Do ponto de vista da cadeia da carne, os tecidos de maior importância são os da carcaça, ou seja, músculo, osso, e gordura. O aumento da massa corporal de um animal ocorre em uma seqüência temporal: pré-natal, pós-natal até a desmama, desmama até a puberdade ou sobreano e, para animal de reprodução, da puberdade até a maturidade, proporcionando fases com velocidades de crescimento diferentes, ou seja, em cada fase, o animal apresenta taxa de crescimento característica (Berg & Butterfield, 1976).
Diversos fatores alteram a eficiência de crescimento de bovinos, entre eles peso, idade, nutrição, genética (raça e tamanho corporal), sexo, utilização de hormônios exógenos e manipulação do genoma (Lanna, 1997). Também, machos inteiros possuem fibras musculares maiores que as fêmeas e animais castrados. Em condições normais, o diâmetro das fibras musculares aumenta com a idade, alimentação apropriada e atividade física (Pardi et al., 1998).
Perry et al. (2005) relataram que a taxa de crescimento e à idade ao abate poderiam, em parte, serem mensuradas utilizando-se os mesmos parâmetros. A idade ao abate tem-se relacionado com a maciez da carne, especialmente em animais mais velhos (acima de 30 meses).
Além disso, o crescimento apresenta características alométricas. Este crescimento alométrico determina o padrão de desenvolvimento das características de importância econômica nos animais destinados ao consumo humano. As curvas de crescimento dos componentes mais importantes da carcaça (músculo, osso, e gordura) possuem diferentes velocidades de crescimento. As quantidades dos tecidos musculares e ósseos possuem uma velocidade de crescimento proporcionalmente menor que a carcaça, enquanto que o tecido adiposo apresenta um comportamento contrário. Conseqüentemente, o teor de gordura na carcaça aumenta à medida que avança a idade animal. Entretanto, essas curvas apresentam-se de forma variada em relação a esses indivíduos (Berg & Butterfield, 1976).
Portanto, na maturidade o crescimento muscular é “zero”, ou melhor, é o momento em que a massa muscular atinge o ponto máximo, em que o ganho de peso é composto apenas de gordura (Owens et al., 1995). Portanto, a distribuição dos tecidos adiposos é um outro aspecto do crescimento e desenvolvimento do animal de importância direta na qualidade da carcaça.
Da mesma forma que o esqueleto se desenvolve antes da formação dos músculos e o acúmulo de gordura ocorre em último instante, os depósitos de gordura também apresentam algumas variações temporais. Assim, os depósitos adiposos desenvolvem-se na seguinte ordem: 1º) perirenal e interna, 2º) intermuscular, 3º) subcutânea e 4º) gordura intramuscular (Berg & Butterfield, 1976). Esta última representa a gordura de marmorização, fator importante, principalmente no processo de classificação de qualidade em alguns sistemas de classificação internacionais. Além disso, níveis elevados de gordura intramuscular, implicam em alto conteúdo de gordura em toda a carcaça.
Ainda, em geral, animais com maturidade mais precoce possuem menor tamanho, em conseqüência depositam gordura (engorda) a um menor peso, ou seja, raças mais precoces depositam mais gordura que as raças mais tardias (Berg & Butterfield, 1976). Assim, há a possibilidade de selecionar animais mais precoces, ou seja, mais jovens quando comparados com animais tardios. Além disso, animais abatidos mais jovens, tendem a apresentar carnes mais macias (com menores forças de cisalhamento).
Desta forma, é interesse de muitos pesquisadores estudar a relação da taxa de crescimento com a qualidade de carne.
Muitas evidências indicam que a alimentação pré-abate pode influenciar diretamente nas propriedades da carne pós-morte. Portanto, há uma relação entre o regime de alimentação pré-abate, a taxa de crescimento e a maciez da carne, que sugerem um efeito direto da taxa de crescimento nas propriedades físicas da carne.
Pesquisas realizadas por Aberle et al. (1981), Hall e Hunt (1982) e Miller et al. (1983), citados por Fishell et al. (1985) descreveram que bovinos alimentos com dietas com alta proporção energética pré-abate, tiveram crescimento mais rápido, com possível aumento das taxas de “turnover” protéico, comprometendo a solubilidade do colágeno e o índice de fragmentação miofibrilar da carne.
Fishell et al. (1985), realizaram experimento com novilhos Angus e Hereford, submetendo-os a três diferentes tipos de regime alimentar: T1= (alimentados à vontade, com dietas com alto teor de energia, para atingir o máximo de ganho de peso; ganho de 1,42 kg) T2= (alimentação com níveis médios de energia na dieta, a fim de depositar próximo ao máximo de proteína e o mínimo de gordura; ganho de 0,77 kg) e T3 (alimentação com níveis mínimo de energia, restringindo a deposição de proteína e gordura na carcaça; ganho de 0,34 kg). Em relação à maciez (painel sensorial) e (análise instrumental) os autores observaram que os músculos do contra-filé (Longissimus dorsi) e do coxão mole (Semimenbranosus) do T1 foram mais macios, em relação aos demais. Aberle et al. (1981) sugeriram que o aumento da maciez poderia ser devido à rápida taxa de crescimento e aumento do “turnover” protéico no período pré-abate. O trabalho de Fishell descreveu também que novilhos com taxa de crescimento mais lenta apresentaram menores porcentagens de colágeno solúvel no m. Semimembranosus. Ainda, a concentração de colágeno intramuscular foi maior em T3. Miller et al. (1983) verificaram que a maturidade e solubilidade do colágeno, de animais submetidos a restrições na dieta, durante a fase de rápido crescimento muscular, retardaram a síntese e maturação do colágeno dos tecidos.
Por outro lado, Moloney et al. (2000), citado por Perry et al. (2005) não encontraram relação entre o ganho de peso médio diário e força de cisalhamento (maciez).
Koohmaraie et al. (2002) propuseram mecanismos, pelos quais o tamanho da fibra muscular de animais poderia ser modificado através de uma alteração no balanço entre a quantidade de proteína sintetizada e degradada (ver artigo maciez da carne e crescimento muscular, 25/07/2003). Em conseqüência, esse maior aumento do tamanho da fibra, foi uma conseqüência do aumento da síntese, superior à degradação protéica. Nessa situação, poderia ocorrer uma maior proteólise pós-morte com conseqüente aumento da maciez dos músculos.
Crescimento e características de qualidade
Taxa de crescimento e proteases cálcio dependentes em indivíduos
Nos primeiros estágios de crescimento, os primeiros tecidos predominantes são músculos e ossos. O tecido muscular associa-se a níveis maiores de síntese, em relação à degradação protéica, que pode ser alterada pelo genótipo, nutrição e idade.
Portanto, o crescimento muscular depende do alto nível de síntese e degradação protéica, podendo ser alterado pelo genótipo, nutrição e idade, ou ainda fatores endócrinos, como citado anteriormente.
Além disso, mecanismos para diferentes “turnover” protéicos podem ainda ser geralmente refletido no balanço entre a atividade de µ -calpaína e calpastatina. Oddy et al. (1998) observaram que bovinos da raça Angus selecionados para alta taxa de crescimento, apresentaram redução na degradação protéica, um aumento da atividade de calpastatina, resultando em carnes mais duras. Entretanto, Shackelford et al. (1994), encontraram uma correlação negativa entre ganho de peso médio diário e atividade de calpastatina 24 horas pós-morte. A carne desses animais com altas taxas de crescimento apresentou menor atividade de calpastatina e menor valor de força de cisalhamento.
Taxa de crescimento e proteases cálcio dependentes em grupos de animais
De acordo com diversas pesquisas, há uma variedade ampla de respostas, que relaciona o sistema de calpaínas com a qualidade da carne. Alguns trabalhos relataram que, a taxa de µ-calpaína foi significativamente reduzida no período pós-morte em grupos com altas taxas de crescimento (Sazili et al., 2004). Entretanto, segundo esses autores não houve relação entre a taxa de crescimento e a força de cisalhamento, ou ainda, entre os níveis de m e µ-calpaínas e a força de cisalhamento, embora os valores de força fossem positivamente relacionados com a intensidade de 135 kDa de calpastatina até 24 horas pós-morte. Porém, outros estudos afirmaram que, grupos animais, com altas taxas de crescimento, apresentaram carnes mais palatáveis e mais macias, sem alterar o sistema de calpaínas. A hipótese consiste em que no crescimento muscular, há uma elevação dos níveis de calpastatina suprimindo a taxa de µ-calpaína (e talvez a de m-calpaína), na qual há uma alteração (redução) da degradação protéica, resultando em um aumento do crescimento muscular. Assim, o efeito negativo da calpastatina na taxa e extensão da proteólise pós-morte e na maciez foi estudado (Koohmaraie et al., 2002) (Figura 01).
Desta forma, Koohmaraie et al. (2002) sugeriram que, se o crescimento animal é obtido pelo aumento da síntese protéica e a degradação protéica e pode aumentar a proteólise, resultando em carnes mais macias.
Ganho compensatório e qualidade de carne
A alimentação pode alterar o peso à maturidade. Uma limitação, na quantidade ou na qualidade de nutrientes, impede que o animal expresse o seu potencial de crescimento. A intensidade dessa limitação pode resultar na redução ou “déficit” de crescimento. Em bovinos, submetidos à restrição alimentar, comum devido a estacionalidade da produção de forragens, comumente apresentam após esse período, um crescimento mais rápido e eficiente, denominado crescimento compensatório. Andersen et al. (2004) citado por Perry et al. (2005) afirmaram que a dinâmica do “turnover” protéico foi alterada durante o crescimento compensatório, com conseqüente mudança na proteólise pós-morte e maciez.
Allingham et al. (1998) relataram que as mensurações de compressão e adesão do tecido conjuntivo e a área de olho de lombo do músculo Longissimus dorsi dos animais que apresentaram crescimento compensatório foram mais baixas, comparadas aos valores dos animais que não tiveram restrição alimentar.
Taxa de crescimento, tecido conjuntivo e qualidade da carne
A relação da taxa de crescimento e maciez da carne também pode ser esclarecida pelo desenvolvimento e estrutura do tecido conjuntivo. Harper (1999), sugeriu que uma menor formação de ligações cruzadas nos músculos em grupos com altas taxas de crescimento implicou em carnes mais macias. O colágeno influencia de maneira direta na maciez dos músculos, daí a importância da quantidade, solubilidade e maturação dessa proteína nos tecidos animais, como já descrito por Fishell et al. (1985).
Considerações finais
Há necessidade de maiores estudos envolvendo a relação da taxa de crescimento, especialmente em bovinos, e a qualidade final da carne. Porém, de acordo com pesquisas, sugere-se que a taxa de crescimento de bovinos pré-abate é uma importante variável, que afeta a maciez da carne. Conseqüentemente, o efeito da taxa de crescimento na maciez encontrada em alguns estudos, provavelmente foi um resultado do aumento do “turnover” do colágeno, em animais com altas taxas de crescimento.
Sob o ponto de vista econômico, o conhecimento da curva de crescimento de bovinos de corte é de extrema importância, pois fornece informações relevantes para o estabelecimento de planejamentos estratégicos de manejo e de práticas de alimentação.
Além disso, o peso ideal para o abate de bovinos é definido através da composição corporal. Ou seja, uma maior deposição de músculo na carcaça, para uma menor quantidade de osso, e a quantidade de gordura na carcaça exigida por determinado mercado.
Assim, há necessidade de conhecer as diferenças nas taxas de crescimento dos tecidos. Estas se modificam ao longo da vida, podendo alterar a quantidade e qualidade da carne.
Referências bibliográficas
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1Angélica Simone Cravo Pereira é pós-graduanda na FZEA/USP
2Camila de Freitas Guedes, engenheira agrônoma pela Esalq/USP e mestranda pela FZEA
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Já estamos no topo (com todos os riscos associados a isto) em volume mas agora precisamos encarar com desassombro o assunto qualidade.
Parabéns pela forte contribuição de vocês.
Caro Prof. Fries,
Obrigada!
Não há sentido a informação ficar restrita somente em nossos computadores, ou em nossas mentes. Acredito que um dos papéis fundamentais de quem realiza, ou pelo menos tenta fazer pesquisa nesse país, é justamente de alguma forma auxiliar e contribuir para o progresso e sucesso da cadeia produtiva da carne aqui e no exterior.
Certamente, o senhor e sua equipe também fazem parte dessa luta!
Um grande abraço,