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Efeitos de algumas técnicas pós morte afim de melhorar a qualidade da carne

Por Angélica Simone Cravo Pereira1

A maciez é a qualidade organoléptica, que mais afeta o consumidor moderno, considerando que a coloração da carne também é um atributo importante, no que se refere a qualidade do produto. Assim, vários tratamentos visando melhorar a qualidade da carne têm sido desenvolvidos e aplicados nos últimos anos. Dentre eles estão: estimulação elétrica da carcaça, suspensão pélvica, manejo de câmara fria, os processos de maturação, utilização de cloreto de cálcio, vitamina D3, vitamina C, e E. Recentemente, diversos pesquisadores internacionais têm sugerido ainda a utilização de soluções de sacarídeos, compostos de fosfatos, dextrose, glicerina e maltose, visando melhorar a maciez e a qualidade visual da cor da carne de bovinos.

O período pós morte, a temperatura e a taxa de glicólise podem alterar os atributos dos produtos cárneos, especialmente aqueles produtos de desossa quente. Ainda, o pH dos músculos pode alterar bruscamente a maciez da carne. O pH elevado da carne resulta em maior maciez dos músculos (Beltrán et al., 1997). Entretanto, carnes com elevado pH possuem coloração mais escuras, firme e secas (DFD) como conseqüência. Dessa forma, a coloração tem sido associada à maciez da carne. Wulf et al. (1997) também reportaram, que cortes escuros de carne (com pH mais elevado que o normal) seriam mais macias.

A manipulação bioquímica da quebra do glicogênio pós morte pode oferecer um potencial para elevar a maciez. A inibição da glicólise previne a formação de ácido láctico, consequentemente mantém a taxa elevada de pH, que pode aumentar a maciez e a capacidade de retenção de água da carne. Muitos inibidores tem sido identificados; contudo seus efeitos na qualidade da carne ainda não são totalmente conhecidos ( Jerez et al., 2003).

Assim, o objetivo desta revisão é destacar a importância da utilização de algumas técnicas preconizadas, no período pré e pós-abate, buscando melhorar a produção e a qualidade da carne.

1 – Estimulação elétrica da carcaça

A estimulação elétrica da carcaça acelera a taxa de glicólise pós morte, acelera a queda do pH pós morte, apressa o desenvolvimento do rigor e aumenta certas características de palatabilidade (principalmente a maciez). Além disso, a estimulação elétrica traz benefícios para o desenvolvimento da coloração vermelho brilhante do músculo, além da firmeza e solidificação da gordura intramuscular. Pode ainda, evitar o aparecimento de anel escuro e encurtamento pelo frio (cold-shortening). O mecanismo de ação consiste no aumento do comprimento do sarcômero, da atividade autolítica das enzimas lisossômicas pela ruptura da fibra muscular resultante das contrações durante o processo de estimulação (Moura, 1997).

2 – Suspensão pélvica

As carnes são suspensas pelo tendão de Aquiles, que resulta em tensão máxima no músculo psoas major, tornando-o mais macio. A suspensão pélvica consiste em suspender a carcaça pela pélvis, elevando a tensão sobre diversos músculos do lombo e da perna, tornando-os mais macios, que os das carnes suspensas de forma tradicionalmente comercial (Forrest et al., 1979).

3 – Manejo de câmara fria

Resfriamento Retardado

Manter as carcaças em temperatura ambiente por 1 a 4 horas, logo após o abate, acelera o processo de glicólise e o estabelecimento do rigor mortis, facilitando a atividade metabólica e minimizando problemas, como o encurtamento muscular causado pelo resfriamento das carcaças (Luchiari, 2000).

Resfriamento Lento

Manter as carcaças sob temperatura e velocidade do vento controladas, para que a temperatura interior dos músculos não decresça a 10oC ou menos, antes da 10a hora após o resfriamento (Luchiari, 2000).

Além disso, o procedimento de manejo em câmaras frias minimiza a desnaturação protéica e pode inibir o crescimento de microrganismos.

4 – Maturação

Uma técnica normalmente usada para garantir, ou melhorar, a textura da carne é a maturação. Segundo Pardi et al. (2001) além do amaciamento, o processo de maturação exerce influência em outras propriedades organolépticas da carne, como sabor, influenciando acentuadamente sua palatabilidade. De acordo com Judge et al. (1989) a maturação consiste na estocagem de cortes cárneos por um período de 15 a 21 dias, em temperatura acima do ponto de congelamento da carne, ao redor de 0oC. Contudo, a maturação é um processo complexo, que ocorre a partir da resolução da rigidez cadavérica e envolve o processo enzimático (sistema cálcio dependente). Ainda este processo é influenciado por muitas variáveis, tais como, espécie animal, velocidade de glicólise, quantidade e solubilidade do colágeno, comprimento dos sarcômeros, força iônica e degradação das proteínas miofibrilares (Felício, 1997).

5 – Utilização do Cloreto de Cálcio, Propionato de Cálcio e Vitamina D3

A utilização de uma solução de cloreto de cálcio, propionato de cálcio ou ainda vitamina D3 (através da injeção, marinação, infusão, ou suplementação) em cortes comerciais ou nas carcaças inteiras é uma das técnicas mais recentes, afim de reduzir a variabilidade da maciez. Assim sendo, o procedimento resulta no fornecimento de cálcio exógeno para as proteases cálcio dependentes (sistema calpaína-calpastatina) acelerando o processo de amaciamento através da ativação da m-calpaína, que em condições normais pós-abate é pouco ativada, pois requer maiores concentrações de cálcio. Em pesquisas realizadas por Wheeler et al. (1993a) foram observadas diferenças na maciez da carne, quando foram injetados 200 mM de cloreto de cálcio a 5% de peso da amostra 24 horas pós morte.

Por outro lado, o cloreto de cálcio pode apresentar algumas desvantagens em sua utilização, tais como, perda na coloração da carne, palatabilidade alterada, rendimento alterado e perdas totais no cozimento mais elevadas. Wheeler et al. (1993a) também observaram que, à medida em que se aumentavam as concentrações de cálcio, o sabor da carne se tornava mais desagradável com aspecto salgado, ácido e azedo e a carne apresentava-se com coloração mais escura.

Em pesquisas realizadas por Duckett et al. (2001) foram observadas reduções na força de cisalhamento de 14% para 18% na carne de bovinos tratados com propionato de cálcio, resultando em aumento da maciez com menores tempos de maturação da carne (4 e 7 dias de maturação).

Diversos estudos reportaram, que a utilização da vitamina D3 na dieta de bovinos aumentava as concentrações de cálcio no músculo Longissimus dorsi em cerca de 50% quando comparadas ao grupo controle. Ainda, o fornecimento de 7,5 x 106 UI fornecidas 10 dias pré-abate, seriam suficientes para ativar as mi-calpaínas, resultando em carnes mais macias. Outros experimentos mostraram que a maciez da carne foi melhorada em 10% em diferentes as raças genéticas, quando os animais foram suplementados com 0,5 milhões de UI de vitamina D3 8 dias pré-abate. Contudo, com base nos trabalhos pesquisados, observa-se, que o período e a dosagem de suplementação com vitamina D3 no período pré-abate ainda necessita de maiores estudos quanto à dosagem e período de suplementação.

6 – Utilização de Vitamina E e C, Sacarídeos e Fosfatos

Além da maciez da carne, outros fatores como a coloração e a estabilidade lipídica são limitantes na qualidade e aceitabilidade de produtos cárneos. A oxidação lipídica, que resulta na produção de radicais livres, pode conduzir à oxidação de pigmentos da carne e ao início de odores de ranço e sabores indesejáveis.

Assim, a estabilidade do músculo depende, acima de tudo, do balanço de antioxidantes. Nesse caso, algumas tecnologias têm sido testadas recentemente, como o propósito de garantir a qualidade da carne bovina durante a estocagem, destacando-se o emprego da vitamina E e C na alimentação pré-abate. Além disso a suplementação de vitamina E em dietas pré-abate pode melhorar a capacidade de retenção de água da carne.

Grady et al. (2001) suplementaram bovinos com 300 UI de acetato de α-tocoferyl na dieta por 55 dias pré-abate e observaram menor suscetibilidade do tecido muscular à oxidação lipídica e à oxidação da mioglobina na carne dos animais suplementados com vitamina E. Contraditoriamente, dados de algumas pesquisas não apresentaram efeito positivo da suplementação com vitamina E sobre a característica da cor da carne de novilhos Nelore (Pereira, 2002).

Em relação à suplementação com vitamina C, alguns autores observaram uma melhora na qualidade da carne, nos animais tratados, em relação à carne dos animais controle. Estudos indicaram que a utilização de vitamina C intravenosa em animais pré-abate melhoraram a estabilidade da cor em diversos músculos. Porém, Yancey et al. (2001) realizaram experimento aplicando 98,52% de água, 0,97% de sacarídeos, 0,23% de cloreto de Na e 0,28% de fosfato plus e não observaram melhora na coloração do músculo Longissimus thoracis, 24 horas pós morte e 48 horas para os músculos Longissimus thoracis, Psoas major ou Semimembranosus. Entretanto, quando foram adicionados 50 ppm de vitamina E (dl-α-tocoferol) na solução, houve melhora significativa na coloração da carne do músculo Quadriceps femmuris moído.

Além da utilização dessas soluções, afim de melhorar a qualidade da carne, têm-se enfatizado recentemente, a utilização de substratos, tais como, a mistura de maltose, dextrose, glicerina e fosfatos, que visam aumentar a maciez do músculo longissimus. Assim, a introdução desses substratos nos animais poderia acelerar o processo de maturação da carne. A introdução de uma solução aquosa contendo 98,53%de água, 0,97% de sacarídeos, 0,23% de cloreto de sódio e 0,28% de fosfatos em bovinos resultou em uma coloração inicial mais vermelho brilhante. Entretanto, observou-se uma descoloração mais acelerada nos músculos dos animais tratados com essas soluções. Além disso, quando adicionou-se CaCl2 a carne apresentou-se com coloração significativamente mais escura.

Dessa forma, os efeitos da aplicação dessas substâncias na carne de animais, principalmente bovinos, ainda não são completamente conhecidos. Assim, muitas pesquisas ainda são necessárias, afim de refinar e aprimorar metodologias, além de viabilizar a utilização dessas práticas para a melhora da qualidade da carne destinadas ao consumo.

Referências bibliográficas

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1Angélica Simone Cravo Pereira é pós-graduanda em Qualidade e Produtividade Animal, FZEA – USP, Pirassununga.

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  1. Renata Coelho disse:

    Parabenizo o excelento artigo, de grande conteúdo técnico e explicativo.