As últimas semanas trouxeram novidades para a cadeia da carne bovina brasileira. No final de julho os preços começaram a reagir em todo Brasil, dando novo ânimo aos pecuaristas.
As últimas semanas trouxeram novidades para a cadeia da carne bovina brasileira. No final de julho os preços começaram a reagir em todo Brasil, dando novo ânimo aos pecuaristas. A principal justificativa para o aumento dos preços foi a falta de animais para abate, exportações cada vez mais fortes e queda de embargos importantes.
Em seguida surgiu a notícia dos resultados reagentes para sorologia de aftosa no Mato Grosso do Sul. Provavelmente isso ocorreu por vacinação indevida feita por produtores da região interditada. A vacinação não deveria ter sido feita, assim como o governo deveria terminar os trabalhos na área com mais agilidade. Os produtores escolheram vacinar e correr o risco de comprometer a sorologia, pois não vacinando estariam correndo um risco ainda maior, o de surgimento de um novo foco. O governo tenta culpar os produtores, quando não fez a sua parte.
Na segunda-feira, 21/08, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça pediu a condenação de oito frigoríficos e 13 de seus dirigentes por formação de cartel. Segundo a SDE, as empresas fixavam, em diversas regiões do país, deságio sobre o preço a ser pago aos pecuaristas. Juntos, os frigoríficos acusados de cartel são responsáveis pela aquisição de quase 50% de todo o gado bovino destinado ao abate nos estados de São Paulo e Goiás.
Os produtores há muito vem acusando os frigoríficos de cartelização, mas só agora conseguiram o primeiro passo (de muitos) para efetiva condenação. O processo pode levar anos e será difícil conseguir a condenação dos frigoríficos, que, caso venham a perder no Cade, podem ainda recorrer na justiça. Os argumentos para não levar o processo adiante serão muitos e já estão sendo utilizados, como “denegrir a imagem da carne brasileira no exterior” e também “aumentar o desemprego”. É importante buscar o que é justo, pois se a condenação causa prejuízos, a (ainda não julgada) existência do cartel também causa muitos prejuízos a todo o setor, em especial aos produtores.
A cadeia da carne está passando por um processo de depuração. Uma encruzilhada estratégica. Hoje a lucratividade da produção é pressionada pelo crescimento da oferta nos últimos anos, consumo interno estagnado, maior poder de barganha dos frigoríficos, aumento dos custos e na grande maioria dos casos a não remuneração da qualidade. O produtor recebe hoje por peso de carcaça e não por peso e qualidade de carne.
Com todos esses fatores achatando a lucratividade do pecuarista, em São Paulo muitos têm optado pela produção de cana-de-açúcar. No Mato Grosso do Sul em algumas regiões há migração para produção de eucalipto. Se isso acontecer sistematicamente, a produção tende a diminuir, reduzindo o tamanho e importância do setor pecuário.
Além disso, quando não há um horizonte claro de remuneração premium por qualidade e a pressão dos preços e custos é grande, uma das estratégias utilizadas é a busca pelo menor custo de produção, que pode ser alcançado genericamente de três formas: 1-economia de escala, 2-eficiência operacional e 3-redução da qualidade.
Como a cadeia da carne é bastante desestruturada, há sempre o risco do terceiro item (redução da qualidade) ser muito utilizado. O efeito imediato é a carne se tornando um pior produto em relação a seus substitutos, como a carne de frango e carne suína.
Essa possibilidade de diminuição do setor como um todo, gerando menos renda, menos empregos e a perda de competitividade em relação a outras carnes é a “escolha ruim” dessa encruzilhada que o setor enfrenta atualmente. A outra saída é aproveitar todos esses problemas vividos atualmente: redução de preços, maior poder de barganha dos frigoríficos, suspeita de cartelização e não diferenciação da qualidade como desafios a serem sobrepostos, em busca de uma posição mais rentável.
Esses desafios impostos aos produtores podem ser indutores da mudança, gerando um interesse real por maior organização (maior poder de barganha), maior profissionalização, e remuneração indexada pela qualidade do produto final. As oportunidades existem e há grupos de produtores (associações, cooperativas e sindicatos) que estão trabalhando nesse sentido.
Esses produtores estão descobrindo que, sendo eficientes na produção, tendo maior força de negociação e produzindo de acordo com as demandas do consumidor final, têm resultados muito positivos.
Nessa encruzilhada, um dos caminhos é de menos faturamento, menos valor agregado, menos renda. No outro, com certeza há desafios e muitas dificuldades, mas é a saída para recuperação da lucratividade da produção pecuária.
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Parabéns Miguel. Como sempre, sua opinião muito oportuna e coerente. Estamos caminhando para a “1ª opção”, a da organização e busca da qualidade para conseguirmos valor adicionado.
Caro Miguel,
Sua análise representa um retrato fiel do atual momento de transição do setor bovino. A história, e a experiência de outros setores, ensinam que problemas e oportunidades costumam habitar no mesmo espaço. Assim, parece útil destacar os seguintes pontos:
1. O fato, se o setor expande ou encolhe ou aumenta ou reduz o emprego não é assunto do pecuarista, mas sim preocupação do governo. Por enquanto, lá ninguém sente o problema na pele e certamente teremos que esperar mais reduções do PIB agropecuário antes de alguém se mexer.
2. O setor bovino não deve ser visto como um bloco monolítico. Existem as empresas de ponta (talvez na ordem de 1.000 a 2.000 propriedades), as pecuárias de médio porte (mais ou menos tecnificados) e a armada de cerca de 1 milhão de explorações quase artesanais. Em cada um destes segmentos, os processos de mudança ocorrem com natureza, amplitude e velocidade distinta. Assim, não adianta colocar todos os pecuaristas e todos os frigoríficos num único saco.
3. Ao recapitular reportagens do BeefPoint que foram publicadas somente neste ano, podemos constatar a criação de alianças, tanto horizontais (entre pecuaristas) como verticais (entre diversos elos da cadeia da carne). Até existem modelos de financiamento do Banco do Brasil que começam a fomentar cooperações ´transfronteriças´ para o bem de todos, inclusive do consumidor.
Cada pecuarista precisa olhar para SUA realidade específica e avaliar qual dos referidos caminhos será o mais plausível para SEU caso (intensificação, tecnificação, alianças, diversificação etc.).
Sua análise é importante para o produtor possa compreender a dinâmica do ambiente para seu posicionamento individual. Porém, o trabalho de diagnóstico e da elaboração de um plano consistente de negócio cabe a ele, nem ao governo, nem à associação a qual pertence e ainda menos à opinião publicada.
Abraços
Francisco Vila
Economista
Enquanto isso, alguém investe R$ 100 milhões em uma nova planta frigorífica. É discrepante a falta de crédito que o produtor rural tem. Não falo especificamente o pecuarista, mas também o produtor de soja, milho, principalmente os pequenos, que frente a uma adversidade climática vêem todo seu patrimônio ir à venda. Infelizmente, por enquanto é assim que funciona.
Parabéns Miguel, seu artigo é o raio X da pecuária do nosso país. No entanto, às vezes penso que nós (técnicos e pecuaristas) falamos linguagens distintas. Todos dizem saber que é preciso se unir, bem como produzir com qualidade, porém nem todos praticam o que dizem.
Moro no Rio Grande do Sul, e aqui ainda há centenas de produtores avessos a esta realidade que todos nós pregamos. Às vezes tenho a impressão que o conceito de “qualidade” está pairando no ar, fazendo que muitos pecuarista achem que possuem qualidade em seu rebanho, quando na verdade não a tem. Acho que esta faltando padronização na mensuração dos resultados, para que com isso seja possível produzir um produto homogêneo.
Hoje, no estado, somos remunerados pela qualidade (acabamento, rastreabilidade e raça). Muitos produtores estão satisfeitos com o momento da pecuária. Aqueles que não possuem um resultado satisfatório, teimam e culpar terceiros, e não assumir a culpa pelo baixo desempenho.
Com certeza “Foco, eficiência e negociação” são premissas básicas para o andamento do negócio. O que está nos faltando é praticar o que promovemos.
Mais uma vez, parabéns
Um grande abraço
Felipe Sangalli Dias
Eng. Agronomo