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Em defesa das commodities

Volta e meia ressurge a ladainha de que a composição da nossa pauta de exportações está equivocada e que o Brasil estaria fora do eixo dos produtos mais dinâmicos do comércio internacional. O diagnóstico usual é que exportamos pouco porque temos uma pauta excessivamente baseada em commodities agropecuárias e minerais, cujos mercados estariam inexoravelmente condenados ao declínio, e que a solução seria exportar manufaturas de alto conteúdo tecnológico e valor adicionado.

É curioso como esse tipo de avaliação desconectada da realidade ainda motiva discursos eloqüentes e artigos simplistas. A avaliação mais recente nesse sentido deriva da interpretação errônea de um estudo da Unctad (TD/396, de 17/5/2004) que foi cantado em verso e prosa durante a megarreunião da entidade realizada em São Paulo no mês passado. O estudo lista 40 categorias de produtos que lideraram a expansão do comércio mundial entre 1985 e 2000 e que apresentaram uma taxa de crescimento médio anual das exportações de 12% ao ano, variando de 8,8% ao ano no caso de peças de aviões a 42% ao ano no caso de centrais digitais para armazenamento de dados.

O desempenho dos tais 40 produtos mais dinâmicos seria bastante superior aos 8% anuais de crescimento médio do valor das exportações mundiais de mercadorias. Na rabeira do pelotão estariam as commodities, que, segundo o estudo, perderam “share” no comércio mundial, ainda que se note um certo dinamismo em algumas delas. A conclusão do estudo – no meu entender, excessivamente simplista – é que os países em desenvolvimento deveriam fugir da sua dependência por commodities e seguir o exemplo de Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Malásia, México e mais um punhado de heróis que trilharam o caminho correto ao adicionarem valor às suas manufaturas exportadas.

A tentativa de negar as nossas vantagens comparativas com flashes periódicos de preconceito explícito contra commodities é um fato histórico lamentável no Brasil. O Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) acaba de realizar um amplo levantamento do desempenho do comércio exterior brasileiro de commodities agropecuárias e agroindustriais entre 1990 e 2003. Os números são impressionantes (ver quadro). Nessa área, ocupamos hoje o terceiro lugar do mundo, atrás dos EUA e da União Européia (UE). Não fossem os famigerados subsídios à produção e à exportação no mundo desenvolvido, talvez já estivéssemos em segundo lugar.

Nosso saldo comercial na agricultura é de US$ 17,8 bilhões, hoje o maior do mundo. Graças a um notável estoque de investimentos em pesquisa e tecnologia tropical, à disponibilidade de terras aráveis e abundantes reservas de água e a empresários inovadores, colocamo-nos hoje entre os primeiros produtores e exportadores mundiais de uma série de commodities importantes, com taxas anuais de crescimento das exportações de 18% no açúcar, 17% na soja, 13% no frango e 27% na carne suína.

Tais valores são comparáveis aos obtidos pelos 40 produtos mais dinâmicos do estudo da Unctad. No entanto, naquela lista o Brasil só aparece em dois setores: veículos automotivos e motores. Os números do Icone mostram que tivemos um desempenho extraordinário em commodities, que foram ignoradas pelo estudo. A conclusão é óbvia: a pesquisa não deveria ser extrapolada para o caso brasileiro porque nas commodities clássicas simplesmente crescemos a taxas bem superiores à média mundial, deslocando outros competidores e ganhando “share” no mercado mundial. Ademais, vale destacar que, ao contrário do que se pensa, exportar commodities agropecuárias não é privilégio de países pobres e pouco dinâmicos: cinco dos dez maiores exportadores mundiais desses produtos são países desenvolvidos – EUA, UE, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Em suma, não há absolutamente nada de errado com a nossa pauta exportadora.

Ela simplesmente reflete o êxito de três décadas de investimentos que transformaram as nossas vantagens comparativas seculares em tecnologia, renda, divisas e empregos. E tudo isso foi conseguido a despeito das péssimas condições de nossas estradas, da falta de ferrovias e condições portuárias adequadas e da quebra de contratos na origem e no destino, como no exemplo da contestação judicial dos contratos de compra antecipada de grãos e da esperta jogada comercial da China na soja.

Não deveria caber ao setor público qualquer definição arbitrária sobre que produtos deveríamos ou não exportar. Cabe, sim, ao governo criar marcos regulatórios estáveis que favoreçam os pesados investimentos em infra-estrutura e defesa sanitária de que necessitamos, impor o respeito aos contratos e ao direito de propriedade e trazer resultados mais concretos das várias frentes de negociação internacional das quais participamos. Não tenho nada contra a diversificação e a adição de valor à pauta exportadora, um esforço louvável que, aliás, cabe basicamente ao setor privado, e não ao governo. O famoso modelo de vantagens competitivas desenvolvido por Michael Porter nos ensina que o Brasil teve grande êxito em segmentos de commodities nos quais a estratégia genérica é a “liderança em custos” e as variáveis de sucesso são a exploração de economias de escala e escopo, a pesquisa e a inovação tecnológica, os ganhos de produtividade e a racionalização de processos.

Falta agora ao setor empresarial encarar com determinação os segmentos em que a estratégia genérica é a “diferenciação” e as variáveis-chave são os investimentos em comunicação, promoção e canais de distribuição e a exploração de marcas, nichos de mercado, denominações de origem e afins. O desafio do Brasil não é trocar commodities por produtos diferenciados de alto valor adicionado. O desafio é fazer estes tão bem quanto fazemos aqueles.


Fonte: USDA/PSD SECEX/MDIC e FAO
Nota:
(*) A taxa anual de crescimento de exportações de cada produto foi calculada utilizando-se informações sobre o volume transacionado no período de 1990-2003, disponíveis no USDA Official Statistics. A taxa anual de crescimento das exportações agrícolas totais foi calculada utilizando-se valores em dólares americanos, disponibilizados pela SECEX/MDIC

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