No ano passado veio à discussão a validade de cruzamentos para produção de carne no Brasil, especialmente no Brasil Central Pecuário. Parece que o estopim para início dessa discussão foram as alegações por parte dos frigoríficos de falta de acabamento e de baixo rendimento de carcaça dos animais cruzados. Na época fizemos algumas considerações sobre a confusão sobre o que era definido como cruzado e sobre as causas que poderiam levar à falta de acabamento e baixo rendimento de carcaça.
Atualmente vem ocorrendo uma redução drástica no interesse de produtores comerciais de gado de corte em usar o cruzamento como ferramenta para exploração da heterose. Esse fato tem provocado dois problemas: diminuição da venda de sêmen e de touros de raças taurinas.
Embora as alegações sobre problemas de acabamento e de rendimento de carcaça sejam importantes para colocar em discussão as vantagens e desvantagens do cruzamento como ferramenta para aumentar a produtividade, a diminuição da intenção do uso de cruzamento para produção de gado de corte se deve mais, no nosso entender, a outros fatores. Entre esses fatores podemos incluir pelo menos 4: falta de objetivo bem definido na grande maioria dos casos; falta de condições em termos de estrutura e de gerenciamento; tentativa de uso de touros puros de raças européias e de touros cruzados para cobertura a campo.
Em relação à falta de objetivos definidos, em um primeiro momento houve maior preocupação em comparar raças do que usar touros aprovados de uma determinada raça, escolhida para atingir o objetivo desejado. Para o cruzamento ter sucesso, deve haver uma compatibilização entre a(s) raça(s) a ser(em) usada(s), o sistema de cruzamento e o sistema de produção. Por exemplo, para sistema de cruzamento terminal de 2 raças, a raça européia mais indicada é diferente da indicada para cruzamento terminal de 3 raças, o qual permite explorar tanto a precocidade reprodutiva como a heterose materna.
Muitos começaram a usar cruzamento porque estava na moda, sem conhecimento técnico adequado e com pouca ou mesmo sem nenhuma condição em termos de estrutura e de gerenciamento. Essa falta de estrutura, como condições para usar a inseminação artificial, incluindo aqui pessoal habilitado, abriu a possibilidade do uso de touros puros ou cruzados de raças européias para resolver o problema. Essa tendência foi estimulada pelas associações de criadores das diferentes raças européias puras e de raças ditas sintéticas ou compostas.
No caso das raças européias puras, cada associação defendia os méritos de sua raça cobrir bem a campo nas condições de clima do Brasil Central pecuário. Embora em algumas micro-regiões ou em condições muito adequadas de ambiente (sombra, pastos pequenos, nutrição, etc), o uso de touros puros de algumas raças européias possa ser viável no Brasil Central, o que se observou na prática é que quem mais tentou usá-los foram os que apresentavam piores condições para fazê-lo. Os problemas de pequena longevidade dos touros puros de raças européias em monta a campo e a exigência de maiores cuidados sanitários e de manejo, levaram ao desinteresse do seu uso.
Uma possibilidade que se abriu foi o uso de touros de raças sintéticas (composto europeu x zebu) para substituir os touros puros europeus em cobertura a campo. Embora fosse esperado que uma heterose menor, a perspectiva era de que mesmo assim compensaria. O grande problema foi que havia (e para a maioria das raças sintéticas ainda há) pequena disponibilidade de touros já fixados (4 a 5 gerações) no mercado. O que ocorreu foi que, para aproveitar o mercado em expansão do cruzamento, as associações de criadores de raças sintéticas ou os criadores isoladamente estimularam o uso de touros cruzados tanto para cobertura de fêmeas da raça nelore como meio sangue e cruzadas em geral. Na maioria dos casos, o resultado foi e tem sido a produção de bezerros(as) bastante heterogêneos, com predominância de animais de baixo desempenho, principalmente após a desmama quando as condições oferecidas aos mesmos não são muito favoráveis.
A situação parece ter chegado a um ponto de quase consenso de que a única opção para produção de carne bovina no Brasil Central pecuário é o uso de rebanhos zebuínos. Embora para certas condições e finalidades isso seja verdadeiro, para outras o contrário também parece verdadeiro, isto é, o cruzamento ou o uso de raças sintéticas (compostas) tem lugar quando se pensa em precocidade sexual e em nichos de mercado para carne com características específicas de qualidade.
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Em determinado momento, no RS, os produtores usaram de maneira aleatória reprodutores Zebuínos sendo que os mesmos nem sempre eram originados de criatórios que se dedicavam a seleção. Por muitas vezes foram vistos touros Nelore, principalmente, que simplesmente eram tirados de qualquer vacada e vendidos como reprodutor a preços mais baixos, isto com certeza também deve ter ocorrido de maneira inversa na Brasil central, fazendo com que o resultado destes cruzamentos nem sempre atinjam os objetivos desejados.
Tenho plena convicção que tanto para o RS como para o Brasil central, cruzamentos bem conduzidos e com reprodutores avaliados por performance e por critérios objetivos de seleção sempre trarão benefícios para a pecuária como um todo.
Concordo plenamente.
Acho que devemos sim aproveitar as vantagens dos cruzamentos, principalmente visando a qualidade de carne, precocidade das fêmeas entre outras.
Mas particularmente, minha opiniao é que produres deveriam primeiro aprimorar e melhorar geneticamente a base Nelore e depois lançar mão de outras racas para um melhor resultado.
Como no título do artigo, o Nelore é a locomotiva; assim quanto melhor a locomotiva (a base), melhor será a vantagem dos cruzamentos.
Parabéns pelo artigo.
Quero parabenizar o Dr. Celso pelas colocações a respeito do cruzamento industrial, sou tecnico e já tive oportunidade de trabalhar tanto com raças puras zebuinas como européias, e tambem com o cruzamento, concordando com o que o professor Boin escreveu.
Caro Celso Boin, aproveito o momento para parabenizá-lo pelo excelente artigo e gostaria de fazer alguns comentários que acredito que complementem o seu raciocinio.
Em primeiro lugar a recusa dos frigorificos por cruzados, principalmente no estado de Goias, se deu pelo aumento do uso de touros e sêmen de raças leiteiras, incentivados pelas industrias de laticinios, que transformou o rebanho goiano em um gado mestiço de raças leiteiras, sendo os machos, destinados ao frigorifico, apresentam uma carcaça que não atende as exigencias dos frigorificos. Esta exigencia também se extendeu aos cruzados de raças de corte, pois da mesma forma que apresentam heterose e podem ter uma melhor carcaça, também são mais exigentes com relação ao manejo e qualidade de pastagens, para poderem demostrar este potencial.
Quando o Sr cita que as vendas de sêmen e touros de raças européias diminuíram drasticamente, basta lembrar que no ano 2000, elas lideravam as vendas e algumas associações de maneira irresponsável, prometeram um sobre-preço na @, para quem utilizasse determinadas raças para cruzamento, prometeram a formação de cadeias produtivas para comercialização das carnes.
Infelizmente isto não se concretizou, os pecuaristas que investiram altas somas acreditando nisto, se sentiram traídos, hoje utilizam o Nelore, cuja associação é a unica que já tem uma carne com marca distribuida em grandes centros do país.
Concluindo professor, eu nelorista convicto, afirmo que o nosso grande concorrente é o frango, e não as raças de corte européias, nenhuma raça é perfeita, o pecuarista tem que estudar seriamente antes de tomar uma decisão sobre qual rumo seguir, pois se investir seu capital em uma raça e não tiver o retorno esperado , o prejuizo é enorme, principalmente no atual momento, com as margens de lucro cada vez mais estreitas.
Concordo com o Prof. Boin quando diz que foi feito um uso indiscriminado de reprodutores europeus sem a mínima condição para um bom aproveitamento da heterose.Também não foram analisadas as características dos touros europeus, pois como raças não adaptadas muitos morreram depois de dois anos de uso e sua fertilidade deixou muito a desejar, trazendo aos pecuaristas um grande prejuízo.
Ora, gado europeu não é nada adequado para monta natural no Brasil-Central, mas grandes campanhas de marketing feitas por essas raças levaram os pecuaristas do Brasil Central a esse resultado, conseqüentemente desanimando-os quanto a esses cruzamentos. O poder do marketing muitas vezes leva a uma escolha errada, principalmente quando entra dinheiro grosso e interesses internacionais nessas campanhas.
O brasileiro está esquecendo que tem nas mãos uma mina de ouro em matéria de genética européia adaptada às nossas condições climáticas. Genética essa, que está no Brasil desde 1553. Estou falando da raça Caracu (Bos taurus), a única que resiste em todas regiões do Brasil. Mas como é uma raça nossa é discriminada! Neste país só presta o que é estrangeiro! O que vem de fora! Os modismos! É impressionante como se despreza tudo que é nosso! O trabalho de nossos pesquisadores, como os do IZ de Sertãozinho não vale nada? E os da Embrapa? E os da FZEA_USP-Pirassununga?
Os próprios técnicos do ramo têm esse preconceito, muitos não tem o mínimo conhecimento sobre a raça, acham que tudo é pé duro, isso porque não se atualizaram e nem visitaram as propriedades que fazem seleção e quando por acaso se deparam com esses criatórios, levam um susto com a boa qualidade dos animais, mas os trabalhos que estão sendo feitos por produtores, e técnicos abnegados, deveriam contar com a colaboração de todos que dizem que querem contribuir com a nossa pecuária, pois essa seria a solução para cruzamentos no Centro-Oeste e Norte do Brasil.
O Caracu moderno de hoje, é totalmente diferente do de alguns anos atrás, existem vários criatórios fazendo avaliação e seleção genética já temos o sumário da Embrapa, o feito pelo GMA-FZEA-USP-Pirassunga e outros particulares, com touros melhoradores, com boa musculatura e DEP’s para várias características.
A conformação está sendo selecionada para a chamada “conformação frigorífica”, o Caracu está demonstrando que com as modernas técnicas de criação, a raça responde prontamente com precocidade, fertilidade, acabamento de carcaça, longevidade (um touro trabalha 10 ou mais anos e as vacas costumam parir até os 16/18 anos), além de que quando feito o cruzamento, a raça acrescenta ao produto uma qualidade muito importante que é a docilidade, facilitando o manejo, pois todos sabemos como é o temperamento do Zebu.
Um animal calmo engorda muito mais que um nervoso. Além de tudo o Caracu não vai tirar do Zebu a sua principal qualidade que é a rusticidade e sim acrescentar e somar, pois já está provado que a resistência ao calor do Caracu é igual ao do Zebu, recentemente a Equipe do Prof. Titto da FZEA-USP-Pirrassununga, realizou os testes de ItC (Índice de tolerância ao calor no rebanho Caracu da Fazenda Aurora-Sta.Cruz das Palmeiras). Nenhum outro europeu tem tão alta resistência ao calor quanto o Caracu, mas entende-se o porque, pois a seleção natural por que passou o Caracu, durante esses 400 anos deu a ele essa qualidade!
Quanto às raças sintéticas, ninguém sabe ainda muito bem “que bicho pode sair”, pois não sabemos qual das raças usadas no processo de “sintetização” vai predominar sobre os produtos desse cruzamento, tanto que, segundo o Prof. Boin, os resultados recentes não estão sendo satisfatórios. Todavia o pecuarista que for adquirir um touro Caracu deve ter muito cuidado ao escolher, para não levar um animal sem pureza racial, com alguma introdução de sangue europeu, o que poderia ocasionar uma perda na rusticidade e na resistência ao calor.
Deve-se sempre procurar um criatório de confiança onde seja feito um trabalho de seleção com seriedade.
Pecuaristas do Mato Grosso, Pará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Acre, que já sofreram com touros europeus não adaptados, já descobriram que o Caracu pode ser a solução viável para cruzamentos, visto que o sistema de criação do Caracu pode ser o mesmo do Zebu, isto é “O Caracu é um boi de pasto!, boi de capim!, boi verde! que pode ser criado extensivamente com baixo custo em qualquer lugar do Brasil”
Faço um apelo aos técnicos do Brasil, governamentais e autônomos para que procurem se informar, pesquisar, visitar rebanhos e nos ajudar a melhorar mais ainda um tesouro genético que não pode ser jogado fora por “modismos do momento”. Vamos valorizar o que é nosso, há tantos séculos.
Se o Caracu sobreviveu até hoje é por que ele tem a melhor qualidade que um animal pode ter que é: preservar a sua vida, sua genética e sua linhagem! Isso ele está fazendo com sucesso a toda sua descendência nesses últimos 4 séculos, o que prova que passou pelo teste de Charles Darwin , o evolucionista. “…o animal vai se adaptar ou vai migrar ou vai morrer…”
Pecuaristas! Nós temos o boi de capim que o mundo tanto deseja! Vamos usá-lo!
O Caracu e o Zebu juntos farão o sucesso da pecuária Brasileira. E a riqueza de nosso País
Concordo com Prof. Celso,
Minha opinião é que o “cruzamento indústrial” é uma poderosa ferramenta para ser usada de maneira criteriosa, orientada e com objetivos definidos capaz de aumentar a produtividade, qualidade e o faturamento de um sistema de produção bem planejado e executado.
O modismo custa caro e nem sempre tem vida longa.