Levantamento de índices técnicos associados à produção de silagens de gramíneas tropicais nas regiões Sudeste e Centro-oeste do Brasil
16 de maio de 2002
Custo elevado reduz expectativa de confinamento de bois em 2002
20 de maio de 2002

Embriomania

Por Fernando Penteado Cardoso1

A miraculosa e espetacular fase da biotecnologia tem nos levado ao mundo da fantasia, às vezes pelo fascínio das perspectivas oferecidas, às vezes por interesses comerciais proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico.

Ao me tornar engenheiro agrônomo em 1936, mal se falava em inseminação artificial nas lidas pecuárias em que estava envolvido na fazenda de meus pais em Descalvado/SP, onde se tirava leite e se vendiam garrotes gordos para corte, produzindo ao mesmo tempo esterco de curral para o cafezal depauperado.

A seguir veio a fase da especialidade em que somente veterinários devidamente bacharelados sabiam fazer inseminação, tirando de cada bom touro um número de filhos jamais alcançado pela monta natural.

Pouco a pouco outros foram aprendendo, inclusive a inseminar zebuínos tidos como ariscos e rebeldes. O procedimento se desmistificou, vaqueiros foram treinados e suas mulheres também. Assim tive a oportunidade de constatar na Faz. Bodoquena, em Miranda/MS, que as esposas dos vaqueiros, residindo ao lado dos currais, eram as responsáveis pela inseminação das vacas em cio separadas pelos maridos no correr do dia.

Passaram-se os anos, a I.A. tomou conta do país, e nosso rebanho bovino deu um salto gigante no melhoramento ao descender de touros de melhor nível, em que pesem algumas exceções, como constatado pelo Prof Bonsma, em minha companhia, ao examinar 4 touros em uma central de inseminação. Com sua franqueza por vezes rude, disse ao proprietário dos reprodutores: “Esse aqui é muito bom, os outros 3 não servem e devem seguir para o abatedouro”.

Bonsma, alem de renomado cientista e professor, era de profundas convicções religiosas e filosóficas. Ao recomendar: “medir, medir e medir para ser impiedoso na seleção, mantendo as portas do abatedouro sempre abertas”, ele estava dogmatizando que o animal que não serve para você dever ser abatido e não vendido a terceiros. Era uma posição antes de tudo ética, baseada em sua religiosidade cristã.

Novamente passaram-se os anos durante os quais os cientistas procuravam tirar mais crias das grandes vacas a exemplo do que havia acontecido com os touros.

Desenvolveram e aperfeiçoaram a superovulação induzida por hormônios, seguida da fertilização por IA ou “in vitro” e transplante dos embriões já resistentes no útero de outras fêmeas, cujo ciclo hormonal estava devidamente sincronizado para não os rejeitar. Aceita a mórula, segue-se o processo normal de gestação, a vaca ama parindo filho com DNA diverso do patrimônio genético próprio.

Até aí tudo bem: mais um valioso recurso para o melhoramento animal, dentro do pressuposto de que seria utilizado para multiplicar fêmeas de elite, com qualidades maternais indiscutíveis; ascendência satisfatória; fecundidade e libido comprovadas; especial habilidade materna; boa resistência física para parir, adotar e amamentar; progênie conhecida que lhe assegure boa DEP; e também alta longevidade fértil. Isso seria o óbvio, pois os óvulos dessas vacas teriam alta probabilidade de carregar boa parte dessas características.

Na fazenda Mundo Novo de Uberaba por exemplo, somente poucas vacas dentre mais de mil foram admitidas para TE após rigorosa seleção dentre aquelas com mais de 6 anos, primeiro parto até os 36 meses e com um mínimo de 3 crias nessa idade, desmamando sempre bezerros com peso acima da media, em regime exclusivo de pasto. Alem disso mostravam-se dóceis e apresentavam úberes e tetas com boa conformação.

Mas, infelizmente, não é assim que acontece com muitos dos embriões ora ofertados aos pecuaristas. Por um “marketing” bem conduzido criou-se a falsa imagem de que sendo “embrião” é de ótimo potencial genético e assim merecedor de altos preços em leilões festivos e ilusórios. A sigla “TE” passou a ser símbolo fictício de qualidade, indicado em documentos do animal, quando na realidade é apenas a informação de um método de reprodução.

Estabelecido o “mercado” passou-se à prática falaz de eleger para a prática da TE fêmeas ainda mal conhecidas e de potencial genético discutível. Novilhas pré-púberes são induzidas quimicamente a ovular, quando não se coletam células com N/2 cromossomos de seus tecidos reprodutivos. Tratam-se de fêmeas incógnitas que ainda não comprovaram a maior parte das qualificações acima indicadas. Seus embriões oferecem um grande risco para o comprador desavisado, muitas vezes deslumbrado pela animação etílica da nossa pecuária de salão, tão agradável quanto inconseqüente.

Enquanto os especialistas se calam e se omitem eu me pergunto: “Que diria o grande Bonsma da nossa atual “embriomania” ?.
__________________________________
1 Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP
Agrolida – Consultoria e Assessoria – São Paulo/SP

Os comentários estão encerrados.