Carlos Arthur Ortenblad é economista e administrador de empresas, Rio de Janeiro/RJ
Há praticamente um ano eu não escrevia para o BeefPoint. Após a venda da Fazenda Água Milagrosa, verifiquei que perdia rapidamente a sintonia com o setor agropecuário. Assim, não era razoável eu escrever sobre um assunto sobre o qual não me sentia mais atualizado. Para sua tristeza, dileto leitor, cá estou de volta.
Pousado há vários dias sobre minha mesa, decidi hoje dar uma folheada na excelente “Maiores Empresas 2005”, um calhamaço de 314 páginas, publicado pelo jornal Valor Econômico.
Analisando as diversas tabelas, boa parte delas comparando desempenho das 1.000 maiores empresas brasileiras nos anos de 2003 e 2004, encontrei um fato interessante: o bom desempenho econômico / financeiro dos frigoríficos de carne bovina.
Como devo ser imparcial, vou mencionar dados apenas daqueles frigoríficos em que é possível determinar que os resultados derivam, total ou majoritariamente, de atividades relativas à pecuária de corte:
Parabéns a essas empresas. Obtiveram um aumento médio da receita líquida da ordem de 49,1% em 2004, quando comparado com 2003 – que também já havia sido um excelente ano para o setor.
Como os números falam por si, só me cabe lamentar que, enquanto isso… a pecuária de corte no Brasil vai de mal a pior, e sem perspectivas de melhora.
Muito ao contrário, há chances razoáveis de que as coisas possam piorar. Entre os diversos desmandos do governo (sic) Lula, há um que pode custar caro à nação, e, em especial à pecuária: o drástico corte da verba orçamentária para controle de sanidade animal do MAPA.
Cortou-se fundo no valor orçado, e mais ainda no que foi efetivamente liberado. O Brasil foi recentemente classificado com grau de risco 2 quanto a EEB (vaca louca) pela Comunidade Econômica Européia. Enquanto isso, nossos maiores concorrentes, como Austrália, Argentina, Uruguai e até o Paraguai, receberam grau 1.
Com a inconsciência de alguns pecuaristas, e a virtual inexistência de controle eficaz por parte do governo federal, vai que estouram um ou dois focos de febre aftosa…
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Ao ler o artigo do Sr. Carlos Arthur, me sinto na obrigação de expor alguns pensamentos extremamente pertinentes ao tema abordado.
Fico impressionado como empresas cujos faturamentos aumentaram na ordem de 50% em um ano, ainda culpam o dólar e os baixos valores internacionais da carne bovina para justificar o mercado retraído da pecuária de corte.
Somando-se isso ao fato dos valores da carne bovina no varejo não recuarem em mesma proporção ao da @ do boi gordo, podemos concluir que alguns elos da cadeia produtiva da carne (principalmente os “fora da porteira”, tanto de insumos como de compradores de animais) estão “abocanhando” cada vez maiores fatias da rentabilidade do negócio.
A continuar assim, fico pensando se em um futuro próximo, quando a oferta de animais se normalizar, se a rentabilidade do pecuarista vai ser compensada, ou se o crescimento do faturamento dos frigoríficos vai pular dos atuais 50% anuais para 70, 80, ou até 100%.
Cito um ditado que meu pai costuma sempre me dizer: “Não feche demais as mãos porque o conteúdo pode vazar pelos vãos dos dedos”.
Em outras palavras, caso as empresas compradoras de bois não comecem a pensar em parcerias com produtores ou em partições mais justas dos lucros ao longo da cadeia, certamente esses lucros e faturamentos assombrosos obtidos na atualidade vão futuramente “vazar pelos vãos dos dedos”, simplesmente pela ausência de fornecedores a atender sua demanda.
Fornecedores estes que certamente mudarão de atividade como alternativa de sobrevivência.
Vamos começar a pensar nisso…
Grato pela atenção.
Miguel Menezes
Prezado Sr. Menezes,
Concordamos em gênero, número e grau.
Foi exatamente isso que eu quis deixar claro em meu mini-artigo: a ganância de boa parte dos empresários brasileiros, que não resistem à tentação do lucro rápido.
Preferem maximizar receitas líquidas – custe o que custar – do que reparti-la com um setor do qual dependem qualitativa e quantitativamente.
Atenciosamente,
Carlos Arthur Ortenblad
Eu não posso deixar de concordar com o Miguel Menezes e o Sr. Carlos Arthur, os números confirmam. Açougueiros e abatedouros com pouca estrutura se tornaram indústrias muito rentáveis e fortes com méritos próprios.
Mas com a ajuda do pecuarista que sempre os financiou vendendo seu produto com prazo de 30 dias, em um negócio que o boi representa de 70 a 80% do custo de produção não precisar de capital de giro facilita-se muito.
Devemos equilibrar a negociação não aceitar preços que não remunerem e negociar prazos. Não conheço outra atividade no setor que cobra juros para pagar a vista, o prazo é tabelado sem discussão.
Outro fator é a qualidade, se os frigoríficos querem qualidade, carcaças padronizadas e com bom acabamento, têm que pagar mais por isso já que o consumidor valoriza e muito carnes de qualidade.
Enquanto não conseguirmos fazer um sistema que remunere o pecuarista de forma proporcional aos prêmios pagos no mercado internacional pelos cortes mais valorizados e pelo couro de melhor qualidade será muito difícil receber mais do que os tradicionais US$ 21,00/@.
Talvez utilizando um sistema de rastreabilidade confiável poderemos chegar ao consumidor e assim remunerar toda a cadeia.
O pecuarista precisa buscar outras formas de negociação que traga proteção e segurança, como por exemplo, o mercado futuro, contratos a termo e CPRs.
Esse ano o produtor que fez o hedge no mercado futuro conseguiu vender no final de 2004 para o mês de outubro/05 a R$70,00/@. Portanto, sabendo o seu custo de produção pode-se fazer vendas futuras em momentos que julgar remuneradores.
O frigorífico está no papel dele, compradores querem comprar sempre pelo menor preço, cabe aos vendedores não aceitar. Lógico que para a saúde do setor não deveria ser bem assim.
Nós precisamos nos unir nos sindicatos que possuem já uma estrutura nos municípios, montar parcerias, cooperativas. Dessa forma, poderemos equilibrar a negociação conseguindo melhores preços. E, modernizar o elo da cadeia que está mais fraco.
Obrigado,
Sérgio Luiz Bardella Aratangy
Prezado Sr. Sérgio Luiz Bardella Aratangy,
Concordamos que os frigoríficos deveriam ser mais sensatos, e, mesmo ficando com a parte do leão, poderiam evitar que a pecuária de corte brasileira – da qual são dependentes – chegasse à aflitiva situação atual.
Concordo com sua opinião que cabe aos pecuaristas procurarem alternativas de comercialização, pois só assim poderiam retomar o poder de barganha, que foi perdido nos últimos anos.
Pondero, porém, que tal é difícil de fazer, não apenas pela baixa “taxa de associabilidade” do produtor rural, como também pelo fato dos vendedores serem pulverizados (em economês, “concorrência perfeita”), ao passo que os frigoríficos, e cada vez mais, estão se concentrando (novamente, em economês, “oligopsônio”).
Falta-nos acima de tudo, uma boa lei anti-truste, e meios eficazes para implementá-la.
Atenciosamente,
Carlos Arthur Ortenblad