Na série americana de drama neo‑western “Yellowstone”, com cinco temporadas e cerca de 480 milhões de visualizações nos canais de streaming, uma cena da terceira temporada é educativa para o comércio global de carne bovina. A trama acompanha a família Dutton, proprietária do maior rancho de Montana, cobiçado pela especulação imobiliária local.
A personagem Willa Hayes, CEO da Market Equities, tenta negociar a compra da terra do rancho de John Dutton, personagem do ator Kevin Costner, com um argumento na linha “por mais que lute pela sua terra e criação de gado, não haverá futuro ao competir com o Brasil”. Na ficção, a resposta de Dutton a essa provocação ainda não ocorreu, porque a série iniciada em 2018 foi descontinuada no ano passado. Mas fato é que a pecuária de corte americana enfrenta uma das maiores crises de sua história moderna.
Segundo dados do relatório “Cattle Inventory” do Departamento de Agricultura dos EUA (Usda-Nass), o rebanho bovino do país atingiu o menor nível em 74 anos, com apenas 87,2 milhões de animais em janeiro de 2024, representando uma queda de 2% em relação ao ano anterior. Em 2025, o país vem operando com o menor número de cabeças de gado desde 1951. O “Cattle Inventory” é publicado duas vezes ao ano, em janeiro e julho.
A situação da produção pecuária se torna ainda mais crítica se tomado o rebanho de matrizes de corte, que encolheu 2,4% para 28,2 milhões de fêmeas, conforme relatório do Usda-Nass. Esse declínio não é apenas conjuntural, ele é o resultado de uma liquidação forçada de rebanhos que se intensificou nos últimos anos em função das condições de seca persistente que assolam as principais regiões produtoras.
A seca tem criado um ciclo vicioso que afeta a capacidade produtiva de longo prazo. Como consequência direta, a produção de bezerros despencou em 600 mil nascimentos em 2024, um indicador preocupante para a recuperação futura do setor. Especialistas estimam que a recuperação completa do rebanho pode levar de 8 a 12 anos, mesmo com condições climáticas favoráveis.
A redução da produção doméstica na criação de gado está forçando os Estados Unidos a uma dependência crescente de importações. De acordo com o Usda, as importações de carne bovina do ano passado registrariam 1,89 milhão de toneladas, um aumento de 11,9% dessas compras externas em relação a 2023. Essa mudança marca uma transformação estrutural significativa para um país que tradicionalmente era autossuficiente em carne bovina e ainda mantém posição de destaque nas exportações globais.
Além disso, no mercado interno, cortes bovinos se tornaram significativamente mais caros para os consumidores, com variações acima de 15% nos últimos doze meses. É por causa dessa limitação da produção local que os Estados Unidos vêm ampliando as compras externas para garantir o abastecimento. É nessa brecha que a carne brasileira tem ocupado um papel cada vez mais relevante nesse cenário.
Para comparação, em abril de 2024, o Brasil exportou 8 mil toneladas de carne bovina in natura para os EUA. No mesmo mês de 2025, esse volume chegou a 48 mil toneladas, com uma alta de 500% em apenas um ano. O crescimento aconteceu mesmo com a aplicação de tarifas e cotas. Dentro da cota anual de 65 mil toneladas, os embarques não são taxados. Acima desse limite, incidem tarifas que somam algo próximo de 30%. Apesar disso, o produto brasileiro continua competitivo para os importadores americanos.
Por causa da crise, a indústria está implementando adaptações tecnológicas importantes. Uma das principais estratégias tem sido o crescimento dos cruzamentos beef-on-dairy, onde a indústria de carne bovina se volta para produtores de leite para compensar a menor oferta de bovinos de corte tradicionais. Investimentos em genética e eficiência alimentar também estão se intensificando, com o objetivo de maximizar a produtividade dos rebanhos remanescentes.
Mesmo assim, um dos sintomas é que a crise na pecuária está acelerando um processo de consolidação já em curso. Segundo dados do relatório “Cattle on Feed”, também do Usda/Nass, mas publicado mensalmente, o número de estabelecimentos de gado de corte diminuiu 1,0% em 2024, chegando a 761.699 propriedades. Operações menores estão sendo absorvidas por propriedades maiores e mais eficientes, capazes de resistir melhor às adversidades climáticas e econômicas.
A produção americana também está se tornando cada vez mais concentrada. Segundo o mesmo relatório, ela está em cinco estados: Nebraska (19,8%), Texas (18,9%), Kansas (17,5%), Iowa (9,0%) e Colorado (7,1%). No caso dos confinamentos, esses estados respondem por cerca de 72% da produção de gado em engorda intensiva. Para este setor, os dados do Usda mostram que Texas lidera isoladamente com 4,1 milhões de bovinos de gado de corte, seguido por Nebraska e Kansas. Essa concentração geográfica cria vulnerabilidades sistêmicas, especialmente quando eventos climáticos extremos atingem as regiões produtoras centrais.
Apesar da crise produtiva da pecuária, a indústria frigorífica vive um paradoxo econômico extraordinário. A receita do setor cresceu a uma taxa anual composta de 6,3% nos últimos cinco anos, criando rentabilidade recorde para muitos produtores. A perspectiva para o gado de corte continua positiva, com suprimentos apertados e demanda estável elevando os preços. Essa combinação de escassez e demanda sólida tem compensado financeiramente a menor oferta, beneficiando principalmente os produtores que conseguiram manter seus rebanhos.
Isso porque o comércio exterior tem se mantido relativamente estável, principalmente em mercados de carne premium que pagam mais. De acordo com o Usda, as exportações em 2024 foram de cerca de 1,27 milhão de toneladas, com os mercados asiáticos representando 41% do total exportado, particularmente Japão e Coreia do Sul.
Analistas do mercado americano indicam que 2024 pode ter marcado o ponto mais baixo do ciclo bovino, com pequena recuperação esperada em 2025. No entanto, a recuperação total será gradual e vai depender de condições climáticas favoráveis. Isso porque o atual cenário está forçando mudanças estruturais permanentes no setor, onde a adaptação climática e inovação tecnológica se tornaram questões de sobrevivência e não apenas de competitividade.
Fonte: Forbes.