Por Rafael Camargo do Amaral1
A conservação de forragem permite um melhor suprimento de alimento quando a produção das pastagens é baixa. As técnicas de fenação e ensilagem têm sido praticadas por gerações, dessa forma, o entendimento dos processos que ocorrem são necessários para assim empenharmos esforços na obtenção de volumosos conservados de qualidade, dando-nos subsídios para o desenvolvimento de sistemas que minimizem as perdas e preservem a qualidade do alimento durante o armazenamento.
Os efeitos das plantas, dos microorganismos e de processos químicos na qualidade da silagem dependem da natureza do processo, tempo de ensilagem e condições ambientais. Em geral, o processo fermentativo da silagem pode ser dividido em 4 principais fases: pré-fechamento, fermentação ativa, fase estável e abertura do silo, senso estas fases ditadas por diversos processos (Figura 1).
A fase de pré-fechamento representa o tempo entre o início do enchimento do silo até seu fechamento. Nesta fase o oxigênio ainda é presente e o processo dominante que afeta a qualidade da forragem é a respiração da planta, geralmente perceptível pela elevação de temperatura da forragem. Dessa forma, a respiração nesta fase não somente poderá causar perdas de MS, como também induzir a processos comandados pela temperatura, como é o caso da reação de Maillard, onde aminoácidos e açúcares se complexam, tornando parte do nitrogênio indisponível.
Figura 1. Principais fases e atividades das plantas, microrganismos e processos químicos observados durante a ensilagem.
Enzimas são libertadas pela ruptura celular, fazendo com que proteínas sejam quebradas em compostos como peptídeos e aminoácidos livres e carboidratos em açúcares simples. A ruptura das células, dessa forma, fornece substrato para crescimento de microrganismos.
Uma vez fechado o silo, a respiração da planta remove o oxigênio remanescente em questão de horas (Pitt et al., 1985), dessa forma, quando condições anaeróbias prevalecerem, inicia-se a fase de fermentação. Ocorre quebra das células das plantas, as quais liberam mais quantidades de conteúdo celular, geralmente visualizado por perdas de efluentes (contendo carboidratos solúveis e frações nitrogenadas).
A lise das células da planta também fornece substrato para o crescimento microbiano anaeróbio. Enterobactérias e bactérias ácido láticas (BAL) normalmente prevalecem neste ambiente de 1 a 3 dias após o fechamento do silo. Entretanto, uma vez que o pH é reduzido abaixo de 5, a população de enterobactérias declina rapidamente, tornado-se as BAL os principais microrganismos na silagem.
Esses grupos de bactérias fermentam principalmente açúcares, sendo que a enterobactéria produz principalmente ácido acético e a BAL produz principalmente ácido lático. Outros produtos desses dois grupos incluem etanol, 2,3-butanodiol, ácido succínico, ácido fórmico e manitol (McDonald, 1991). O crescimento ativo das BAL varia de 1 a 4 semanas, decrescendo o pH para valores entre 3,8 a 5,0, sendo este dependente do conteúdo de umidade, poder tampão e conteúdo de açúcares solúveis da forrageira.
Uma vez que a queda do pH seja suficiente para inibir o crescimento microbiano ou ocorra exaustão de substratos, a BAL torna-se inativa, e sua população decresce (Muck, 1991).
A terceira principal bactéria anaeróbia, Clostridium, tem o maior efeito de dano na qualidade da silagem caso o pH não seja reduzido suficientemente, podendo levar a produção de ácido butírico e aminas. Este tipo de fermentação leva a considerável perda de matéria seca, e seus produtos formados reduzem a aceitabilidade do alimento pelos animais (McDonald et al., 1991).
Muitas das leveduras presentes na silagem são microrganismos aeróbios, sendo que essa população rapidamente decresce com a exaustão do oxigênio. Entretanto, algumas destas podem fazer parte da fermentação e serem suficientemente ativas para redução no valor nutritivo da forragem, produzindo etanol (Muck et al., 1992). Fungos e bactérias ácido acéticas declinam rapidamente neste período de ausência de oxigênio, e bacilos podem fermentar açúcares, formando produtos similares aos das enterobactérias (McDonald, 1991).
As reações de Maillard podem continuar a ocorrer durante a fase de fermentação ativa se a temperatura atingida na fase anterior for suficientemente alta. Sob ambiente de baixo pH a hidrólise ácida da hemicelulose poderá ocorrer, com conseqüente aumento de açúcares solúveis, notadamente xilose (WOOLFORD, 1984, McDONALD et al., 1991).
Após o término da atividade microbiana, devido ao baixo pH ou ao esgotamento de substrato, a fase estável do armazenamento se inicia. Com fechamento adequado do silo, pouca difusão de ar ocorre entre a lona e/ou concreto. Durante a fermentação ativa, o oxigênio pode ser utilizado pela respiração das plantas, porém nesta fase com entrada de oxigênio ao silo, este poderá ser utilizado por microrganismos aeróbios ou anaeróbios facultativos, sendo que esse crescimento microbiano traduz-se em perdas de componentes digestíveis da forragem ensilada.
Além disso, o crescimento de alguns fungos pode produzir micotoxinas prejudiciais aos ruminantes (Woolford, 1990). Como ácidos são utilizados por esses microrganismos aeróbios, a conseqüente elevação do pH poderá permitir também o desenvolvimento de bactérias do gênero Listeria, sendo um patógeno para animais e humanos (Woolford, 1990). O crescimento da BAL na presença de oxigênio pode resultar na conversão de ácido lático a ácido acético.
Quando o silo é aberto o final do processo se inicia. O oxigênio presente na face do silo poderá entrar na massa de silagem, gerando substancial crescimento de microrganismos aeróbios, os quais causam aquecimento e perdas de MS. O aquecimento inicial é causado por leveduras ou bactérias ácido acéticas, bacilos e fungos desenvolvem-se posteriormente caso a forragem não seja rapidamente consumida.
Literatura consultada
McDONALD, P., HENDERSON, N., HERON, S. 1991. The biochemistry of silage. Marlow Bucks. Chalcombe Publications. 340 p.
ROTZ, C.A., MUCK, R.E. 1994. Changes in forage quality during harvest and storage. In: . Fahey Jr., G.C. Forage quality, evaluation, and utilization. Madison. American Society of Agronomy. p.828-868.
PITT, R.E.; MUCK, R.E.; LEIBENSPERGER, R.Y. A quantitative modelo f the ensilage process in lactate silages. Grass Forage Sci. 40:279-303.
WOOLFORD, M. 1984. The silage fermentation. New York. Marcel Deckker. p. 350.
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1Rafael Camargo do Amaral é zootecnista, mestrando em Ciência Animal e Pastagens pela ESALQ/USP.
5 Comments
Prezado Rafael,
O que poderá ocorrer quando o silo recentemente terminado iniciar seu fornecimento aos animais sem o fechamento completo?
Realizando a abertura do silo antes do período de fermentação adequado (variável entre as espécies, porém 30 dias é um tempo seguro que se adequa à maioria das espécies), o senhor estará interrompendo uma parte do processo de conservação, ou seja, abrindo o silo com fermentação incompleta (pH ainda alto) as chances de crescimento microbiano aeróbio indesejável irão se elevar, acarrentando posteriormente em maiores perdas de matéria seca, depreciação do valor alimentício da silagem e aumento nos riscos por contaminações de patógenos.
Dessa forma, o melhor a fazer é realizar um planejamento logístico dentro da propriedade para assegurar a fermentação adequada da silagem e a abertura do silo no tempo correto.
Prezado Rafael,
Tenho dúvida sobre o manejo correto da lona, na face do silo, pós-abertura. Afinal, mantemos esta lona enrolada e a face exposta, entre os tratos, com retirada do material ao longo do dia, ou fechamos esta lona, entre estes tratos? Fechada, preservamos mais o material?
Agradeço a atenção,
Edward Zackm
Prezado Edward,
Isso vai ser ditado pelo tamanho de silo e da quantidade de tratos que realiza. Veja bem, se o rebanho for grande e a quantidade de silagem que é retirada em função da área da face for grande (geralmente recomendado de 15-30 cm), e se o número de retiradas por dia também for elevado, a face poderá ficar exposta.
Caso o rebanho seja pequeno e a retirada pouca, fechar a face pode ser uma opção. O mais importante é se preocupar durante a ensilagem em compactar bem a massa de forragem, com a retirada total de camadas da face (não deixar ocorrer as famosas “escadinhas”) e fechar a face do silo de um dia para o outro, para proteger das interpéries climáticas.
ola Rafael, boa noite, me tire duvida sobre silagem de milho, um silo ja maturado, mais de 60 dias, pode ser removido para outra fazenda, sem perder a qualidade.
att
aloisio