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Esclarecendo as coisas

“Como sempre, se alguma coisa dá errado no Brasil, a culpa é do governo – ainda mais se é o governo Lula. Agora é a questão da febre aftosa. Mas não seriam os fazendeiros que deveriam se preocupar com a vacinação dos seus rebanhos? Para onde foi o dinheiro que eles ganharam nesses anos com a explosão das exportações? Ou será que deve sempre valer o princípio de que os custos são para o Estado e os lucros para os privados?”

A declaração acima foi publicada no Painel do Leitor, do jornal Folha de São Paulo, no dia 21 de outubro (sexta-feira). Além da conotação política, pois é óbvio que se trata de uma argumentação em defesa do PT e do governo Lula, o parágrafo resume bem o conceito que boa parte da sociedade nutre em relação aos produtores rurais e a percepção de quem seriam os culpados e inocentes frente à crise da febre aftosa.

Essa imagem distorcida que se faz dos empresários rurais – ricos, latifundiários, destruidores da natureza, exploradores de trabalho escravo e não cumpridores de seus deveres – vem sendo sustentada por manifestações preconceituosas, pensamentos ultrapassados, mídia sensacionalista e, mais recentemente, por declarações do próprio presidente da república, eximindo seu governo de culpa pelos problemas no campo, responsabilizando os fazendeiros.

A nós, que somos do meio, cabe fazer a defesa, mostrar o outro lado da moeda. Fatos e dados versus ideologia. Então vamos lá.

“(…) Mas não seriam os fazendeiros que deveriam se preocupar com a vacinação dos seus rebanhos?” Sim senhor! E eles se preocupam, pois é do gado que vem o seu sustento. Tanto é que nos últimos 10 anos o volume de doses de vacinas anti-aftosa aplicadas saltou de 198,82 milhões para 332,79 milhões, um aumento de 67%. No mesmo período, o índice médio de cobertura vacinal saiu de 64% para 95%, um aumento de 48% ou de 31 pontos percentuais.

Veja só o que mostram os números… O pecuarista está vacinando!!

“(…) Para onde foi o dinheiro que eles ganharam nesses anos com a explosão das exportações?” Essa com certeza doeu forte no peito dos produtores. É preciso esclarecer de uma vez por todas o seguinte: pecuarista produz boi, não carne. O Brasil exporta carne, e quem produz carne é o frigorífico.

Os “lucros” das exportações com certeza não chegaram aos produtores. Afinal, em setembro deste ano a cotação média do boi gordo, em São Paulo, ficou em R$50,88/@, a prazo, para descontar o Funrural. Tal valor foi, com base numa série de preços corrigidos pelo IGP-DI, o mais baixo dos últimos 35 anos.

O interessante é que, mesmo com os preços do boi gordo em queda e custos de produção em alta, o pecuarista não deixou de investir. Promoveu melhorias nutricionais, sanitárias (inclui-se, aqui, a vacinação) e genéticas. Caboclo persistente esse! Por conta disso, na última década o rebanho bovino brasileiro cresceu 20%, a produção de carne 41% e as exportações 683%. E o Brasil alcançou o posto de maior exportador mundial de carne bovina.

“(…) Ou será que deve sempre valer o princípio de que os custos são para o Estado e os lucros para os privados?” Parece que alguém aqui não conhece o Brasil. Juros estratosféricos, carga tributária de primeiro mundo para serviços de “sexto” mundo, ausência de investimentos em infraestrutura e logística, desperdício de dinheiro público em obras e medidas inúteis, inoperância, corrupção generalizada, etc. De quem é o lucro e de quem é o custo?

Aliás, falando em lucro, vamos para a rentabilidade. Só para constar: em 2004, de acordo com estudos da Scot Consultoria, a atividade pecuária de maior rentabilidade anual média foi a recria-engorda, com 6,8%. A poupança, a mais comedida das aplicações financeiras, alcançou 8,2%. Os criadores, ou seja, aqueles que produzem e vendem bezerros, amargaram a espetacular rentabilidade média de 0,8% ao ano. Excelente!

Frente à ausência do Estado, a natureza tenta compensar as coisas. Não fosse a imensa disponibilidade de terras, água, luz e calor, além do empreendedorismo do produtor brasileiro, o agronegócio não seria o sucesso que é. Aí adeus exportações, superávits comerciais, empregos e geração de renda.

Voltando à questão da aftosa, é óbvio que não foi o presidente que trouxe gado contrabandeado do Paraguai e/ou deixou de vacinar seu rebanho (especulações). Porém, bandas podres, ou seja, grupos que operam à margem da lei, existem. Cabe ao governo garantir a segurança daqueles que são cumpridores das suas obrigações. No caso, a imensa maioria dos produtores rurais do Brasil.

Mas fica difícil exercer algum tipo de controle quando os recursos aplicados em defesa sanitária, ao contrário do desempenho produtivo, recuam ano a ano. De 1995 a 2004 a retração, em reais, foi de 68%. Para este ano o governo previa disponibilizar cerca de R$37 milhões. Isso significa, num país com quase 193 milhões de cabeças bovinas, algo em torno de R$0,19/animal. Só que os rebanhos suínos, caprinos, ovinos, de aves, etc. também disputam uma fatia do bolo. Será que tem migalha para todo mundo?

Ah, o Mato Grosso do Sul tinha direito a R$3,5 milhões. Alguém acredita que é suficiente para garantir a segurança sanitária de um rebanho de mais de 24 milhões de cabeças, ou seja, praticamente do mesmo tamanho do rebanho da Austrália (segundo maior exportador mundial de carne bovina)?

É óbvio que não. Mas o pior é que nem essa merreca o Estado recebeu. Pode? Morosidade e lentidão são as palavras de ordem em Brasília.

E detalhe. Nos últimos anos cerca de 80% dos custeios da defesa sanitária têm sido desembolsados pela iniciativa privada. Está claro que o ônus é do setor produtivo. E o lucro? Ora, o lucro é de quem trabalha com sobras para fazer superávit primário.

A questão sanitária tem que ser tratada como prioridade. Afinal, mesmo antes dos casos de aftosa pipocarem no Mato Grosso do Sul, cerca de 61% do mercado mundial, em termos de valor, estava fechado para as carnes in natura do Brasil em função da presença do vírus por aqui.

Há 2 semanas a meta era erradicar a doença de todo território nacional até o final de 2006, e assim conquistar novos mercados. Agora é preciso trabalhar com afinco para não perder os clientes já conquistados.

Diante da inépcia do governo, a iniciativa privada terá que assumir cada vez mais responsabilidades. E de quebra também investir em informação e marketing para desvincular a imagem do produtor rural dessas baboseiras contidas na carta do leitor, que tem em comum com o governo atual a ignorância sobre o que acontece na zona rural e pré-conceitos no que diz respeito ao empresário do campo.

0 Comments

  1. Rodrigo Miranda disse:

    Excelente artigo Fabiano!

    Os que acham que somos latifundiários, exploradores de empregados e destruidores do meio ambiente são os mesmos que fazem churrasco todo fim de semana e se esquecem de como a picanha foi parar no açougue.

    Isso me faz lembrar aquele velho adesivo de carro: “Se você se alimentou hoje, agradeça a um produtor rural!”

    Abraços,

    Rodrigo

  2. Eloísa Muxfeldt Arns disse:

    Muito oportuno o artigo do Zootecnista Fabiano Tito Rosa.

    Imagino que os produtores brasileiros gostariam de encaminhar este artigo para o presidente da república, em resposta à injusta acusação de que foram alvo.

    Parabéns, colega! Esperamos que “fatos e dados” sempre tenham mais valor que “ideologias”.

    Zootecnista Eloísa Muxfeldt Arns
    Cotrisal – São Borja/RS

  3. José Roberto Puoli disse:

    Caro Fabiano,

    Exemplar e profissional a sua resposta. Você também mandou-a para a Folha? Penso que lá deva ser o melhor lugar para ela ser lida.

    Abraço,

    Limão

  4. nilton catandi disse:

    Que susto você me deu, Fabiano. Ao ler o primeiro parágrafo do seu artigo, fiquei assustadíssimo, achando que pessoa tão lúcida e inteligente como você teria escrito aquela asneira toda.

    O “gênio” que escreveu aquilo vai acabar como assessor direto da presidência e, daqui em diante, vão colocar a culpa do tráfico de eletrônicos, na própria indústria eletrônica. A culpa de existir CDs piratas deverá recair na Som Livre ou nos músicos.

    É triste ver que a desinteligência acomete todas as esferas da sociedade. Será que não sabem que, se até agora pouco, não tínhamos focos de aftosa no MS, é justamente pela dedicação e às custas dos produtores, pois nunca pudemos contar com o auxilio do governo nem para exercer o que só a ele compete, que é o poder de policia? Não sabem que o mais rico produtor do país não poderia usar seu dinheiro para fiscalizar, multar, apreender e tudo o mais que só compete ao poder público? Não sabem que em todo setor da economia existem especuladores?

    E no caso da pecuária, transitam com gado para todo lado, de paises vizinhos, de leilão em leilão, explorando os pequenos e os grandes, sem jamais se preocupar com sanidade ou honestidade, muitas vezes sem ter ao menos um pedaço de terra. Podem comprometer toda uma cadeia produtiva, e a fiscalização sempre ineficiente. O presidente diz que a culpa é dos ricos produtores. A culpa da violência e dos assaltos deve ser dos trabalhadores honestos.

    Fabiano, parabéns e obrigado pelo seu artigo. Ainda existe inteligência em nosso país. Não desanimemos.

    Nilton Catandi

  5. Joao Arnaldo Barros Figueiredo disse:

    É uma pena que esse artigo não tenha saído na grande imprensa. Concordo com tudo que está no artigo e acho que 98% dos pecuaristas também. Mas esse esclarecimento todo só atinge esses pecuaristas ditos acima. Como conseguir passar para a população em geral?

    Temos alguém que consiga acesso ao programa do Jô ou outro programa, alguma revista semanal, enfim? Acho que apostar numa imagem que represente coisas boas, saudáveis, nutritivas, etc, é fundamental. Não como defesa da classe, mas como marketing.

    E de onde tirar a verba para isso? Para isso não tenho resposta…

    Grato pela atenção,

    José A. B. Figueiredo

  6. Alexandre Amstalden Moraes Sampaio disse:

    Caro Fabiano,

    Gostaria de parabenizá-lo pelo importante artigo de sua autoria. Foi uma matéria bastante esclarecedora e reconfortante para os produtores rurais que passam por momentos tão difíceis. Esses não podem levar, mais uma vez, o estigma de desleixados e inconseqüentes quando todos sabemos que existe toda uma conjuntura desfavorável dentro do setor produtivo brasileiro, fruto de políticas públicas muitas vezes completamente descabidas.

    De qualquer maneira, é preciso sempre “aprender” e aprendemos mais com os fracassos que com os sucessos. Talvez esse “tranco” tenha sua importância, para que se “abram os olhos” e novas políticas para o setor produtivo sejam implementadas a fim de podermos realmente galgar os mercados mundiais mais exigentes e rentáveis.

  7. Gustavo Francisco Carvalho disse:

    Acho de extrema relevância tudo o que comentado pelo consultor.

    Será que não está na hora de todas as classes envolvidas no agronegócio brasileiro se unirem? Parece utopia não é? Mas façamos as contas das perdas econômicas que nos trouxeram esses focos de aftosa. Será que valeria a pena assumirmos sozinhos a responsabilidade de erradicação? O que perdemos este ano, sem dúvida, daria para vacinar todo o rebanho nacional por uns dez anos.

    Até quando vamos aceitar de forma totalmente passiva os problemas sanitários instalados no Brasil? Poderíamos estar exportando mais, por melhores preços e para mais clientes. Por onde poderíamos começar?

    Será que estão faltando recursos financeiros? Ou recursos humanos? Quando teremos uma fiscalização ativa da vacinação contra febre aftosa? Até quando vamos aceitar uma nota fiscal como único comprovante de vacinação de uma doença que embarga todas as exportações de carne de nosso país?

    Acho que o controle sanitário de toda a cadeia do agronegócio é uma questão de segurança nacional e deveria ser tratado como tal.

  8. Carlos Alberto Lazzarini disse:

    Caro Fabiano,

    Agradeço a excelente defesa do produtor rural.

    Resolvi enviar seu artigo para várias pessoas de meu relacionamento com capacidade de discernimento e análise e que não estão ligadas ao agronegócio, mas que adoram uma picanha assada na brasa.

    O meu objetivo é o da formiginha levando aquilo que alimentará todo o formigueiro, ou o do beija-flor daquela fábula de carregar pequenas gotas d’água para apagar um grande incêndio na floresta, uma vez que a mídia “global” (Globo, etc) parece só saber distorcer fatos ou querer denegrir a imagem dos produtores rurais.

    Para as pessoas a quem enviei seu texto, escrevi o seguinte: “Lembre-se: você também é um formador de opiniões!”

    Abraço

    Carlos Alberto Lazzarini (um triste pecuarista de corte e sojicultor)

  9. Lauro Klas Junior disse:

    É realmente muito difícil produzir com um governo deste. A culpa jogada sobre o pecuarista demonstra total desconhecimento da realidade. É claro que existem bons e maus pecuaristas, assim como em qualquer outro negócio. Mas a maioria está situada entre os bons.

    E a quem cabe dar a estes a segurança de continuar produzindo? Claro que ao governo, através da fiscalização de todo o setor. Caso contrário acontece o que aconteceu. Um produtor situado a 1.000 Km dos focos de aftosa é prejudicado pela ocorrência. Todo o país perde. E adianta dizer que a culpa é do pecuarista?

    A maioria dos produtores que tiveram a aftosa em suas propriedades seguramente fez a lição de casa e foi prejudicado pela falta de controle na qualidade de conservação, distribuição e aplicação da vacina.

    Quem é produtor sabe quão deficiente é o controle do governo, que só quer saber se o produtor comprou a vacina, forçando-o as vezes a comprar mais doses do que o necessário devido a um controle deficiente dos rebanhos e funcionários despreparados e prepotentes.

    Quanto aos grandes lucros auferidos pelas exportações, nem vale comentar. Só pessoas que desconhecem totalmente o negócio poderiam fazer este comentário.

    E o aumento dos custos? Madeira para cercas (em extinção), arames (aço), adubos, mão de obra qualificada, diesel, equipamentos, vacinas, defensivos, novas doenças, maior exigência do mercado, aumento de impostos e criação de novos, custos de recadastramentos das propriedades que nunca satisfazem os burocratas , estradas que não são conservadas, pontes que caem, energia rural de péssima qualidade e que impossibilita a conservação das vacinas, custo de rastreamento que não rastreia nada e é abandonado logo após a implantação…

    O bom mesmo é poder comer um bom churrasco com carne de primeira, barata, com o dinheiro do povo, acompanhado duma boa cerveja .

    Lauro Klas Junior.
    Pecuarista no Mato Grosso do Sul.