Transcrição da coletiva com a Secretária de Agricultura dos EUA sobre EEB
24 de dezembro de 2003
EUA dizem que caso de “vaca louca” pode ter origem no Canadá
29 de dezembro de 2003

Estados Unidos calculam os prejuízos com a confirmação de EEB

Prejuízos devem chegar a US$ 2 bilhões
Cerca de 25 países já suspenderam, parcial ou totalmente, importações da carne bovina dos EUA
Novas portas podem se abrir para as exportações brasileiras

Devem chegar a pelo menos US$ 2 bilhões anuais os prejuízos causados pela descoberta do primeira caso da doença da “vaca louca” nos Estados Unidos. Esse cálculo leva em conta apenas o impacto da queda das vendas externas, que representam cerca de 10% da receita dos produtores de carne.

A descoberta foi confirmada novamente ontem, por checagem independente feita pela Agência de Laboratórios Veterinários do Reino Unido. A agência assegurou que os testes norte-americanos que indicaram a existência da doença foram feitos corretamente.

O laboratório de Waybridge na Grã-Bretanha, no entanto, ainda deve “realizar uma série de testes adicionais”, segundo um comunicado.

Em nota, o Departamento de Agricultura dos EUA limitou-se a informar que ainda estava ”considerando a confirmação”, mas uma nota do próprio USDA, divulgada ontem (25), informa que o Veterinário-Chefe do órgão, Ron DeHaven, considera o diagnóstico como uma confirmação da ocorrência de BSE nos EUA.

Além de checar a correção dos procedimentos feitos nos EUA, a agência no Reino Unido também fez novos testes diretamente com amostras de tecidos da mesma vaca leiteira da raça holandesa que gerou o caso, abatida a 9 de dezembro em Washington, na Costa Oeste.

O resultado dos testes diretos feitos no Reino Unido deve ser divulgado neste final de semana.

Suspensão às importações

Aproximadamente 25 países haviam anunciado até ontem a suspensão das importações de carne bovina produzida nos EUA, entre eles a China. Em 2004, os chineses esperavam aumentar em pelo menos 11% as importações de carne norte-americana para atender ao aumento da demanda interna.

“A China irá, temporariamente, banir a importação dos Estados Unidos de carne e outros produtos derivados. Isto não inclui leite, laticínios, couro e gelatina”, informou o Ministério da Agricultura da China. Antes da descoberta da doença, estimava-se que as importações da carne bovina dos Estados Unidos para a China cresceriam 11% em 2004, atingindo 30 mil toneladas.

Em uma tentativa de reverter o ”efeito dominó” em vários países, a embaixada norte-americana em Tóquio lançou ontem um apelo ao governo japonês para que o país reconsidere a sua decisão de suspender a compra de carne bovina dos EUA. Individualmente, o Japão é o maior comprador de carne dos EUA, com aquisições totais médias de US$ 1,8 bilhão ao ano.

Colômbia, África do Sul, México e Japão – os dois maiores mercados consumidores de carne dos EUA – haviam suspendido a compra do produto. Também o fizeram Chile, Austrália, Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong, Malásia, Rússia, Tailândia e Taiwan. O Canadá impôs uma proibição parcial ao produto.

O serviço de agricultura e pecuária chileno anunciou a suspensão temporária das importações, mas informou que o país não é comprador de carne dos EUA.

O ministério da Agricultura da Austrália disse que volume de importação do país é pequeno e qualquer impacto econômico da decisão será mínimo.

Cerca de dois terços das vendas externas norte-americanas – estimadas em até US$ 3,5 bilhões ao ano – já estão comprometidos. O cálculo de US$ 2 bilhões em prejuízos foi feito pelo economista agrícola Chris Hurt, da Purdue University, em Indiana, e aceito por produtores nos EUA.

Segundo estimativas de especialistas, a queda das exportações poderá acarretar uma redução entre 12% e 16% nos preços da carne nos EUA, mas a grande incógnita agora é saber qual será a reação ao problema entre a população norte-americana, que consome cerca de 90% da carne produzida no país.

Dependendo da resposta dos consumidores a partir de hoje, quando supermercados reabrem após o feriado de Natal, as estimativas de prejuízos poderão crescer rapidamente.

Na média, os consumidores norte-americanos têm um consumo individual de cerca de 29 quilos de carne por ano.

Anteontem, as ações negociadas na Bolsa de Nova Iorque de grandes redes de restaurantes e empresas ligadas ao setor já antecipavam um movimento esperado a partir de hoje.

O valor das ações de algumas grandes redes de restaurantes especializados em carne chegou a cair 7,4%, caso da Rare Hospitality International. Já grandes empresas de carnes não-bovinas, como a Pilgrim’s Pride, produtora de frango, subiram até 12%.

Ontem, reportagem do New York Times informou que Stanley Prusiner, neurologista vencedor do Prêmio Nobel de 1997 por pesquisas relacionadas ao mal da “vaca louca”, havia alertado o Departamento de Agricultura dos EUA em maio sobre a iminência do risco da doença no país.

Segundo Prusiner, o departamento deliberadamente fechou os olhos à ameaça. Para o neurologista, a única razão para que não houvesse registro de doença da vaca louca nos Estados Unidos é que a agência estava testando um número muito pequeno de animais. Ontem, autoridades admitiram que podem rever o sistema de monitoramento da doença.

Investigação

O governo dos EUA tenta, agora, determinar o lugar onde vivia o animal antes de ser comprado pela fazenda em Washington.

O animal infectado, uma vaca da raça holandesa, com cerca de quatro anos, pertencia a uma fazenda leiteira que possui outras 4.000 cabeças. Como o tempo de incubação da doença pode chegar a quatro anos, os pesquisadores tentam descobrir onde o animal nasceu.

Depois disso, passarão a identificar a ração consumida por esse animal, uma vez que não há provas de que a doença seja passada na gestação ou no nascimento. Desde 1997, os EUA proíbem a utilização de farinha animal na produção de ração para o gado.

Chance brasileira

A vaca adulta de quatro anos da raça holandesa, de Washington, pode ter deflagrado o primeiro capítulo de uma das maiores crises da pecuária norte-americana, que movimenta aproximadamente US$ 27 bilhões por ano e computou US$ 3,5 bilhões em exportações em 2002.

O animal, já sacrificado, esteve nos noticiários do mundo todo nos últimos dias. E seus sintomas, verificados no frigorífico, são uma prova de fogo para a confiança dos consumidores nos EUA e em mercados importadores de carne. Principalmente na União Européia, que viveu sua crise de “vaca louca” no início da década, registrando perdas de US$ 4,3 bilhões apenas aos frigoríficos alemães.

É nesse cenário que o Brasil, que conquistou em 2003 o posto de maior exportador mundial de carne bovina, superando a Austrália, começa a vislumbrar benefícios para suas vendas. Nada significativo no caso dos embarques aos EUA, onde a carne brasileira ainda enfrenta severas restrições, mas, no médio e no longo prazo, em mercados onde os dois países concorrem, entre os quais a União Européia e o Japão.

“No curto prazo, a descoberta de um caso de ‘vaca louca’ nos EUA não beneficia ninguém, uma vez que a tendência é de retração do consumo no país e em importadores. Depois, porém, com negociação e marketing do nosso boi de pasto, é uma chance para difundir o produto brasileiro no exterior”, disse José Olavo Borges Mendes, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).

De janeiro a novembro de 2003, as exportações brasileiras de carne in natura e industrializada somaram 755,7 mil toneladas (US$ 1,389 bilhão). Aos EUA, os embarques foram de 44,8 mil toneladas (US$ 132,9 milhões). Já as importações brasileiras de carne bovina norte-americana foram de 149 toneladas até novembro (US$ 133 mil). Em razão de restrições sanitárias, o Brasil só vende carne industrializada aos EUA.

“Por isso, não ganharemos nada no mercado norte-americano no curto prazo, uma vez que os EUA estão com suas vendas barradas em diversos mercados, inclusive no Brasil, e terão de direcionar essa oferta ao consumo doméstico, que já está em queda depois da notícia de terça-feira, mas a crise pode ajudar a acelerar a almejada abertura dos EUA à carne in natura brasileira, prometida para 2004, e favorecer as nossas vendas para terceiros mercados”, atestou André Pessôa, da Agroconsult.

Ele também chamou a atenção para reflexos da crise da “vaca louca” nos EUA nos mercados de soja e milho, matéria-prima de rações de origem vegetal, pela necessidade de substituição das rações preparadas com restos de ossos e proteínas animais.

Em Chicago, a soja subiu 2,41% na quarta-feira por conta da doença. As rações animais já foram relegadas a um segundo plano, mas agora são o mais novo inimigo do governo de George W. Bush.

O Brasil pode aumentar de 15% a 20% suas exportações de carne bovina no ano que vem, passando de 1,3 milhão de toneladas para cerca de 1,6 milhão de toneladas. A previsão é do presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), Marcus Vinícius Pratini de Moraes.

Mais técnicos para a inspeção

Entretanto, ele afirmou que a insuficiência de investimentos na defesa sanitária poderá frear as vendas externas. Segundo Pratini de Moraes, 450 veterinários e agentes de inspeção deveriam ter sido contratados pelo Ministério neste ano, mas não foram, por causa do contingenciamento de verbas. “Se não contratarem mais técnicos, será impossível aumentar as exportações, porque vamos bater no limite da capacidade de inspeção da carne. Não teremos um número suficiente de frigoríficos equipados para certificar a carne”, disse.

De acordo com o presidente da Abiec, a sanidade animal é prioritária para que a carne brasileira consiga ganhar novos mercados. Hoje, o Brasil tem acesso a apenas 50% dos mercados do mundo – o País não consegue vender carne in natura para México, Estados Unidos, Canadá, Japão, Coréia e países da Oceania, porque o gado brasileiro não é considerado “livre” da febre aftosa.

“Se conseguíssemos entrar nesses mercados, e ganhássemos a mesma participação que temos hoje em outros países, as exportações brasileiras poderiam dobrar até o final da década”, disse Pratini. “Mas, para isso, precisamos aumentar os investimentos em sanidade animal”.

Pratini se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva há dez dias para discutir investimentos em defesa sanitária. Segundo ele, a delegação da Abiec saiu de Brasília com a promessa de mais verbas para o setor.

João Sampaio, presidente da Sociedade Rural Brasileira, também advertiu que é preciso retomar a defesa sanitária do rebanho nacional. “Nunca se aplicou tão pouco no setor”, disse o presidente da SRB, ao explicar que “neste ano, foram gastos apenas R$ 12 milhões de um orçamento oficial de R$ 80 milhões para medidas sanitárias”. Para 2004, o orçamento é ainda menor: R$ 63 milhões. Na opinião de Sampaio, seriam necessários R$ 130 milhões.

Fonte: Folha de S. Paulo (por Fernando Canzian e agências internacionais), Valor (por Fernando Lopes), O Estado de S. Paulo (por Patrícia Campos Mello), adaptado por Equipe BeefPoint

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  1. Névio Primon de Siqueira disse:

    Não é mais novidade para ninguém o caso da “vaca louca” americana que deflagrou uma verdadeira aversão a importação de carne americana pelo mundo todo. Está em todos os noticiários, não só nos brasileiros, mas em todo o planeta.

    Este é o principal motivo pelo qual, nós brasileiros ligados ao setor produtivo, temos que ter muita, mas muita responsabilidade ao formularmos uma ração para os animais, tanto os técnicos como os próprios pecuaristas, para que mais tarde uma economia nos custos de ração não cause um tremendo prejuízo, não só para aquele que achou que estava “ganhando muito”, mas para todo o mercado pecuário nacional, com reflexos inclusive na própria economia do país.

    Vamos manter o “status” atual de grandes produtores de grãos, carne e leite, do Brasil que dá certo; não vamos estragar tudo usando produtos que são um pouco mais baratos, porém podem gerar um custo incalculável a todos nós brasileiros produtores e trabalhadores ligados ao setor.

    Saibamos aproveitar as chances que nos são dadas com inteligência e sabedoria para não nos arrependermos amanhã.

    Imaginem a situação que você leitor, ficaria, se amanhã for responsabilizado por uma paralisação das exportações brasileiras devido a um animal doente por uso indevido de produtos em sua ração.

    Esta mensagem é para alguns colegas produtores e técnicos refletirem bem sobre o uso de rações inadequadas (no aspecto sanitário), quando deitarem a noite com bastante calma e ver se vale a pena.

    Um abraço a todos e um 2004 repleto de oportunidades novas e novos mercados além de muita saúde e muito trabalho.