Daqui a alguns dias, uma comitiva da UE deve chegar ao Brasil para uma visita por uma série de estados brasileiros. Vem visitar fronteiras, fazendas e frigoríficos. Vem averiguar como anda o Sisbov. Bastante gente está preocupada, e muito. A situação é delicada e existe o receio de se encontrarem não-conformidades. Em uma das últimas visitas da UE, os técnicos europeus afirmaram que o Sisbov não conseguia sequer garantir que o animal era nascido no Brasil (clique aqui para ler a notícia).
Recentemente tivemos um problema de gravidade semelhante. O Brasil decidiu fazer um auto-embargo à carne industrializada a ser exportada aos EUA. Felizmente, em pouco tempo, foi possível arrumar a casa e retomar as exportações.
Há alguns dias, mais uma má notícia. O Brasil foi rebaixado na classificação de risco para EEB, para o grupo 2. Nossos principais concorrentes continuam como risco 1. Isso ocorreu devido ao número de animais importados de países com EEB e nossa incapacidade de rastreá-los aqui (clique aqui para ler a notícia).
Nesse mesmo momento, a pecuária vive um momento delicado, com preços da arroba em reais muito baixos. Os frigoríficos, culpando o dólar, reclamam também da competitividade das nossas exportações, que têm sido o esteio de sustentação do grande avanço da produção brasileira nos últimos anos.
Nos últimos tempos tenho buscado estudos em outras áreas, objetivando ter uma visão mais ampla. Acredito que assim posso entender melhor e visualizar novas oportunidades para a cadeia da carne. Nos últimos dias, li um dos maiores bestsellers atuais em livros de negócios do mundo. Chamado Execução, a disciplina para atingir resultados, o livro foi escrito por um famoso consultor, Ram Charam e um aclamado CEO, Larry Bossidy, ambos vivendo nos EUA.
O livro fala sobre um dos maiores desafios das empresas de hoje. Transformar a estratégia, as idéias, os planos em realidade. Na primeira página definem Execução como: A lacuna entre o que os líderes da empresa querem atingir e a habilidade de sua organização em conseguir atingir. O livro mostra que não há almoço grátis quando se busca crescimento, aumento de vendas, alta rentabilidade. Para isso é preciso saber executar, que é difícil de se conquistar e fácil de se perder.
Na introdução, Larry Bossidy afirma que ao assumir uma empresa encontrou um quadro interessante: os funcionários eram brilhantes e trabalhavam muito, mas… não eram eficazes e não colocavam uma ênfase adicional em fazer as coisas acontecerem.
O livro vai mais longe e afirma que as estratégias dão errado mais frequentemente porque não são bem executadas e não porque não são boas estratégias. Diz que a maioria das empresas não encara a realidade muito bem. Segundo eles, executar é uma forma sistemática de expor a realidade e agir sobre ela.
O livro reforça ainda a necessidade de se criar marcos intermediários, para se medir o sucesso de uma estratégia de longo prazo. Um plano simples para conseguir fazer com que sua estratégia aconteça é: 1-dizer de forma clara e simples o que quer, 2-orientar e discutir como obter esses objetivos e 3-recompensar os resultados.
Ao analisar o desenrolar do Sisbov sob a luz da teoria da execução fica claro que falhamos em muitos pontos. Será que nos expomos à realidade do setor? Será que criamos um plano, com marcos intermediários, para executar a meta final de ter todo o rebanho rastreado? Será que discutimos e orientamos como criar um sistema de rastreabilidade de forma ampla e clara? Será que recompensamos (e punimos) cada elo da cadeia de acordo com cada etapa cumprida (ou não)?
No atual cenário do Sisbov, pode parecer que desejamos encontrar um culpado. Quem seria o culpado pelo atual estágio, senão todos nós? Todos erramos, se tínhamos o objetivo de criar um sistema de rastreabilidade robusto e reconhecido como tal internacionalmente.
Não adianta chorar o leite derramado. Buscar um bode expiatório que explique sozinho todos os problemas do Sisbov não vai resolver. Seria bonito e simples, mas não é assim. Acredito que o melhor a fazer e tomar como exemplo essas recentes derrotas e fazer diferente daqui em diante. Quem atuou próximo ao Mapa durante o trabalho de “arrumar a casa” depois do auto-embargo da exportação aos EUA, afirma que a eficiência foi surpreendente. Tomara que esse outro possível (e eminente) susto sirva de estímulo.
Acredito que um programa de rastreabilidade deve estar inserido em um plano maior para a pecuária de corte. Deve ser norteado por uma visão de futuro para a cadeia da carne. Onde queremos chegar com nossa pecuária? Que preços queremos para nossos bois e para nossos cortes?
Minha visão de futuro para a rastreabilidade é um programa inicialmente voluntário e com alta credibilidade servindo como uma das bases para o aumento do valor da carne bovina brasileira, aqui e no exterior.
O potencial de crescimento em volume e em valor da carne brasileira é enorme. Por isso amedronta tanto nossos concorrentes. Mas como mostra muito bem o livro Execução, não adianta ter as melhores condições, ou a melhor estratégia. Para se ter lucro, crescimento ou sucesso é preciso executar, e bem. O que não é fácil, por isso recompensa tão bem quem o faz.
PS: Gostaria de convidá-lo a dar sua opinião sobre esse texto, principalmente de algum ponto que discorde. Só assim poderemos avançar. Gostaria de levantar duas perguntas: 1-O que você poderia fazer em prol de um sistema de rastreabilidade brasileiro, 2-Qual sua visão de futuro para a rastreabilidade no Brasil?
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A rastreabilidade, no meu entender, deve começar na cadeia produtiva, ou seja, na propriedade que cria o bezerro.
Sou invernista, tenho pouco gado de cria e é assim que ajo com o gado nascido em minha propriedade. Quando nasce um bezerro eu faço a rastreabilidade (brinco e boton).
Este ano, pela primeira vez, comprei bezerro já rastreado pelo produtor. Até agora eu mesmo fazia o rastreamento da bezerrada que comprava.
No meu ponto de vista isso não é rastrear um animal, pois entrego esse bezerro, quando virar boi gordo, ao frigorífico, mas o mesmo não poderá saber onde esse boi nasceu e muito menos quais foram os pais.
Nós fazemos isso apenas para não termos o nosso preço de arroba ainda mais aviltado, mas não que isso seja rastreabilidade.
Finalizando, acredito que só existirá rastreabilidade no Brasil, se os criadores de gado fizerem sua parte.
José Salgueiro
Caro Miguel,
O que vimos até hoje no SISBOV foi uma série de desmandos e confusões.
Este programa foi bombardeado e minado desde seu nascimento em janeiro de 2002, primeiro por conveniências comerciais de um elo da cadeia que não tinham interesse em nenhum tipo de organização da pecuária.
Depois em julho de 2002 quando viram que não tinha volta, estas mesmas forças se uniram a “certificadoras” cadastradas, e com interesse puramente comercial e com a desculpa de ter o produto “rastreado e certificado” para exportar desprezaram totalmente as normas do SISBOV e simplesmente ignoraram o produtor, que por muito tempo ficou a margem do processo vendo seu produto ser identificado de qualquer jeito (até com tinta) no embarque e até em cima de caminhões, e os documentos (DIAs) sendo impressos dentro dos frigoríficos pelas tão famosas “certificadoras”, e volto a repetir, tudo em decorrência da necessidade de atender a obrigação de se ter o produto rastreado e “certificado”.
Com as mudanças constantes da estrutura pessoal do SISBOV, mudanças foram propostas no sentido de coibir o desmando que reinava, e o que se viu nesta fase foi uma proposta de diferenciação no preço (não sei se desvalorizando o produto não rastreado) do animal rastreado, novamente o que se viu foi, ao invés das “certificadoras” se concentrarem no produtor e executar as normas do SISBOV, foi novamente o conchavo e acordo para a indústria pagar pelos serviços e mais uma vez um serviço moldado aos interesses e o produtor ficando novamente sem força e muitas vezes sendo conivente com tudo isto.
Em um outro momento entrou nesta bagunça, alguns políticos da base ruralista que com boa ou má vontade, só fizeram tumultuar, com a capacidade que lhe são peculiares, e junto com outros embalados por esta histeria coletiva criaram um verdadeiro caos de desinformações e idéias mirabolantes, e com uma incapacidade total chegaram à conclusão que deveriam fazer uma consulta a União Européia (assunto colocado e discutido com eles desde de 1988) se achando os descobridores da roda, conclusão, tomaram um enorme puxão de orelha e ganharam de presente uma auditoria agora em setembro, em um sistema de rastreabilidade com enormes problemas.
Conheço profundamente o SISBOV, pois participo dele desde a sua criação, e tenho certeza que todos nós erramos, as certificadoras que se renderem ao encanto comercial em detrimento da técnica e da seriedade e sua associação que nunca se preocupou com a básica tarefa de auditar alguns de seus associados que pouco cumpriam com as normas estabelecidas, a indústria que se preocupou em simplesmente garantir o seu produto documentalmente correto, o produtor que foi conivente com tudo isto e passivamente nunca se manifestou e também não teve o respaldo do seu maior representante de classe, que no primeiro dia da oficialização das certificadoras se preocupou em firmar um acordo comercial com uma delas, perdendo totalmente o poder de interferir e cobrar em prol do pecuarista, e o governo que nunca se pronunciou publicamente ao produtor incentivando e explicando o programa e também auditando com mais rigor as irregularidades.
Como vemos chegou à hora de abaixarmos a bola e assumirmos as nossas culpas, e nos preocuparmos em, sem muito inventar, propor mudanças objetivas, posso dar um exemplo, se desde a sua implantação o governo instruísse aos produtores a rastrear e certificar os animais nascidos e com destino ao abate, hoje teríamos todo o nosso rebanho comercial feito e com uma rastreabilidade de origem que é o que os nossos compradores querem, e o que é melhor sem os interessados no produto disponível em curto prazo, ou seja, um trabalho técnico e bem feito, proposta que continua valendo. Esta na hora de nos unirmos e nos preocuparmos com a pecuária nacional que precisa continuar sendo um grande exportador.
Edgard Pietraroia Filho, zootecnista atuando há 20 anos em assessoria e consultoria agropecuária, presidente do Instituto Omega, instituição que desenvolve e difunde tecnologia, atua nas áreas sociais e ambientais e realiza certificação alimentar.
Caro Miguel,
A história ensina que a grande maioria das transformações ocorre em função de pressões externas. Nesta ótica: quanto mais missões européias, americanas, russas ou chinesas, melhor! Pois o confronto com as exigências do mercado globalizado, o chamado benchmarking internacional, vai definir os padrões que a cadeia produtiva da carne brasileira deve apresentar para manter e ampliar seu papel de major player no mercado mundial dos alimentos.
As questões levantadas no Editorial são da maior relevância por definirem a interface entre o que já foi incorporado e aquilo que falta fazer. O extraordinário salto qualitativo da produção bovina durante a última década, acompanhado pela explosão das exportações da ‘carne commodity’ criaram um fundamento sólido para embarcar no próximo desafio representado pela articulação eficiente daquilo que se chama a ‘cadeia de valor da carne’.
As ferramentas para esta empreitada encontraremos na teoria do Supply Chain Management [SCM], que passará a ser ‘o tema central’ da pecuária nos próximos anos.
Certamente, o BeefPoint dará oportunidade ampla para a discussão dos métodos, passos iniciais e entidades/personalidades impulsionadoras deste processo de integração efetiva de todas as funções desde o ‘design do produto’ (iniciando-se com as centrais de sêmen) até as embalagens customizadas para as centenas de nichos numa dezena de mercados regionalizados.
A integração de todas as etapas envolvidas na conceição, produção, transformação, distribuição e propagação da carne bovina exige a existência de uma ‘malha de funcionamento única’, ou seja, um mapa sistêmico sem buracos ou hiatos.
O produto final competitivo somente surgirá se todos da cadeia ‘funcionarem’ (no sentido do livro sobre a Execução) de uma forma completa, articulada e confiável. E isto deve ocorrer dentro de um ‘arranjo coletivo’ planejado e controlado que produz ‘qualidade’ em forma repetitiva. Fluxos de informações confiáveis representam a espinha dorsal do sistema. E com isso chegamos ao tema do SISBOV.
O SISBOV é ‘também’ um sistema de rastreamento de características físicas. Antes de tudo, porém, ele é um artifício que permite enxergar o ‘negócio da produção de carne’ como um conceito operacional único composto por etapas distintas, porém técnica e economicamente interligadas. Provocando, diria: não haverá re-distribuição entre os produtores e os frigoríficos sem um SISBOV efetivamente funcionando.
O problema da discussão do SISBOV reside principalmente na compreensão limitada de sua natureza. Falando em rastreamento pensa-se, quase exclusivamente, na prova de origem do produto. Na realidade, o SISBOV é o embrião para uma nova ‘cultura de articulação’ entre os elos da cadeia de valor que, lá no final do caminho, contribuirá, entre outros benefícios, para uma repartição mais eqüitativa dos lucros acumulados ao longo do processo.
A partir do momento em que nós passemos a enxergar o SISBOV como ‘instrumento gerencial’ para a coletividade dos elos e não como ‘imposição dos clientes/concorrentes’ ou do ‘governo incompetente’ criaremos uma visão pro-ativa do assunto. Este será o momento em que a pecuária brasileira começará a desenvolver seu pleno potencial como ‘o’ fornecedor de carne bovina para o mundo.
Para finalizar, uma nota prática. A transferência dos ensinamentos do livro do Larry Bossidy nos deixa cair novamente na já exaustivamente discutida ‘armadilha de metáforas’. Pois, a teoria geral e os cases práticos são dirigidos ao ‘universo micro’ da empresa. Lá, uma pessoa ou uma diretoria doutrina um grupo relativamente homogêneo de funcionários.
O desafio da pecuária, porém, apresenta um ‘perfil macro’ com uma estrutura pulverizada de poder. Ou seja, antes de podermos aplicar as sugestões estratégicas corretas dos autores, precisamos ‘arrumar a casa’ e trabalhar o universo de dezenas de milhares de pecuaristas utilizando o instrumentário da ‘engenharia social’.
Temas como (1) ‘a construção de padrões da ação coletiva’ através dos chamados ‘partnership building techniques’ do SCM, bem como (2) a formação de ‘clusters’ como focos de inovação coletiva localizada’ ou (3) a criação de ‘eixos de desenvolvimento’ que facilitam a interconexão entre as ‘ilhas de excelência’ com o objetivo de (4) ampliar o espírito inovador para as chamadas ‘manchas de desenvolvimento’ que nós conhecemos da teoria do desenvolvimento regional vão ocupar os pensadores nos centros de pesquisa, inspirar os grupos de reflexão das associações de classe da pecuária e fecundar o debate neste portal.
Resumindo, não existe nenhuma opção de um Brasil sem uma forte articulação intra-cadeia da carne. Assim, o SISBOV, além de mecanismo obrigatório por motivos de qualidade, sanidade e segurança alimentar, veio para ficar. Quanto mais rápido e menos ideológico todos começam a incorporar este assunto em suas práticas melhor para a saída da crise dos preços provocada pela sobre-oferta de carne pouco diferenciada.
No seu artigo você diz as palavras-chaves que o sistema de rastreabilidade necessita: alta credibilidade. É disto que necessitamos. Mas como é possível ter alta credibilidade um sistema que começou errado, com animais sendo rastreados no curral do frigorífico, na hora do abate?
Como ter credibilidade se, às vésperas de uma visita de missão estrangeira que vem para fiscalizar o sistema, as empresas certificadoras correm para solicitar que os proprietários de animais rastreados informem que animais foram vendidos ou abatidos e quais ainda estão na propriedade, numa clara demonstração que quem deveria controlar está totalmente perdido?
Não vai ser fácil mudar a imagem do Sisbov. Todos nós vemos o Sisbov como algo não confiável. E vamos querer que os compradores estrangeiros o vejam com algo confiável?
Em primeiro lugar, são necessárias regras claras e que não mudem a cada dia e um cronograma de implantação que seja respeitado. É necessário que os pecuaristas e os frigoríficos saibam que o Sisbov é pra valer e que saibam quais serão as regras nos próximos anos.
Em segundo lugar, o tempo entre o cadastramento do animal ao abate deve ir aumentando paulatinamente. Ou alguém acha que os europeus vão confiar na qualidade da carne de um animal rastreado há 3 meses?
É importante que haja interesse por parte dos pecuaristas não só de cadastrar os animais no Sisbov, mas também de baixar os cadastros quando o animal for abatido, vendido ou morrer.
Para que isto ocorra, só vejo uma solução: mexer no bolso. Cobrar uma taxa para rastrear (como ocorre hoje) e uma taxa periódica (que pode e deve ser mínima) para manter os animais no sistema.
Somente assim, haverá interesse por parte dos pecuaristas de dar baixa nos animais que sairem da propriedade. Eu sei que dói, principalmente numa época em que o preço da arroba do boi é o mais baixo da história, ouvir falar em mais taxa,mas é importante que o banco do Sisbov seja confiável.
É duro ler artigos dizendo que existem não sei quantos milhões de cabeças cadastradas no sistema, mas que grande parte dela já deve ter sido abatida. Ou vocês acham que os europeus não ficam sabendo deste nosso descontrole? Este país tem que para de vender a imagem de país que não é sério!
Concordo que a adesão deve ser voluntária. E, por favor, quem não quiser levar a sério, não cadastre seus animais. Não atrapalhe quem quer trabalhar direito e conquistar mercados para poder sobreviver num negócio que está cada vez mais competitivo e menos rentável.
Mais uma última sugestão: vamos desburocratizar. Chega de papel. Estamos na era da informática. Aquele “documento de identificação animal” impresso deve ter sido pensado por um burocrata de Brasília que nunca viu um embarque de bois na sua vida.
Imagine numa propriedade de 10 ou 20 mil bois rastreados, procurar a ficha de 300 ou 400 animais vendidos a um frigorífico, com os motoristas dos caminhões esperando para seguir viagem…
Bastaria fazer uma relação dos animais no excel, enviar por e-mail para a certificadora que repassaria para o Frigorífico, para o MAPA.
Mais fácil, mais barato, mais eficiente… Ou para as fazendas com menos acesso à tecnologia, preencher uma ficha com o número dos animais e enviar pelo correio ou fax para a certificadora.
Acredito que temos como fazer que este enorme banco de dados que é o Sisbov seja confiável. Temos capacidade para isto. Talvez seja preciso que a UE pare de importar carne do Brasil para gente tomar vergonha na cara e criar coragem para mudar. Espero que a gente acorde antes, pois se chegar a acontecer isto, todos nós vamos sofrer. E muito.
Eng. Agrônomo Marcos S. Rangel Fernandes
Tenho que concordar com o colega Edgard Filho. Em gênero, número e grau.
Tenho alguns comentários para complementar os pontos já apresentados em relação ao SISBOV, principalmente em relação ao “fracasso” dele.
Em relação ao produtor:
Não podemos citar a falta de consciência da grande maioria dos produtores em relação à certificação. Afinal, acredito que a resposta obtida quando perguntam “para que serve a certificação? ” seja quase sempre apenas “para ganhar R$1 ou R$2 a mais por arroba”. Nunca se teve, por nenhum elo da cadeia, a preocupação de informar e conscientizar corretamente o produtor.
Mas em contrapartida… Só perguntam o que ganham com a certificação. A certificação não é apenas um “bem” para cada produtor individualmente; é um bem para todos os envolvidos na cadeia da carne. Afinal, para a carne brasileira ter acesso a mercados como o do Japão (onde a carne importada chega a U$ 34/kg no varejo) um dos requisitos é certamente um programa de certificação e rastreabilidade altamente eficaz.
Em relação às certificadoras:
O que a maioria das certificadoras fazem além de imprimir DIAs? E quando querem fazer a coisa certa, (como é o caso muito poucas certificadora), cansam de ouvir o produtor dizer “mas com a outra eu não tenho este trabalho todo”.
O que acontece é que diante desta situação, a maioria das certificadoras não tem uma posição firme de exigir que as normas do SISBOV sejam cumpridas e deixam de fazer seu papel por medo de perder o cliente.
Sobram poucas realmente idôneas, que muitas vezes são criticadas por serem muito exigentes (lembre-se que não estão fazendo nada a mais do que está na legislação)
E outra: quantas fazenda já receberam a chamada Auditoria de Inclusão. Quantos produtores foram informados das duas obrigações em relação ao SISBOV (registro de manejos, de movimentação de animais, de baixa de animais, etc)?
E tem ainda o famoso “chegar no frigorífico com os brincos em um saquinho” e com DIA (só para lembrar, cabe as certificadoras conferir se os animais foram identificados corretamente antes de emitirem o DIA).
Em relação às normas do SISBOV:
O que chamam de animal certificado (aquele com brinco, boton e DIA) nada mais é um animal identificado. Só o Brasil (sejam políticos, indústrias, produtores) acha que essa identificação feita 40 dias antes do abate do animal presta para um sistema de rastreabilidade.
A norma exige o registro de acontecimentos ocorridos durante a vida do animal, mas não possui meios para punição dos que não cumprem a norma. Afinal, o que fazer se um produtor não fizer os registros se em 40 dias ele já está abatendo os animais (tempo tão curto que nem há condições de se verificar a infração por parte do produtor).
E em referência ao problema das certificadoras, cabe ao Ministério da Agricultura a auditoria delas.
Como é possível não terem punido severamente nenhuma certificadora (pelo menos, que eu saiba) se os “desvios” delas são tão grotescos.
A certificação é importantíssima. Ainda é tempo para fazê-la corretamente. Alguns de nossos concorrentes em exportação de carne (Uruguai, Canadá, EUA) estão implementando agora sistemas de certificação de bovinos, mas estão fazendo direito.
Mas há muitos (e muitos mesmo) que acham que o SISBOV tem que cair e que certificação não serve para nada. E há outros que sugerem mudanças no sistema atual, mas tirando todas as informações da própria cabeça.
Acham que não tem que consultar ninguém (entende-se nenhum outro país). Acham que o mundo depende da carne brasileira. Se essas pessoas soubessem como estão erradas… Mas não adianta argumentar com várias delas.
Então façamos o seguinte. Paremos de certificar hoje. Nenhum animais mais será certificado. Afinal, “isso não serve para nada”.
Aí, daqui a alguns pouco (pouquíssimo) tempo, quando a maioria dos países pararem de importar nossa carne por falta de um sistema de certificação e rastreabilidade e o preço pago ao produtor for de R$30 / @, essas pessoas que hoje são contra a certificação poderão encher a boca e dizer: “Mas pelo menos não estamos gastando R$5 para certificar cada animal”.
Wander Marques Chagas Dias
CertBeef Certificadora
Marília – SP
São oportunas as colocações sobre a rastreabilidade e certificação no Brasil.
Precisamos é aplicar com seriedade e transparência o Sisbov, que é um programa que pode ser melhorado, e adequado às exigências internacionais.
E não se esquecendo de oferecer esta qualidade ao mercado interno, porque o consumidor brasileiro merece esta mesma segurança, resumindo, o que falta é transparência e qualidade em todo o processo.
Caro Miguel
Na minha opinião, o SISBOV é muito fraco e não funciona. Por um motivo simples: é um regulamento público / oficial. Ou seja, é mais uma burocracia criada pelo governo, onde poucas pessoas e empresas se beneficiam (certificadores e fabricantes de brincos autorizados). Os pecuaristas e os consumidores, principais interessados, não ganham quase nada com isso.
Fica claro, que o princípio da rastreabilidade é proporcionar confiança e qualidade do produto para o consumidor. Logo, qualquer sistema deve seguir a ótica do consumidor. Para isso, inicialmente deve-se estabelecer parâmetros e depois as regras para fornecer as informações que possibilitem o consumidor de conhecer e diferenciar os produtos disponíveis no mercado. Neste sentido, penso que iniciativas independentes integrando todos os elos e agentes da cadeia produtiva sejam mais eficazes.
O desafio da cadeia produtiva da carne é oferecer, sem interrupções, um produto de boa qualidade a um bom preço, aumentando o consumo global da carne, ao mesmo tempo padronizando a qualidade do produto final. A rastreabilidade é a base para a difusão da preocupação com a qualidade ao longo a cadeia.
É necessário informar ao consumidor a “história completa” da fazenda ao ponto de venda, além de fornecer produtos certificados, visando assegurar a qualidade e credibilidade dos mesmos. Assim, o consumidor adquire confiabilidade, possibilitando maior valor agregado do produto, ganhando, no final, toda a cadeia da carne bovina.
Filipe Graeff
Parabéns pela lucidez e objetividade, com que o assunto foi abordado.
Falar sobre rastreabilidade pode ser até um assunto palpitante e poucos são os técnicos que abordam dominam este assunto.
Mas infelizmente no Brasil este assunto foi tratado sem o devido cuidado e responsabilidade e resultou no que hoje estamos presenciando. O caos.
A nossa sugestão é um tanto radical: Extinção pura e simples do SISBOV. A solução: Criação do Instituto Brasileiro de Carnes.
Uma xícara de porcelana chinesa, uma vez quebrada, em nada adiantará fazer um reparo. Sempre aparecerá o sinal da rachadura.
No caso do SISBOV é a mesma situação. Está quebrado. O material com o qual foi composto é ruim. Os benefícios foram todos para as ditas “certificadoras”.
Mais uma vez, parabenizo pelo artigo.
Médico Veterinário Romão Miranda Vidal
CRMV-PR-0039
Caro Miguel:
Permito-me submeter crônica recente relacionada ao SISBOV e ao rastreamento. Grande abraço.
NOTÍCIA ALVISSAREIRA
Fernando Penteado Cardoso
“23/08/2005 – Pecuaristas e técnicos de 13 países querem conhecer realidade pecuária nacional. A comitiva reúne representantes do Uruguai, África do Sul, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra, Irlanda, Holanda, Alemanha, Suécia, Dinamarca e Noruega”.
Essa notícia alvissareira é divulgada no site da ACRIMAT – Associação dos Criadores do Estado de Mato-Grosso.
Devíamos ter promovido essas visitas três anos atrás antes de inventarmos o sistema de rastreamento que, segundo me informou o então Ministro Pratini de Morais, nunca foi exigido pelos paises consumidores, mas lhe foi sugerido por assessores do MAPA e apoiado pelas entidades consultadas.
Agora podemos demonstrar aos visitantes que o sistema europeu não funciona aqui e que, se quisermos implantá-lo, vai dar origem a críticas, queixas e, eventualmente, a motivos de condenação e suspensão das nossas exportações.
Esses pecuaristas e técnicos do exterior vão dar muita risada de nosso SISBOV quando visitarem a pecuária do Brasil Central e da Amazônia: criadores criando, re-criadores recriando e invernistas ou confinadores engordando. De entremeio um dinâmico comércio de bezerros e de bois magros, até cotados na bolsa de futuros.
São homens práticos que querem ver para entender. Não são condicionados aos interesses dos fabricantes de badulaques nem dos emitentes de certificados. Eles certamente concluirão que o que vale mesmo é uma fiscalização eficiente, persistente e confiável nos abatedouros que chamamos de frigoríficos.
Afinal, que adianta ter um boi com brinco, certidão e licença de transporte? Viria essa identificação,-além da papelada-, minimizar o risco permanente de aftosa através das fronteiras? A numeração codificada nas orelhas, seria transferida às peças desossadas exportadas? A identificação do abatedor, sim, é permanente e pode ser rastreada no caso de queixa ou irregularidade do produto.
Estamos perdendo tempo e dinheiro. O importante é mostrar que nossa carne é saudável, pois vem de bois que vivem ao natural, a pasto, sob sol, chuva, frio e calor.
Importante também é superar o mito da Amazônia, mostrando que substituir a mata por pastagem é seqüestrar parte do carbono liberado, é criar riqueza, desenvolvimento e empregos, como comprovado pelas novas cidades de elevado Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.
Mostrar que sempre haverá floresta de sobra nas áreas inundáveis, ou pedregosas, ou montanhosas, alem das reservas legais, somando a milhões de quilômetros quadrados.
Temos que convencê-los de que não há motivo para virem a discriminar nosso produto porque removemos a sombra arbórea para deixar entrar luz e poder plantar capim, dando lugar, após alguns anos, aos cereais de vital importância para um mundo a caminho de 8 bilhões de habitantes.
Devemos argumentar com eles comparando com o que aconteceu em seus próprios países, seja na Nova Zelândia, Europa ou algures onde, em época mais ou menos remota, as matas deram lugar às lavouras e às pastagens.
Mostrar a eles que não devem se deixar influenciar pelas ONGs que vivem de produzir notícias alarmantes para serem vendáveis ou de subsídios provindos de interesses comercias da concorrência.
Cumpre aos produtores de carne assumir a liderança do acompanhamento nessas visitas, mostrando o que produzimos e podemos produzir em larga escala e evitando que fiquem comovidos pelos interessados no SISBOV ou empolgados pela pecuária de cocheira, baseada em super-alimentação, embriões, doadoras (de oócitos), FIV, clonagem e valorização de nascituros agigantados, alem de festas, prêmios e leilões milionários.
Levem os visitantes para o sertão onde, -paridos sem assistência-, provêm milhões de bezerros que são a matriz da carne. Visitem os rebanhos do verde a céu aberto em Nova Monte Verde, Alta Floresta, Nova Guarita, Matupá, Peixoto de Azevedo e São José do Xingú, dentre outros, ao Norte de Mato Grosso.
Lá, sim, dá para conversar e mostrar a realidade da pecuária nacional.
*Engenheiro Agrônomo Sênior, Fundação Agrisus, São Paulo
Caro Miguel
Na linha da sua argumentação gostaria de ressaltar um aspecto da execução do Sisbov que me parece fundamental para seu sucesso, a saber, o Sistema de Informações Gerenciais.
Em resumo: o Sisbov, ao exigir o controle individual dos animais, propicia inúmeros benefícios ao pecuarista desde que haja disponíveis no sistema da certificadora relatórios úteis para gerência da sua atividade.
Esta seria a grande vantagem do pecuarista ao adotar o Sisbov: ter um completo sistema de informações sobre sua boiada que lhe permitisse avaliar seu desempenho, testar novas técnicas e acompanhar seus planos com custo bastante baixo.
Tal sistema deveria ser de fácil operação seja na coleta de dados, seja na geração de relatórios, e passaria a ser o critério mais importante na seleção da certificadora.
Eu pessoalmente já fiz esta sugestão à minha certificadora, mas tenho a impressão de que não fui entendido. Qualquer empresa de software que se dedica a produzir pacotes para administração industrial poderia desenvolver tal sistema em pouco tempo.
Quem chegar primeiro vai ganhar um mercado importante.
Um abraço
Eduardo Miori
Um dos maiores problemas da nossa rastreabilidade é que sempre estão nos impondo regras, nem sempre viáveis, como foi o caso da portaria baixada pelo Tadano, quase pondo a perder tudo o que se tinha feito até aquele momento.
Querer que se apresente o DIA dos animais que serão abatidos no ato de retirar um atestado para embarque de gado gordo só é viável para propriedades próximas aos municípios.
Imagine essa situação para uma propriedade que fica de 5 a 8 horas de viagem de seu município, pois deveria ficar com seu gado preso por 2 dias para conseguir tirar uma nota fiscal.
São atitudes dessa natureza que tem prejudicado o nosso sistema de rastreabilidade.
O ministro Roberto Rodrigues precisa se cercar de pessoas mais capacitadas para o assunto.
Atenciosamente,
Airton Fernandes
O cenário atual exige uma certificação eficiente.
Quando implantado a rastreabilidade alguns pontos muito importantes sobre a produção foram deixados de lado. Houve um grande “Boom” de palestras sobre a necessidade da rastreabilidade, hoje a coisa esfriou. A rastreabilidade como vemos hoje é apenas uma ferramenta de combate ao abate clandestino, hoje em torno de 40%.
O Brasil se preocupa em localizar seu rebanho enquanto devia se preocupar com a padronização, da produção, da qualidade, da comercialização.
Como futuro profissional vou procurar essa padronização, além é claro da ética profissional, algumas vezes inexistentes, piorando o processo.
Um bom programa de rastreabilidade depende de que forma o órgão responsável introduzirá isso no sistema.
Acredito, e isso já foi dito por outro, que sobre essa pressão da UE o programa por aqui se acerte. É complicado esse jogo, pois o Brasil perde muito se alguma coisa sair errado.
É tempo de pensar, fazer as coisas conscientemente, procurar opiniões de outros elos da cadeia e ser coerente.
O estimulo deve existir para que o produtor continue a executar um bom trabalho e as punições também, na mesma intensidade.
Ótimo artigo, vou ler esse livro.
Caro Miguel,
Seus artigos são sempre instigantes, ou seja, despertam as consciências para a discussão dos nossos problemas, e neste, em especial, você foi fundo na questão do “executar”, ou da ação, e das metas a serem atingidas.
Eu que sempre sou crítico não culpo a Secretaria de Defesa Sanitária Animal que deu início ao processo, tampouco a primeira Comissão designada pelo MAPA para definir como deveria ser o Sisbov por tudo que deu errado.
Culpo sim a maneira como nós, brasileiros, funcionamos.
Eu que já vinha estudando o tema desde 1998, quando comecei a participar das reuniões das Nações Unidas em Genebra, Suíça, e em Brisbane, Austrália, fiquei um tanto surpreso ao ver que a Comissão adotará as regras da UE ao pé da letra, sem adaptá-las à nossa realidade, como foi o caso de passaporte animal individual em papeletas.
Surpreso com a questão dos prazos para os pecuaristas e, também, por deixar completamente de fora os matadouros-frigoríficos, como se eles não tivessem nada a fazer a não ser ficar esperando que o gado chegasse identificado e com seus passaportes em dia, com vistos de autoridades tais e quais, etc.
Fiquei um pouco chocado ainda ao notar a questão dos prazos para permanecer no sistema, porque o que eu ouvi na Austrália foi que deveria haver um momento em que os frigoríficos exigiriam gado rastreado dos confinadores e invernistas, e esses deveriam exigir dos recriadores a partir de um determinado momento, esses fornecedores deveriam passar a exigir dos criadores que lhes forneciam bezerros para recria que eles viessem rastreados.
Desse modo estaria sendo criada uma corrente indutora irreversível, com alguns estímulos obviamente. A lógica é que poucos são as indústrias, que induziriam uns tantos mais, numericamente, que são os confinadores/invernistas, que induziriam… Em números cada vez maiores.
Mas não vi isso aqui, o que vi foi uma corrida para aprovar certificadoras (?) e uma discussão enorme sobre métodos de identificação de animais, além da exclusão das associações de criadores do processo.
Na Austrália falava-se muito, também, na metodologia a ser adotada pelas indústrias para assegurar que a carne de um bovino poderia ser relacionada a tal indivíduo, coisa que não vi por aqui.
Lá dava-se um destaque enorme à EAN, órgão internacional de numeração de itens, sem fins lucrativos, reconhecido em cada país pelo equivalente ao nosso Ministério da Indústria e Comércio, como referência em numeração codificada, mas aqui exceto por uma outra participação da EAN Brasil em eventos, a entidade não era procurada para colaborar com seu “know how” que estava em desenvolvimento na UE.
Mas o mais chocante mesmo foi o descaso de entidades representativas da indústria frigorífica pelo tema, que agia como se não tivesse nada a ver com isso.
Da minha parte, confesso que demorei para perceber que a rastreabilidade deveria vislumbrar um futuro em que todo o gado fosse identificado visando formar um sistema de defesa sanitária animal moderno, mas que não devia ser obrigatório, para respeitar o direito de cada criador de tomar suas próprias decisões, arcando com as consequências.
Confesso também que em alguns momentos fiquei completamente confuso com o andamento do Sisbov e me omiti dos debates, mas enquanto isso não deixava de discutir o assunto com o mestre Lirani que sempre teve uma idéia muito precisa do rumo que deveríamos tomar. Creio que ele foi consultado por Brasília só recentemente, quando tudo já estava na mais completa confusão.
Ah! Tem mais, em alguns momentos eu ouvi que o Mapa deveria contratar consultoria internacional para consertar o Sisbov e fiquei arrepiado porque sei que o Lirani tem o plano todo na cabeça e modelos no computador para demonstrar como fazer. Vale a pena conferir porque é muito bonito, e barato, muito mais barato do que importar consultoria.
Caro Miguel, somos colegas duas vezes, pois também sou agrônomo e agropecuarista há 20 anos no RS.
Brinco o gado desde então para controles internos de desempenho e resultado, pois sabemos que a balança é o balanço da empresa rural.
Farei um comentário mais breve do que desejo, por questões de tempo.
Em termos de rastreabilidade é triste constatar a “arrogância” de quem “montou” este sistema, pois tais burrocratas. Não ouviram técnicos e produtores quanto a sua aplicabilidade e operacionalidade a nível de fazenda.
Falou mais alto os interesses financeiros em jogo (leia-se fábricas de brincos, certificadoras e parceiros), inclusive com participação de representantes de classe e portanto com choque de interesses. Quando ainda existem brasileiros sem CPF, quiseram fazer isto com bovinos!?
Países sérios estão fazendo levantamentos de campo há anos para daí ver qual sistema é o mais adequado via custo X benefício, e não a moda brasileira onde o idiota do pecuarista arca com todo o custo no sistema de tentativas.
Conseguimos produzir até a pérola de nos auto impor que somente podemos exportar animais rastreados, mesmo que o destinatário não queira e logicamente não pague por isto (Países da lista geral).
Em termos de mercado interno, que representa 80% da produção, nosso maior concorrente é o frango, com custos de produção inferiores ao do bovino, portanto sem rastrear já estamos em desvantagem, e tem burrocrata querendo rastrear todos bovinos (deviam rastrear todos os frangos e suínos também).
Caro Miguel, se olharmos friamente o que a rastreabilidade agregou, foi somente custo ao produtor sem retorno financeiro. Pois em termos sanitários, quando vendemos bovinos vai a nota fiscal com o nome do produtor e o atestado das inspetorias (identificando que os animais foram vac. anti-aftosa), em termos sanitários. O que o brinco agregou a mais? Nada.
E uma vez no frigorífico as informações que temos é que o “vínculo” produtor x carne remetida se “perdem”, ficando o brinco com mais cara de passaporte do que atestado de origem.
Resumo: diz um ditado que pau que nasce torto morre torto.
Acho que esta rastreabilidade imposta só serve de exemplo para o que não fazer na próxima. O novo sistema deve ser discutido como um todo: operacional de campo, quais dados o destinatário exige, custos do sistema, retorno financeiro, o que e quais bovinos rastrear, manipulação e responsabilidade do cadastro dos dados…
Não é de graça que ainda não existe sistema no mundo que funcione de forma rentável ao produtor!?
Obs.: O negócio carne (de frigorífico) vai muito bem obrigado o negócio boi (de pecuarista) está um desastre financeiro, diz um amigo mais velho (da FNP) que estamos na maior baixa em IGP dos últimos 40 anos.
Julio Tatsch
Agropecuarista e presidente do Sindicato Rural de Caçapava do Sul / RS
Caro Miguel,
Parabéns para o seu artigo e como você pediu até discordâncias então vamos lá…
Infelizmente o compromisso dos produtores, certificadores, inspeção federal SIF e principalmente dos frigoríficos com o SISBOV está ainda altamente deficiente.
Não é possível querer uma adesão voluntária para o SISBOV quando você não fecha as portas para as compras de carne sem origem conhecida de terceiros para exportação. É realmente oito ou oitenta.
Como estratégia, sugiro estabelecer o “safety net” de segurança para os consumidores de carne, que é oficializar o controle por lote de origem como o primeiro passo, mas obrigatório em todo território nacional.
Instituir uma lei que pune movimentações ilegais de carne pesadamente. Rever o funcionamento dos serviços públicos SIF.
Tornar os Frigoríficos responsáveis pela documentação e qualidade e sanidade de todos os seus produtos.
A corrupção, sonegação e manipulação têm que ser dificultadas e punidas ao máximo.
SISBOV em si é o caminho certo, vamos pelo menos andar nesta direção.
Um abraço.
Rastreabilidade?
Que rastreabilidade é essa que não conseguimos segunda via de DIAs quando compramos gado em leilões com brincos e numeração do SISBOV (por algum motivo sem as devidas DIAs) e ninguém consegue identificar aquele animal simplesmente pelo numero?
Que rastreabilidade é essa que na linha de matança o brinco individual de cada boi se perde e a única referência que o frigorífico terá é o nome do proprietário do Lote pela sequência e hora de abate?
Estes dois simples exemplos colocam em falência todo o sistema, onde claramente só o produtor é onerado.
Caro Miguel,
Realmente o Brasil não pode ser comparado com nenhum outro país, principalmente se tratando de pecuária de corte.
Tenho certeza que fizemos da rastreabilidade, um filho mal criado. Onde todos os envolvidos falharam:
– GOVERNO – Impondo algumas regras sem uma ampla discussão.
– INDÚSTRIA – Achando algumas saídas para a falta de matéria prima, não se importando com o reflexo que isto poderia levar.
– PECUARISTA – Não participando a tempo de algumas decisões, sobre o assunto e de certa maneira, ajudando a confundir mais a rastreabilidade.
Desta maneira, eu pessoalmente, acredito que só conseguiremos, realmente, manter a liderança, como maior exportador de carne bovina, se atendermos as exigências mercadológicas, que vai muito além da rastreabilidade, e se, realmente, todos os envolvidos forem o máximo em profissionalismo.
Contudo, vejo o Brasil como um continente, com uma diversidade pecuária muito grande, e com a necessidade de termos uma pecuária seletiva.
Por esse motivo, a rastreabilidade não tem possibilidades de ser irrestrita. Estamos vivendo um momento de crise e passando por uma seletividade, muito grande, na pecuária.
Vamos ter propriedades que conseguirão atender os mais exigentes mercados, e outras, que mal atenderão os mercados locais.
Não deixando de lembrar a importância dessas exigências para o nosso sucesso.
Estou há um ano morando no exterior, mas leio diariamente o BeefPoint.
No início da semana li o artigo do Otavio Cançado, Brasil: vitrine da sanidade mundial, e fiquei (favoravelmente) surpreso.
Hoje me deparei com a matéria de capa sobre o preparo dos serviços de defesa agropecuária para enfrentar a auditoria européia, e fiquei ainda mais impressionado.
Finalmente li o editorial do Miguel e as vinte cartas (!) enviadas com comentários.
Toda minha surpresa se desfez: meu bom e velho Brasil continua o mesmo.
Ao invés de fazer a lição de casa, lançamos a suspeita prévia sobre a real motivação dos auditores
Ao invés de corrigirmos o sistema previamente apontado como falho, criamos um gesto político de certificarmos o sistema na véspera de sua auditoria, talvez imaginando ser possível constranger o auditor.
Enquanto algum auditor externo não fizer o favor de derrubar a casa em cima de nossas cabeças, não cumpriremos o pré-requisito necessário para tratarmos o assunto com a seriedade que ele merece. Infelizmente.
Prezado senhor,
Há algum tempo tenho lido comentários ácidos, críticas politicamente brandas e manifestações de apoios ao SISBOV. Consegui a proeza de não estar de acordo com todas elas…
A maior falha no sistema está na tentativa de impor por decreto, que identificar significa rastrear. Identificar o animal não significa que o mesmo está rastreado. O rastreamento é subproduto do manejo de uma propriedade organizada.
Algum burocrata do MAPA decidiu que por brincos numerados seria o suficiente para mostrar aos USA e a União Européia que todo o Brasil produz animais de qualidade e que tínhamos sistemas de criação organizados que poderiam garantir a qualidade e sanidade dos produtos aqui produzidos.
Nosso dinheiro foi desviado para os fabricantes de brincos e para as empresas certificadoras (mais um cartório instituído pelos governantes de plantão).
Quem deve ser certificada é a propriedade, ou seja:
a – Possui infra-estrutura material para garantir o manejo físico dos animais, tais como cercas boas, corredores, currais, balanças etc…
b – A mão de obra é adequada: funcionários sabem ler, escrever e tem conhecimento das 4 operações aritméticas.
c – A propriedade tem um sistema de manejo, onde estão definidos os tipos de trabalho, o que fazer em cada tipo de ocorrência.
d – Treinamento e supervisão
e – Respeito às condições mínimas de sobrevivência com algum conforto aos funcionários
f – Respeito à condição de vida dos animais existentes (mineralização, combate a parasitas etc…)
Caso a propriedade não possua os itens acima, não há como garantir que o produto produzido por ela tenha garantida sua qualidade ou sanidade.
Diga-me quantas propriedades existem no Brasil que disponham dos itens mencionados acima.
Rastrear é saber exatamente tudo que aconteceu na vida de um animal, não somente do que aconteceu no lote de animais. O lote é consequência, pois a partir do momento que se controla cada dos animais tem-se o lote controlado.
É saber, quando nasceu, seus pais, seu peso ao nascer, suas enfermidades, suas causas, os medicamento tomados, o tipo de alimentação (capim, mineral, ração) as datas em que foram consumidos durante todo tempo em que permanecerem na propriedade. Ao saírem da propriedade, para onde foram etc…
É necessário ainda um sistema informatizado que tenha a operação fácil para a manutenção das informações referentes ao dia a dia dos animais, de tal forma que o sistema possa orientar seus usuários ao manejo seguro da operação: que possa garantir que animais não serão vendidos antes do término da carência por ter utilizado algum medicamento ou qualquer outro produto veterinário.
A identificação terá que ser obrigatoriamente Individual, mas não da forma que o SISBOV preconiza, ou seja, a identificação do animal é ferramenta de manejo diária, significa que deve ser de fácil leitura, e uma identificação com 6 algarismos, tendo ainda a característica de não obedecer a uma sequência, dificulta em muito a leitura, no pasto ou mesmo no curral.
Temos experiência com este tipo de trabalho, nossos animais são identificados ao nascer (brinco com 4 algarismos em uma das orelhas, e uma tatuagem na outra), passamos todos os animais no curral pelo menos 3 vezes ao ano, e são todos individualmente conferidos, e atente para o detalhe: um funcionário canta o número do animal no tronco, uma anota o número, e a outra confere em uma listagem ou no computador; mesmo assim o índice de números errados está entre 4 e 5% para cada uma das pessoas, ou seja, o que canta o número erra, o que escreve erra e o que confere também erra.
Estamos falando de um número de 4 algarismos, e de um ambiente controlado, com os animais contidos, imagine no pasto, tendo que anotar os animais soltos, a distancia maior etc… Com 6 algarismos é impossível garantir qualidade mínima nos dados anotados durante o manejo.
Se o apontamento é deficiente, a segurança e a garantia de qualidade não existem, pois se pode aplicar um medicamento em um animal e se anota o numero errado, neste caso pode-se vender o animal que tomou o remédio com o prazo de carência não cumprido, este animal poderá ter sua carcaça auditada pelo importador, a substancia ativa é encontrada, e todo o lote é condenado, o produto devolvido, a credibilidade perdida etc…
Este é o risco que estamos (Brasil) correndo, propriedades aplicam o brinco nos animais alguns dias antes do abate, não tem absolutamente nenhum controle do que foi aplicado nestes animais, e os enviam para os frigoríficos, que fingem que os animais são rastreados, os abate e os envia para o exterior…
Resumindo, da forma que está, caso haja uma auditoria no sistema SISBOV, ou nas propriedades que adquirem brincos, os auditores irão fatalmente comprovar que em 99% dos casos não existe nada além do brinco, ou seja, a tal da rastreabilidade começa e termina no maldito Brinco.
Dessa forma, as propriedades que possuem manejo adequado, e realmente tem condições de garantir a qualidade e sanidade de seus produtos, vão para a mesma vala comum em que estão todos os outros, sendo ainda penalizados com os mesmos preços por @ dado aos animais pelos frigoríficos.
Resumindo a ópera. É muita pretensão dos burocratas que vivem na ilha da fantasia que é Brasília, sentados atrás de escrivaninhas, em cadeiras forradas de couro, com ar condicionado, e interesses que finalmente estão sendo mostrados a todo o Brasil: definir como deveremos manejar nossa atividade, sem ter o mínimo conhecimento da atividade, as dificuldades, os diferentes Brasis que existem dentro do Brasil, os diferentes níveis culturais e gerenciais existentes entre propriedades na mesma região etc…
O assunto é mais complexo do que estão pensando, isto é, se pensaram em algum momento… Está com cheiro de que novamente vão baixar decretos incoerentes e inviáveis no seu conjunto.
O espaço é pequeno e o tempo também, mas é assunto para bem mais que um dia…
Prezado Miguel,
Quando falamos de estratégia sempre me vem a mente as premissas do professor Porter, que, divide a estratégia em três grandes grupos: liderança no custo, diferenciação do produto e foco.
O Brasil possui vantagens COMPARATIVAS na produção de boi de capim que nos permite ter o menor custo de produção do mundo. Ao meu ver não devemos abrir mão desta vantagem tão difícil de ser copiada mas tão fácil de ser perdida.
Em função disto, nossa rastreabilidade também deve ser encarada como parte neste processo de liderança de custo, devendo SEMPRE ser planejado para não onerar o custo total do boi; isto infelizmente não tem sido priorizado, ao se planificar nossa rastreabilidade ao modelo europeu estaremos fugindo de nossa principal missão “produzir a carne saudável, saborosa, sanitariamente segura com o menor custo de produção do mundo”.
Este, a meu ver, deve ser o norte de toda a cadeia da carne, com certeza uma rastreabilidade com este enfoque será melhor legitimado pelos produtores com forte adesão da classe.
Como sugestão, acredito que o grau de informação deve ser compatível ao risco de produção, quanto mais tecnologia (insumos e serviços) maior o grau de informação ao consumidor, quanto mais natural o sistema de produção (extensivo) menor o grau de detalhamento.
Porter também ensina que os fracassos dos planejamentos estão mais ligados à falta de definição e persistência a estratégia selecionada do que à execução dos planos.
Espero ter contribuído com seu artigo.
Grato, Fábio
Entendo que tanto eu, como qualquer produtor pode rastrear seu rebanho, por menor que seja, desde que tenhamos facilidade, acesso ao sistema/brincos, etc, e retorno ao fazê-lo.
Campanhas de esclarecimento e apoio regionais (Emater ou qualquer outro órgão regional), com execução de rastreabilidade assistida e/ou incentivada, associadas às campanhas/periodicidade da vacinação de aftosa.
A informação por mais globalizada que seja, não tem chegado ao produtor com a objetividade necessária. Ficamos, portanto, ignorantes frente aos métodos, objetivos, benefícios e etc. Se o estado fizer a sua parte, certamente nós não nos furtaremos a fazer a nossa.
Exemplifico com a classificação do nosso couro: que orientação e/ou benefício direto recebemos para contribuirmos para sua melhoria? Não bastaria uma campanha de orientação/mobilização?
O momento é importante para uma grande mobilização, que deve ser conduzida pelo governo e todas as entidades de classe. O produtor responderá à altura. Precisamos de mecanismos diretos de informação, fiscalização e punição.
Vejo falar a anos em cadeia produtiva da carne, mas o único elo com maior cobrança de eficiência e sacrifício é o do produtor. Que tenta sempre fazer sua parte.
Governo, frigoríficos e outros segmentos, só cobram dificultando cada vez mais a vida de quem produz e tenta trabalhar com capacidade e eficiência não sendo correspondido na hora de valorizar sua produção.
Não obtendo preços justo pelo seu produto na hora da comercialização que é o fator principal dos produtores ter a motivação de ser cada vez mais eficiente na sua atividade, para produzir carnes de melhor qualidade.
Pela parte do governo a incapacidade de fazer e executar um programa sanitário eficiente capaz de controlar esse problema da aftosa no Brasil que vem ocorrendo praticamente todos os anos, propositalmente para desvalorizar nossa produção.
Se nosso povo tivesse mais um pouquinho de poder aquisitivo faltaria carne para nossa população não daríamos vencimento de produzir para o mercado brasileiro.