Por Roberto Augusto de A. Torres Jr, Luiz Otávio Campos da Silva e Leonardo Martin Nieto1
Apesar da escassez de trabalhos para a determinação dos valores econômicos das diversas características nos sistemas de produção de bovinos de corte no Brasil, é praticamente consenso que as mudanças nas características reprodutivas tem maior impacto na lucratividade do sistema que as características de crescimento e carcaça. Em função disso, as atenções têm-se voltado cada vez mais para pesquisas na área de reprodução, tanto do ponto de vista genético quanto de manejo.
Entretanto, já faz algum tempo, temos ouvido de colegas da Embrapa Gado de Corte sobre as dificuldades de se fazer experimentos com reprodução animal quando a variável de interesse é a taxa de prenhez e o impacto de fatores de meio sobre estas.
Experimentos caros, de longa duração, com grande demanda de mão de obra e que acabam resultando em diferenças não significativas. O pior de tudo é que a magnitude dessas diferenças não significativas, entre 10 e 15 %, é extremamente importante do ponto de vista prático e pode representar a diferença entre a lucratividade e inviabilidade de um rebanho de cria.
Uma experiência recente, foi com o dimensionamento do experimento proposto por um grupo de colegas, no qual se quer avaliar a suplementação estratégica com proteinados ricos em ácidos graxos, no início da estação de monta como uma forma viável de melhorar a taxa de reconcepção de primíparas que não receberam manejo diferenciado durante a seca.
Neste experimento, a taxa esperada de reconcepção das primíparas não suplementadas está em torno de 60 % e a suplementação não deve melhorar esta taxa em mais que 5 ou 10 %. Estas condições, pequenas diferenças entre tratamentos e grande variância na resposta, não poderiam mais desfavoráveis à detecção das diferenças. Quando as taxas de prenhez dos tratamentos estão próximas de 50%, a variância é máxima, o que implica na necessidade de maior número de fêmeas avaliadas por tratamento para atingir a precisão desejada e detectar diferenças entre tratamentos. Neste caso, é importante se estabelecer criteriosamente o tamanho da amostra necessário para evitar frustrações futuras.
Para atingir este objetivo foi feita uma simulação envolvendo várias situações, tais como: diferentes números de fêmeas por tratamento e diferentes taxas esperadas de prenhez dos dois tratamentos em estudo, de forma a obter a probabilidade de detectar a diferença em questão ou, conforme a nomenclatura estatística, o poder de teste. Foram 6 tamanhos de amostra (20, 50, 100, 200, 500 e 1000), 4 valores para a taxa de prenhez do primeiro grupo (50, 60, 70 e 80) e 5 diferenças na taxa de prenhez entre os grupos (0, 5, 10, 15 e 20), sendo que para cada uma dessas 120 combinações foram simulados 10.000 experimentos. Considerando o número de animais virtuais gerados por experimento, é como se tivéssemos gerado um rebanho de matrizes equivalente a aproximadamente 15 vezes o rebanho nacional de matrizes bovinas de corte para planejar adequadamente o experimento em questão.
Na tabela 1 apresentamos resultados parciais desta simulação para suas situações, onde o controle tem 60 % de prenhez e o tratamento proporciona um acréscimo de 5 ou 10% na taxa de prenhez.
Tabela 1. Probabilidade de detecção da diferença entre as taxas de prenhez dos grupos tratamento e controle, em função da magnitude da diferença e do tamanho da amostra de matrizes por tratamento, quando a taxa de prenhez do grupo controle é da ordem de 60%.
Neste momento ficou claro que a execução do experimento conforme inicialmente pensado era impossível. A expectativa inicial de detectar uma diferença na taxa de prenhez de 5% foi esquecida. Optou-se por identificar uma fazenda parceira que pudesse comportar grupos de 200 animais por tratamento, para podermos detectar uma diferença de 10%. Mesmo assim, conscientes de que a chance de detectar esta diferença seria de apenas 56%.
Mais importante do que isso foi o outro ponto levantado para justificar a validade da realização deste experimento. O ponto em questão é o de trabalhar com outras variáveis importantes ligadas a eficiência reprodutiva, entre elas a condição corporal, o peso, os indicadores fisiológicos e o tempo para emprenhar na monta, sendo que esta última variável nos chamou mais a atenção em função de algumas questões que temos discutido ultimamente sobre avaliação para eficiência reprodutiva.
Em primeiro lugar, a alternativa de identificar apenas animais prenhes e vazios após um período de monta desperdiça uma grande quantidade de informação referente ao tempo que o animal leva para emprenhar na monta. Este tempo, por sua vez, está ligado a probabilidade de prenhez daquele animal em condições similares. E qual seria o ganho adicional com o uso desta informação em vez de aproveitar unicamente a ocorrência ou não de prenhez.
Outra questão, está ligada a natureza matemática dos modelos utilizados para lidar com variáveis discretas como a ocorrência de prenhez e as estimativas de herdabilidade publicadas para esta característica. Estes modelos são compostos por dois níveis, sendo que o primeiro, denominado de nível subjacente (com distribuição normal/contínua), e o segundo, denominado de nível observado (com distribuição discreta).
Na passagem do nível subjacente para o nível observado ocorre uma perda de informações, quando um grande grupo de animais, independente do seu valor real de predisposição a prenhez, recebe um único rótulo (prenhe ou não prenhe). Por exemplo, uma novilha com boa predisposição e que talvez emprenhasse na próxima semana se a monta fosse prorrogada recebe o mesmo rótulo (vazia) de outra que tem uma baixa predisposição e talvez não emprenhasse nem se a monta durasse mais 2 ou 3 meses. De forma semelhante uma novilha que emprenhou no início da monta recebe o mesmo rótulo de uma que emprenhou no último dia da monta.
A questão que vinha nos incomodando era: qual o impacto dessa perda de informação na interpretação dos valores da herdabilidade e de sua relação com a facilidade de obtenção de ganhos? Será que esta relação era direta como nos casos das variáveis tradicionais como ganho de peso?
Para responder esta questão foi elaborada a seguinte simulação: Um lote de 100.000 novilhas, com a mesma idade, foi avaliado. Os parâmetros considerados para esta população foram: herdabilidade para probabilidade de prenhez aos 14 meses (PP14) igual a 0,4 e taxa média de prenhez aos 14 meses de 20%. Neste lote de fêmeas, foram observados a média do valor genético verdadeiro (DEP) da predisposição a prenhez (nível subjacente) para cada um dos fenótipos (prenhe ou vazia) e o desvio padrão dos valores genéticos de cada grupo em relação a média do grupo. A distribuição desses valores genéticos bem como os valores das médias e dos desvios padrões, são apresentados na figura 1.
Com base nesses dados é impossível negar que teremos um ganho. A média do valor genético verdadeiro dos animais que ficaram prenhes é 0,56, enquanto o dos animais que ficaram vazios é -0,14. Nesse caso simples, em que não temos nenhuma informação de parentes, essa média do valor genético verdadeiro vai corresponder ao valor genético predito, que corresponde ao dobro da DEP, para cada um dos animais que pertencem a um mesmo grupo. Então teremos 80% de animais que não ficaram prenhes cuja DEP é -0,07 e 20% de animais que ficaram prenhes e que tem DEP de 0,28.
Outro ponto nos pareceu ainda mais importante. A diferença média entre os valores genéticos verdadeiro e predito, avaliada pelo desvio padrão dentro do grupo foi 0,58 e 0,52 para as novilhas vazias e prenhes, respectivamente. A média ponderada dessas medidas considerando a proporção de cada grupo dá 0,57 e se calcularmos a acurácia da DEP para PP14 na escala subjacente, com base nesta medida, que corresponde ao que chamamos no melhoramento de desvio-padrão do erro de predição, chegaremos ao valor 0,49. O quadrado desse valor corresponde a herdabilidade, quando se fala de seleção fenotípica para variáveis quantitativas (ex. ganho de peso). Neste caso, o quadrado da acurácia dá 0,24, ou seja, apesar da herdabilidade da característica ser 0,40, na prática, a perda de informação devida à forma como esta variável se manifesta, faz com que a informação fenotípica (prenhe ou vazia) tenha uma eficiência comparável à de uma característica com herdabilidade igual a 0,24.
Na prática, existem outros problemas que dificultam ainda mais a seleção e tornam ainda mais severo o processo de perda de informação para PP14, como o forte efeito de idade na prenhez precoce, com grande concentração das novilhas prenhez entre aquelas mais velhas.
Se tivermos em mente as duas questões acima levantadas e começarmos a pensar na avaliação de touros para precocidade de novilhas, teremos uma real noção das dificuldades de se atingir uma alta confiança na avaliação desses animais pelo processo usual de exposição precoce de novilhas e de avaliação com base unicamente no estado prenhe/vazia.
Devemos lembrar que a diferença na taxa de prenhez de suas filhas para a maioria dos touros é pequena e, portanto, é difícil separá-los/classificá-los corretamente, principalmente quando não se desenha um esquema de avaliação adequado ou não se aproveita toda informação disponível.
Não estamos querendo com esta discussão desmerecer os trabalhos que vem sendo feitos com avaliação na busca da precocidade sexual nas raças zebuínas, que são sérios, pioneiros e, como pode ser visto na figura 1, efetivos. Queremos sim, levantar a questão de como avaliar esses dados de uma forma mais eficiente, tirando todo a informação que eles podem nos fornecer. Seria a opção dias para parir uma opção razoável? Ou talvez, uma avaliação pelo toque do período de gestação e não somente do estado prenhe/vazia?
Queremos também, despertar o interesse na questão de como melhor manejar estes animais para melhor discriminá-los. Será que uma monta curta, onde a taxa de prenhez é baixa e concentrada nos animais mais velhos é o ideal? Ou seria uma monta longa e contínua, de outubro/novembro até abril/maio, mais apropriada, onde a taxa de prenhez pudesse alcançar níveis mais altos e os animais mais jovens também pudessem manifestar suas diferenças de precocidade?
Como isso poderia ser feito, ainda é uma questão que vai depender de muito trabalho para ser respondida a contento, mas creio que apesar informalidade da apresentação deste artigo ele há de contribuir para a discussão desse tema de tanto interesse nos dias de hoje.
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1Roberto Augusto de A. Torres Jr, Luiz Otávio Campos da Silva e Leonardo Martin Nieto são Pesquisadores da Área de Melhoramento Animal, Programa Geneplus, Embrapa Gado de Corte