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Exportação de gado em pé : gripe ou metástase

Já faz alguns meses que a Abrafrigo vem se indispondo contra as exportações de boi em pé. Este tema é complexo e exige um razoável senso crítico, postura adequada, conhecimento geral da cadeia produtiva, e, principalmente, raciocínio baseado na razão e não na emoção, no interesse geral e não interesse particular. Quando a análise é séria e coerente, isenta de comentários inadequados e de paixões descabidas, sentimo-nos obrigados a participar do debate e contribuir com nosso ponto de vista.A Abrafrigo nunca se posicionou contra a exportação de boi em pé em si, até porque reconhece o nicho de mercado descoberto pelos produtores. Temos reclamado da concorrência desleal que este mercado comprador nos oferece.

Já faz alguns meses que a Abrafrigo vem se indispondo contra as exportações de boi em pé. Este tema é complexo e exige um razoável senso crítico, postura adequada, conhecimento geral da cadeia produtiva, e, principalmente, raciocínio baseado na razão e não na emoção, no interesse geral e não interesse particular.

Quando a análise é séria e coerente, isenta de comentários inadequados e de paixões descabidas, como é o caso do artigo do Miguel da Rocha Cavalcanti, sentimo-nos obrigados a participar do debate e contribuir com nosso ponto de vista.

Isto não significa, todavia, que estejamos de acordo com todos os comentários proferidos pelo Miguel. Concordamos em parte, não com o todo. Está correta a avaliação de que se exporta um pouco mais de 1% e que este percentual não deveria incomodar a indústria frigorífica nacional.

Correta também é a afirmação de que a alta tributação da carne é uma das principais causas do desajuste dos frigoríficos que vendem sua produção no mercado interno. Perfeita, igualmente, é sua avaliação quanto a fase do “boi barato”, que igualmente acreditamos não terá mais vez no Brasil, pelo menos a curto e médio prazos. No longo prazo, a verdade só a Deus pertence.

Como afirmado, também somos adeptos da tese de que a exportação de boi em pé não é a causa maior da baixa rentabilidade hoje auferida pelos frigoríficos de mercado interno. Muitos outros fatores a explicam, mas cuja análise não faz parte deste nosso comentário.

O que preocupa a indústria no caso das exportações de boi em pé não é o volume hoje existente, mas sim a trajetória ascendente que temos observado desde o ano de 2004. Isto sim é preocupante. Qual a indústria, seja de que ramo for, não se preocuparia com a evasão de sua principal matéria-prima, e, principalmente, quando esta tendência aponta para números mais elevados?

A Abrafrigo nunca se posicionou contra a exportação de boi em pé em si, até porque reconhece o nicho de mercado descoberto pelos produtores. Temos reclamado da concorrência desleal que este mercado comprador nos oferece. A indústria brasileira de mercado interno é obrigada a suportar o ônus tributário do ICMS, PIS, COFINS e diversas outras contribuições, quando o mesmo não acontece com os importadores que pagam o preço ao pecuarista brasileiro, mas não se preocupam com os encargos tributários nos seus países de origem.

A agregação de valor que temos defendido não significa o conceito emitido pelo Miguel, de que seria “a disposição do comprador para pagar acima do custo de produção”. Confundiu-se o conceito de mark-up com valor agregado. Valor agregado é o montante que se soma em cada uma das etapas da cadeia produtiva, quando cada setor, individualmente, agrega salários, capital e recursos naturais ao montante adquirido da etapa precedente. Diversos são os tipos de indústrias que sentem os reflexos das exportações de boi em pé : couro, calçados, farmacêuticas, ração animal, etc. O que estas indústrias agregam se lhes faltar os insumos oriundos do boi ? Se pensarmos globalmente, que vantagem leva o país?

A ABRAFRIGO, ao contrário do que afirmou o Miguel, não busca a volta ao passado do “boi barato”, mas sim defende uma política que equacione a falta de competitividade da indústria brasileira que lhe possibilite concorrer em igualdade de condições com os importadores de boi em pé.

A afirmação “a maneira mais barata de se reduzir a exportação de boi em pé é pagar mais pelo boi a ser abatido”. Peço desculpas ao Miguel e a todos aqueles que vêm defendendo esta tese. Basta se conhecer o conjunto da cadeia produtiva, de suas relações e mecanismos de formação de preços, para caracterizar esta afirmação como ingênua e em descompasso com a realidade do dia-a-dia. Nestes mercados ( são vários existentes dentro da cadeia produtiva) os preços de compra e de venda são tomados pelos seus diversos agentes, sem que nenhum deles tenha a menor possibilidade de manipulação. Se fosse possível poder pagar mais ao produtor e cobrar mais do supermercado, por exemplo, seria a condição ideal. Infelizmente, não é assim que as coisas funcionam.

De qualquer forma, parabenizo o autor pela sua grande contribuição ao debate. O texto é de ótima qualidade, equilibrado e isento de paixões.

0 Comments

  1. wilson tarciso giembinsky disse:

    Olá Péricles, bom dia!

    Pois é vc achou ingênua a tese do Miguel, como deve ter também achado ingênua a reclamação dos pecuaristas de prejuizo com o preço baixo do boi pago pelos frigoríficos.

    A saida foi essa, procurar quem paga mais. Embora isto possa ser também um tiro no pé como vocês fizeram.

    Se estão exportando gado apto à reprodução é bem possivel que estejam melhorando e ampliando o rebanho de futuros concorrentes, é bom atentar para este detalhe, se fortalecemos o rebanho dos importadores podemos tê-los como concorrentes no mercado fornecedor depois.

    Podemos exportar gado em pé sim, afinal o pecuarista precisa de dinheiro no pobre bolso, temos que pagar nossas contas, renovar nossos pastos, investir em genética, suplementar o rebanho e assim também estamos gerando empregos e impostos, nós também pagamos PIS, COFINS, CSL, IR, ICMS, INSS sobre o faturamento e sobre a folha, etc., e mantendo a cadeia antes, dentro e depois da porteira.

  2. Fernando Cardoso Gonçalves disse:

    Senhor Péricles,

    Este assunto reflete a forma como as coisas são induzidas dentro da nossa cadeia produtiva. Cadeia esta que imagino seja apenas para segurar o produtor em uma jaula e não no sentido que normalmente é utilizado pelos outros “elos” da cadeia como se tem dito.

    Em primeiro lugar, não precisamos entender o assunto globalmente! Estamos no Brasil. Produzimos carne para 187 milhões de pessoas e o excedente é exportado. Isso é que nós temos que levar em conta.

    Somos os maiores produtores de carne do mundo. Temos que ser competententes para determinar os preços da carne bovina no mundo. Ou vamos apenas produzir e deixar que os outros cotem preços?

    Essa questão da venda de gado em pé está fora de discussão. Se apenas 1% é o tamanho do comércio, hoje irrelevante, provavelmente amanhã também o será.

    Se há tributação em excesso, quem sabe o senhor discute a tributação e deixe em paz o produtor, que é na realidade quem sustenta toda a cadeia produtiva?

    Quem sabe se houver um equilibrio e uma norma única para o país, haja também condições iguais de concorrência leal no mercado. Aqui no RS estamos abarrotados de carne que vem aí do Brasil Central porque tem incentivos fiscais que destroem a nossa produção no RS.

    Essa conversa de que cada mercado coloca seu preço, dá no que está dando hoje! Boi caro e raro! Frigoríficos osciosos!

    Mas o mais interessante é que o varejo continua faturando os seus 30 a 60% de lucro.

    Mais um detalhe, que acredito some nessa conta. O sistema de produção bovino demora 15 meses para desmamar um terneiro e mais 24 para terminar o boi. Digamos 39 meses ou um pouco mais de 3 anos para um giro no seu negócio. Qual o lucro da pecuária? Na maioria das vezes, há prejuizo e transferência de renda.

    O frigorífico compra o boi, desmancha, vende e recebe, digamos (e aqui o senhor deve saber a verdadeira realidade) em 50 dias o seu capital gira e está fazendo outro negócio. Então o frigorífico deve girar o seu capital umas 6 vezes ao ano. Cada giro com um ganho de 2%? Isso daria um ganho de 12% ao ano?

    E o nosso outro elo da cadeia? O varejo. Compra a carne do frigorífico, com 45 dias de prazo, vende a vista, fatura de 30 a 60% sobre a compra do frigorífico e no outro dia está comprando outra partida. Trabalha com o dinheiro do frigorífico, com o dinheiro do consumidor, ganha na lucratividade do negócio!

    Quantos giros esse mesmo capital dá ao ano? Tem idéia do que é o resultado desse negócio?

    Se considerarmos um giro de 15 dias, seriam 24 vezes ao ano, ganhando de 30 a 60% em cada um deles.

    Sob essa realidade, não acredito que a Abrafrigo venha com essa história de exportação de gado em pé.

    Apontem o seu canhão para o outro lado, porque deste lado, nós vamos garantir a produção da sua matéria prima. Acredite, o inimigo está do outro lado!

  3. Julio M. Tatsch disse:

    Uma pergunta.

    Vou tentar retirar o emocional, lembrando que muitos pecuaristas permaneceram na atividade graças a esta paixão, pois se fosse baseado exclusivamente no retorno financeiro, um número maior de pecuaristas teria reduzido sua atividade pecuária ou se retirado dela.

    Sendo o Brasil o formador (balizador) dos preços mundiais da carne bovina, por ser o maior exportador e a luz do divulgado aumento médio de 40% nos preços das carnes bovinas, em US$, somente em 2008, pergunto, por que os frigoríficos não anteciparam estas altas da carne exportada, já em 2006 ou 2007?

    Foi necessário gerar um crise no setor produtivo, com o conhecido e monitorado abate excessivo de fêmeas. Efeito dos preços abaixo do custo de produção, forçando o pecuarista a matar sua máquina de geração de bois. Se houvesse racionalidade quanto a todos da cadeia usufruírem de lucro, poderíamos ter economizando muitas vidas de matrizes e teríamos hoje um rebanho produtivo maior.

    No meu entendimento, os frigoríficos optaram pelo caminho cômodo de pressionar para baixo os preços aos pecuaristas ao invés trabalhar por elevações junto aos importadores.

    No passado, frigoríficos e imprensa, alardeavam que o Brasil era o maior produtor de carne bovina e produzia pelos menores preços. Faltou dizer que era a custa do abate de nossas matrizes e da dilapidação do patrimônio dos pecuaristas na razão inversa ao crescimento do patrimônio dos frigoríficos.

    Um amigo que trabalhou em indústria multinacional, me afirmou, não é necessário muita competência para vender produto nobre barato! O difícil é exigir preço. Com o agravante, que na carne bovina somos o maior exportador e não existe quem possa nos substituir em volume. Então por que vender carne barata? Os frigoríficos estavam com suas margens garantidas, mas e o pecuarista?

    Tal fato se explica quando temos apaixonados produzindo, dispostos a vender abaixo do custo total de produção e acrescidos da falta de cobrança aos seus representantes de classe e omissão de muitos, sejam representantes ou representados.

    A citada concorrência desleal dos importadores de gado em pé frente aos frigoríficos exportadores, faltou citar os benefícios fiscais usufruídos por estes. Com relação aos subprodutos, em especial o couro, séria lógico remunerar de forma diferenciada o pecuarista, segundo sua qualidade e agregação de valor. Com o chavão: “está tudo incluído no preço do quilo do boi”, indiferente da qualidade, não podemos pretender uma evolução.

    Reafirmo que no RS, os preços ofertados aos pecuarista somente começaram a se elevar após as primeiras exportações de gado em pé, seguido das evidências de redução de rebanho e oferta, efeito do abate excessivo de fêmeas. Fato agora evidenciado a nível de Brasil.

    Finalizando, quanto as afirmações do mercado estabelecer livremente os preços dos bovinos, sem interferências, não vamos nos esquecer das condenações de vários frigoríficos pela formação de cartel, segundo parecer do CADE.

  4. Fernando Cardoso Gonçalves disse:

    A produção de terneiros vem se reestruturando após um longo ciclo de prejuizo de todo o setor produtivo da matéria prima que a Abrafrigo tanto quer.

    Esta crise acabou proporcionando a crise de oferta de gado para abate. No meu municipio, Santiago, RS, foram abatidos 28 mil cab de gado (machos e fêmeas) em 2005, 38.000cb em 2006 e apenas 15.000 em 2007. O ano de 2008 está com tendência de manter o mesmo de 2007. Porque será que isso está acontecendo. Seria bom para o Brasil essa oscilação de oferta?

    Olhando globalmente essa super oferta de 2006 e a crise de oferta logo em seguida em 2007 ela será benéfica para todos, como o senhor mesmo pergunta.

    De outra forma, acredito eu que em qualquer fazendola o dono vai se preocupar com o estoque de gado que ele possui, e em segundo lugar vai tentar produzir o máximo possível com aquela existência. Não se preocupe porque o produtor vai produzir o terneiro que será o boi de abate logo em seguida.

    E essa é a contribuição que nós produtores damos para a cadeia produtiva que tanto é comentada. Se há terneiros, até os impostos são gerados. Se não houver, nem eles precisarão ser pagos.

    A famigerada cadeia produtiva, tem servido apenas de prisão para o produtor e não como uma corrente de elos. A ótica está distorcida. O sentido está ambíguo. Vocês dizem uma coisa e nós outra!

    Aponte o canhão para o lado do varejo! Para a Exportação!

    Ninguém fala do Varejo. Parece que lá existe um arcabouço de proteção. Mas se formos estudar o assunto, é possível tirarmos alguns dados importantes para exemplificar o quanto estamos sendo expoliados.

    Não aceito o argumento de que os mercados são distintos e não interagem entre si diretamente. O varejo trabalha com prazo para pagamento; normalmente 45 dias (trabalha com o nosso capital).
    O varejo vende a vista (aplica no mercado financeiro e fatura mais um pouquinho).

    O varejo coloca uma margem de 30 a 60% de lucro sobre o produto carne.

    A rotação de capital que o varejo possui é muito maior que a do frigorifico e este é muito maior que a do produtor. A lucratividade do sistema pecuário para o produtor anda perto de zero. Em compensação para o frigorifico sobra tanto que muitos frigorificos expandiram suas plantas Brasil a fora e até pelo mundo.

    A carne no mercado internacional subiu 40% ano passado.

    Se o Brasil é o maior produtor de carne no mundo, temos que repassar custos para quem quer nos comprar carne. Temos que parar de adular o varejo.

    Pois muito bem, lhe faço uma proposta. Sem emoções!

    Porque a Abrafrigo não senta pra discutir o assunto com os produtores, e unidos conversaremos com o varejo! Quem paga a conta é o consumidor, disso nós sabemos, só que o bolo está mal repartido. Assim como os frigoríficos, nós produtores temos crises e melhoras eventuais. Se tentarmos trabalhar para uma estabilização de oferta e projetar a exportação a longo prazo, tenho convicção de que teremos um futuro interessante pela frente. Cada um fazendo sua parte.

  5. José Luiz Martins Costa Kessler disse:

    Bem-vindo Sr. Péricles!

    Que bom saber que a Abrafrigo quer participar do debate e se propõe a raciocinar em cima do interesse geral. Não tem sido esta a impressão colhida pelos produtores.

    Aqui no RS, a indústria da carne ditou as regras após o episódio da aftosa em 2001 e não demonstrou interesse em rever suas posições até que o abate de ventres e a exportação de gado em pé sinalizassem uma redução da oferta.

    Aliás, enquanto se capitalizavam com o lucro gerado com o abate indiscriminado de vacas baratas, não demonstravam nenhuma preocupação com a continuidade do processo. Como cita o Fernando Gonçalves necessitamos de mais de 3 anos para ofertar o novilho e este fato parece não ter sido considerado.

    Para o alento de todos, verifica-se que já se realiza uma retomada na produção de terneiros com ganhos de eficiência através do melhoramento genético e incorporação de novas tecnologias. Mas ainda restam muitos desafios a serem superados e certamente estes debates contribuirão para o enfrentamento.

    Parabenizo as excelentes contribuições.

    Abraço a todos.