O expressivo aumento dos embarques brasileiros de couro bovino à China não está sendo comemorado pelos exportadores. Ao contrário, o setor está preocupado com a estratégia chinesa de manter o Brasil como principal fornecedor de matéria-prima e firmar-se no mercado internacional como exportador de manufaturados de couro, de maior valor agregado.
No primeiro trimestre deste ano, as exportações de couros e peles ao mercado chinês cresceram 94%, para US$ 40,3 milhões. Metade disso, numa conta aproximada, refere-se ao primeiro estágio da produção do couro. “A China quer muita matéria-prima para gerar manufaturados e emprego lá”, diz o presidente da Câmara das Indústrias de Curtumes do Brasil, Amadeu Fernandes.
A estratégia chinesa foi exposta no mês passado, em Hong Kong, no encontro mundial do Conselho Internacional de Curtumes, entidade que reúne 98 países produtores de couro. Fernandes, que é vice-presidente dessa entidade, ouviu dos chineses que hoje a China dispõe de 40 milhões de couros (cada couro equivale a um animal), mas precisa do dobro para suprir a demanda interna e seus compromissos de exportação e que o Brasil foi eleito como o principal fornecedor. “Respondi que o Brasil também precisa gerar emprego, exportar valor agregado, e que essa estratégia precisaria ser conversada. Os chineses ficaram pensativos”.
Enquanto a China informa sua capacidade produtiva de couros, o Brasil no ano passado produziu 36 milhões. Este número pode chegar a 45 milhões em 2010. Mas é uma meta modesta comparada ao que se pode esperar da China. “Existe grande possibilidade de, no futuro, a China ter um grande rebanho e ser um sério competidor do Brasil”.
Essa situação poderia ter sido evitada se “a política industrial no Brasil não tivesse ficado estagnada nos últimos dez, doze anos”. Em 1993, lembra ele, o Brasil exportava algo em torno de US$ 2,5 bilhões em manufaturados de couro e a China cerca de US$ 2 bilhões. No ano passado, enquanto as exportações brasileiras somaram US$ 2,8 bilhões, as da China chegaram a US$ 16 bilhões.
Indústria
A indústria brasileira de calçados já vem sentindo a força da concorrência chinesa há cerca de dez anos. Até então, o Brasil conseguia fabricar e exportar calçados esportivos das marcas Nike, Reebok e Adidas, além de calçados de couro. Esse mercado, agora, é dominado pelos chineses, que também estão empurrando o Brasil para fora dos EUA no segmento de calçados femininos de couro, com solado de borracha. Ao Brasil restou a opção de exportar calçados mais sofisticados e para outros países, embora os EUA continuem sendo o maior comprador do sapato brasileiro.
Segundo dados da Abicalçados, as exportações totais aos EUA em 2003 somaram pouco mais de US$ 995 milhões, com queda de 3% em relação a 2002. O número de pares cresceu só 1% para o mercado americano. O total exportado foi de US$ 1,5 bilhão, com alta de 7%. Essa expansão foi possível graças a um aumento de vendas para Argentina, México e Europa, com destaque para Reino Unido e Espanha.
Fernandes calcula que se o wet blue fosse manufaturado internamente, poderiam ser criados 350 mil empregos, com receita cambial de US$ 6 bilhões. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) decidiu criar um grupo de trabalho para estudar o assunto.
Faz parte dos planos dos produtores brasileiros reverter a lei que vai zerar o imposto cobrado na exportação do wet blue em 2006 (hoje é de 7% e em 2005 cai para 5%). “A Argentina cobra 25%, a Rússia 20% e a China tem barreiras não-alfandegárias. Nós somos favoráveis ao livre comércio mundial, mas se nossos competidores taxam a exportação do wet blue para estimular a produção de manufaturados, o Brasil deveria fazer o mesmo”, afirma. Fernandes acredita que em junho o ministro Luiz Fernando Furlan poderá ter uma resposta aos exportadores.
Fonte: Valor OnLine, adaptado por Equipe BeefPoint