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Fair enough

Existe uma mudança de comportamento fundamental do consumidor europeu, estudada pelo Prof. Jean Yves Carfantan da AgroBrasConsult. Essa mudança começa a se refletir na forma como as grandes redes varejistas adquirem seus produtos e na forma como a União Européia audita seus fornecedores externos.

Existe uma mudança de comportamento fundamental do consumidor europeu, estudada pelo Prof. Jean Yves Carfantan da AgroBrasConsult. Essa mudança começa a se refletir na forma como as grandes redes varejistas adquirem seus produtos e na forma como a União Européia audita seus fornecedores externos.

Se antes o consumidor queria um produto que lhe proporcionasse saúde/beleza e segurança alimentar, hoje esses parâmetros não são por si só suficientes. Além disso, o consumidor quer ter a consciência tranqüila. Quer saber que o que compra não foi produzido às custas de devastações ambientais, sofrimento de animais ou trabalho escravo ou infantil. A empresa que consegue garantir isso ao consumidor está a uma imensa distância da concorrência.

A política dos varejistas europeus, e dos americanos logo no encalço, certamente ultrapassará fronteiras, já que as grandes redes são hoje multinacionais presentes em todo o planeta. O que hoje é incentivado em termos de sustentabilidade e bem estar animal, amanhã será exigido.

Provavelmente, nos rótulos do futuro terão que aparecer menções de quanto carbono foi emitido na produção daquele determinado produto, ou quanta água foi gasta, quantos km ele percorreu até a prateleira, acompanhadas de certificações relativas à idoneidade do processo produtivo.

Ok, como parte da cadeia produtora de alimentos acho que podemos aceitar isso. É como dizem “fair enough”. Eu também não me sentiria bem sabendo que alguma roupa minha foi costurada por uma criança chinesa que trabalha 15 horas por dia.

Mas há o outro lado da moeda, raramente discutido quando se fala em sustentabilidade. Todo mundo se preocupa com a forma como algo é produzido, mas pouca gente quer saber o que acontece depois que ele é consumido.

Para onde está indo o lixo produzido nos países desenvolvidos? Onde estão indo os pneus, os plásticos, os resíduos químicos, o lixo radioativo de suas usinas nucleares? Há dias atrás recebemos 1,4 mil toneladas de lixo inglês, mandados em containers para cá como se fosse mercadoria normal. Em seu livro Gomorra, Roberto Saviano conta como as regiões mais pobres da Itália estão sendo inundadas de lixo industrial tóxico produzidos no norte da Europa. A Máfia intermédia as negociações, burla a legislação e enterra o lixo em cada gruta, vale e buraco da Campânia e da Calábria. A Alemanha manda os dejetos de seus milhões de porcos para serem espalhados nos campos poloneses. Que sustentabilidade é essa? Da mesma forma, as redes varejistas que exigem sustentabilidade na produção de carne pretendem fazer algo a respeito das milhões de sacolinhas plásticas distribuídas todos os dias a seus clientes?

Obviamente tanto países industrializados como os em desenvolvimento têm que se preocupar tanto com a forma como matéria prima é produzida quanto com a forma como resíduos industriais e lixo são tratados. Também é obvio que países desenvolvidos tenham menos problemas com o primeiro (até porque eles já devastaram tudo o que tinham a devastar) e mais problemas com o segundo.

O novo paradigma criou uma enorme pressão comercial que é jogada em cima dos exportadores de alimentos e matéria prima para que produzam de forma sustentável.

Para quem compra é fácil exigir controle e transparência do fornecedor. Que tal quem vende exigir controle e transparência do cliente? It’s only fair enough.

0 Comments

  1. Paulo Westin Lemos disse:

    Caro Fernando, excelente suas colocações, parabéns pela coragem de tocar em algumas feridas que a sociedade possui mas prefere eleger um bode expiatório ou um Judas para malhar que no momento é o produtor rural. A tendência para a hipocrisia de boa parte da sociedade, parece irresistível. Queremos apontar culpados para tudo mas não queremos assumir nossa responsabilidade individual sobre os problemas ambientais atuais. Produtor é responsável também, mas não o único. Não precisamos apenas de um Código Florestal, mas sim de um Código Ambiental e principalmente conscientização ambiental. O momento é precioso para ampliar as discussões, para além da esfera rural, o lixo urbano, a poluição dos rios pelas cidades, as emissões e resíduos industriais, exagero de embalagens, biodegradabilidade, impermeabilização das áreas urbanas, arborização urbana, esgôto, etc. O número de árvores urbanas cortadas diariamente nas ruas é absurdamente alto, por motivos que muitas vezes não vão além da queda de folhas que sujam as calçadas e quando os motivos são justificáveis, não se vê o replantio de espécies adequadas. De um modo geral, o cidadão urbano não cultiva e preserva suas árvores mas exige que o produtor rural preserve e cuide de florestas inteiras por conta própria. Ao colocarmos o lixo para fora de casa, darmos a partida em nossos carros confortáveis e possantes, valorizarmos embalagens bonitas e coloridas mas não biodegradáveis e tantas outras atitudes, temos que ter consciência de que estamos contribuindo para a degradação ambiental. Individualmente e diariamente o que parece pouco, cerca de dois quilos de lixo produzido, alguns quilômetros rodados, 50 litros de água utilizados por exemplo, quando somados em cidades que crescem exponencialmente, nos dá uma idéia do impacto ambiental diário que provocamos, sem contar as outras atividades como comercio, indústria, etc. Queremos que os outros façam a sua parte mas não queremos abrir mão de nosso conforto, da estética e da liberdade de poluirmos como bem entendermos. Chega de hipocrisia, principalmente a européia.
    Um abraço