O Food and Drug Administration (FDA), em português, Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos, a agência governamental do país responsável por regular produtos como alimentos, medicamentos, cosméticos, equipamentos médicos e produtos, passou por demissões sem precedentes recentemente.
Agora, há um debate sobre se essa medida irá afetar apenas a burocracia do órgão ou se vão reduzi-lo ao extremo, potencialmente colocando em risco o fornecimento de alimentos do país a mais riscos à segurança.
O governo Trump, com Robert F. Kennedy Jr. à frente do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS), demitiu cerca de 3.500 funcionários da FDA como parte de uma redução de pessoal de 10.000 pessoas no HHS. Kennedy citou a “proliferação burocrática” e a necessidade de cortar uma organização inchada.
Em uma recente postagem nas redes sociais, ele afirmou que o HHS está sendo “recalibrado para priorizar a prevenção, não apenas o tratamento de doenças”. “Nos solidarizamos com aqueles que perderam seus empregos”, escreveu. “Mas a realidade é clara: o que vínhamos fazendo não está funcionando”. O que ainda não está claro é o tipo de impacto que esses cortes terão.
Os cortes representam cerca de 20% do quadro de funcionários da FDA, após demissões anteriores de outros 700 trabalhadores. O governo Trump também anunciou 2.400 baixas nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), principal agência de saúde pública do país. O HHS afirmou que haverá “um foco na racionalização das operações e na centralização das funções administrativas”.
“Os inspetores da FDA não foram afetados, e esse trabalho crítico continuará”, disse um comunicado do HHS. Segundo o governo, os cortes se concentraram principalmente em trabalhadores das áreas de políticas públicas, RH, TI, compras e comunicação, mas, segundo relatos, também incluíram equipes de apoio de áreas como viagens e laboratórios.
“A FDA como a conhecíamos acabou”, afirmou Robert Califf, ex-comissário da agência, em uma publicação no LinkedIn, após o anúncio das demissões. A FDA empregava cerca de 18.000 pessoas quando o presidente Trump assumiu o cargo, embora ela, assim como muitas outras agências do governo, esteja encolhendo.
O Food Six, portal de notícias especializada em política alimentar nos EUA, apurou que mais de 230 funcionários do Programa de Alimentos Humanos foram demitidos, incluindo toxicologistas e microbiologistas que atuavam na segurança alimentar em laboratórios.
Praticamente toda a equipe da Divisão de Ciência e Tecnologia de Processamento de Alimentos da FDA, responsável por pesquisas, testes e desenvolvimento de tecnologias de produção e conservação de alimentos, teria sido dispensada. Segundo autoridades federais de saúde, que falaram com a imprensa sob condição de anonimato, 170 funcionários teriam sido cortados do órgão de fiscalizações e inspeções da FDA.
Alguns funcionários-chave saíram voluntariamente em protesto, como Jim Jones, o vice-comissário da FDA para Alimentos Humanos. Peter Marks, regulador de vacinas da agência, teria sido forçado a sair, e Brian King, o chefe do Centro de Produtos de Tabaco, também foi dispensado.
Enquanto isso, os cortes no financiamento estadual estariam afetando o fornecimento de alimentos. A revista Food Safety Magazine relatou que a maioria das inspeções de segurança alimentar da FDA não é realizada diretamente pela agência, mas por meio de subsídios estaduais, que também estão sendo cortados.
Essas mudanças na agência criam uma instabilidade na manutenção da segurança alimentar. A transparência é uma das vítimas, já que trabalhadores que antes forneciam informações estão sendo dispensados. Isso levanta dúvidas sobre o impacto real em grandes porções — ou mesmo em toda — a cadeia de abastecimento alimentar.
A FDA não regula todos os alimentos, mas é responsável por leite e laticínios, hortaliças, especiarias, nozes, cereais, farinha, leguminosas, sucos de frutas e vegetais, alimentos vegetarianos, suplementos alimentares, água engarrafada, aditivos alimentares e fórmulas infantis. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) controla carnes, aves e ovos.
De acordo com o Journal of the American Medical Association (JAMA), uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo na área da medicina, novas políticas, como o retorno obrigatório aos escritórios e um plano para contratar no máximo um funcionário para cada quatro demitidos, podem levar a mais perdas de postos de trabalho.
“A FDA está em crise. A eliminação indiscriminada de funcionários da FDA — seja por demissão, congelamento de contratações, programas de desligamento voluntário ou pressão para que saiam — vai contra as muitas obrigações legais da agência.”
Sejam ou não “indiscriminadas”, todo tipo de funcionário foi pego nessa rede. Muitos trabalhadores que realizam tarefas essenciais para revisões e inspeções também teriam sido dispensados, como “equipes de laboratório que testam amostras coletadas por inspetores de linha de frente ou que atuam em informática”, segundo o JAMA.
O Departamento de Eficiência Governamental dos EUA (DOGE) afirmou que alguns trabalhadores podem ser substituídos por inteligência artificial (IA). “A IA pode melhorar a eficiência. Mas a tecnologia não pode substituir o trabalho do corpo técnico especializado da FDA”, disse o JAMA.
Uma questão econômica importante pode estar por trás de todas essas demissões. Cerca de metade do orçamento da FDA, de US$ 7,2 bilhões (R$ 41 bilhões na cotação atual), não vem de impostos, mas de taxas cobradas da indústria, autorizadas pela primeira vez em 1992 pela Lei de Taxas de Usuário para Medicamentos sob Prescrição, criada com o objetivo de acelerar a aprovação de novos medicamentos.
Isso significa que esses funcionários não custam nada aos contribuintes. A ideia, em parte, é que a própria indústria deseja que as análises sejam feitas com rapidez, por isso ajuda a financiar a agência.
De acordo com o JAMA, “demitir funcionários que executam trabalhos financiados por taxas da indústria” não trará economia ao contribuinte, pois esses profissionais são pagos pelo setor privado. A publicação ressalta que funcionários pagos com essas taxas também foram demitidos.
A Associação Americana de Medicina Veterinária (AVMA), principal entidade representativa dos veterinários do país, afirmou que os cortes do HHS afetaram mais de 140 trabalhadores do Centro de Medicina Veterinária da FDA e outros que atuavam no Programa de Alimentos Humanos e no Escritório de Inspeções e Investigações da agência.
Sandra Faeh, presidente da AVMA, disse que “apoia esforços para melhorar a eficiência do governo de maneira cuidadosa”, mas que “funções essenciais devem ser preservadas”.
“O trabalho realizado por nossos colegas veterinários nesses departamentos é fundamental para a prática segura e eficaz da medicina veterinária”, disse ela, citando a gripe aviária entre outras preocupações, “e, em última instância, para a proteção da saúde animal e pública.”
A FDA também é responsável por proteger bebês contra contaminantes como chumbo e arsênico em fórmulas infantis. Brian Ronholm, diretor de políticas alimentares da Consumer Reports, organização americana especializada em defesa do consumidor e testes de produtos, afirmou que uma FDA “sem a equipe e os recursos necessários para garantir a segurança dos alimentos coloca todos nós em risco” — especialmente os bebês, que são “vulneráveis à exposição tóxica”.
Entre outubro de 2023 e fevereiro de 2024, mais de 400 casos de intoxicação por chumbo em crianças foram registrados pelo CDC, os quais a FDA atribuiu à canela proveniente de um fornecedor equatoriano utilizada em purês de maçã distribuídos nacionalmente. A vigilância do fornecimento de alimentos não é uma questão apenas teórica, mas uma necessidade concreta.
Segundo a CBS, rede de televisão dos EUA, algumas ações foram tomadas para restaurar funções após as demissões iniciais. A FDA teria informado alguns cientistas e funcionários de inspeção que suas “demissões seriam revertidas”, depois que os cortes afetaram o trabalho com medicamentos e segurança alimentar.
Cerca de 24 funcionários de apoio a inspetores da FDA teriam sido avisados de que suas demissões seriam canceladas, após quase 200 cortes.
A Federal News Network, portal de notícias dos EUA, informou que a FDA planejava contratar prestadores de serviço para substituir alguns dos funcionários.
Uma coisa é certa: independentemente de o fornecimento de alimentos estar ou não em risco, os funcionários da FDA agora podem temer por seus empregos, o que pode levar a ainda mais desligamentos. “Tem sido um ambiente de trabalho hostil”, teria dito um funcionário da FDA à Federal News Network. “A gente se sente desmoralizado”. Enquanto o debate continua, os cidadãos norte-americanos devem ficar atentos ao que comem.
* Louis Biscotti é colaborador da Forbes EUA, onde escreve sobre comidas e bebidas.
Fonte: Forbes.