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Fé cega e faca amolada

Como equalizar essa necessidade de energia para o progresso versus a energia (neste lê-se comida) para o ser humano continuar existindo? Acredito que a solução está no Brasil, tanto para energia renovável quanto para alimentos. Por Hudson Carvalho Silveira, consultor internacional no segmento de alimentos.

As mudanças climáticas pelo mundo têm cobrado um preço alto dos seus habitantes. A grande seca que varreu o meio oeste americano e tomou contornos continentais, no que hoje é chamada de a maior seca do país, nunca vista nestes últimos 50 anos, tem os seus ecos ouvidos até aqui no Brasil, onde o preço do milho dispara.

Desde o início de julho, a seca se alarga e ganha proporções catastróficas, como pode ser visto nos mapas, nos quais é possível observar a severidade e a extensão do fenômeno na comparação com os últimos dois anos. O governo americano está empenhado em ajudar os criadores e agricultores neste momento de dificuldade, colocando à disposição destes US$ 19 milhões em recursos técnicos e financeiros para ajudar a minimizar os efeitos da seca nos rebanhos e também na lavoura, nos 19 Estados mais afetados. Adicionalmente aos recursos acima, US$ 14 milhões também estão sendo disponibilizados de outro fundo de assistência para que os agricultores possam trazer água aos rebanhos em necessidade, reabilitação de terras e demais necessidades imediatas.

Outras ações tomadas pelo Departamento de Agricultura Americano (USDA) buscam também transmitir alívio àqueles severamente atingidos pela seca, tais como: a permissão de pastagem e feno em áreas alegadas protegidas pela Wetlands Reserve Program, onde estas ainda possuírem pasto e água; a redução do tempo de trâmite do processo de decretação de área de desastre em 40% nos condados afetados, para que estes tenham o direito a ajuda de Washington; a redução dos juros para que agricultores possam tomar recursos do Fundo de Reserva de Conservação em caráter emergencial – que citei anteriormente no valor de US$ 14 milhões –; o pedido formal do governo às instituições de seguro de colheita para que  sejam mais tolerantes com atrasos de seus clientes, entre outras medidas; além da clara mensagem do presidente Obama à toda a administração pública federal para que  ajude o USDA nesta luta para amenizar os efeitos da seca aos produtores americanos afetados.

A área central das planícies dos Estados Unidos é a mais afetada hoje. Os Estados do Kansas, Nebraska, Missouri, Oklahoma a Arkansas, alguns Estados vizinhos como a parte sul de Illinois, Kentucky, Iowa, Dakota do Sul e até mesmo o Tennessee e a Geórgia, na área do sudeste, também possuem áreas secas já classificadas como área de desastre ou calamidade.

Bovinos, suínos e aves estão sendo afetados drasticamente pela redução da safra de milho, que se perde com a seca. Estados onde há produção animal, principalmente de frangos, perus e também de suínos, clamam por mais ajuda, além de fundos, no Congresso. Exemplo disso é o pedido formal da governadora de Carolina do Norte, Beverly E. Perdue – por sinal, a grafia do sobrenome é a mesma da Perdue Farms, um dos maiores produtores de frangos do Estado –, do Partido Democrata, e do governador do Arkansas, também democrata, para que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) conceda um afrouxamento da sua política de cotas de milho para fabricação de etanol combustível, cota esta que vem aumentando ano a ano e colocando pressão nos preços do grão para alimento animal.

Os Estados do Arkansas e Carolina do Norte são o segundo e quarto maiores produtores de frangos nos Estados Unidos, respectivamente, e na produção de perus são terceiro e segundo maiores, na mesma ordem. Esse mesmo coro foi seguido pelos governadores de Maryland e Delaware, também democratas, mais senadores, mais congressistas e, também, como não poderia deixar de ser, pelas associações que representam os produtores de gado, aves, suínos, lácteos e alimentação animal, formando uma grande coalizão em prol da flexibilização da política do milho/etanol não só até o final de 2012, mas para uma boa parte de 2013.

Cada parte do país que produz proteína animal clama pelos seus. Nessa coalizão, J.D. Alexander, pecuarista do Nebraska e presidente da National Cattlemen’s Beef Association (NCBA), afirma que apoia o programa de etanol americano, mas salienta que o programa tem feito um grande estrago nas comunidades rurais do Estado de Nebraska e em outros Estados. Michael Welch, ex-presidente da National Chicken Council e CEO da Harrison Poultry na Geórgia, diz que essa colheita menor de 2012 irá provar que a agroindústria americana será devastada, bem como as indústrias de alimentos, os provedores de food service e os consumidores. Trata-se de um setor que emprega milhares de pessoas, porém, com os preços em alta, estes empregos e o sustento das famílias dos criadores acabam sendo colocados em risco. “É urgente que a Agência de Proteção Ambiental institua a lei que permita a flexibilização do uso do milho já.”

Rendy Spronk, presidente da National Pork Producers Council (NPPC) e produtor no Estado de Minnesota, diz que os produtores americanos de suínos estão extremamente preocupados, dado que a seca atinge em cheio as áreas produtoras de milho, afetando a disponibilidade de alimento para os plantéis. O dirigente pede ainda ao EPA que dê um pouco de ajuda aos produtores de bovinos, suínos e criadores de frango e, finalmente, aos consumidores.

Alguns números do Programa de Combustíveis Renováveis (RFS) revelam o tamanho do problema. O RFS produzirá, aproximadamente, 50 bilhões de litros de etanol de milho em 2012 e 52 bilhões de litros em 2013; para isto, serão consumidas 128 milhões e 133,3 milhões de toneladas, respectivamente, de milho da produção nacional. A projeção de produção americana de milho para este ano está estimada em 321 milhões de toneladas, ante uma colheita de 354 milhões no ano passado. Portanto, 40% da produção de milho de 2012 está indo para o programa de combustível renovável da EPA e, sendo a colheita menor, a parcela que sobra pode não ser suficiente para todos. Ao abordar o tema em um de meus artigos anteriores, escrevi que os Estados Unidos estavam iniciando o ano de 2012 com o menor estoque dos últimos anos; e já havia sinalização de que a relação produção x consumo estava justa demais.

Já há algum tempo vem se discutindo esse tema, no qual a matriz renovável de combustível tira espaço no campo para a produção de alimento, em um mundo onde ainda se tem muita fome de comida e de crescimento. Não podemos ser contra o crescimento, pois combustível é energia que gera o desenvolvimento, trazendo benefícios e aumento de renda às populações, porém, este crescimento pode cobrar um custo muito alto aos que habitam neste planeta. Como equalizar essa necessidade de energia para o progresso versus a energia (neste lê-se comida) para o ser humano continuar existindo? Acredito que a solução está no Brasil, tanto para energia renovável quanto para alimentos.

Hudson Carvalho Silveira é formado em Engenharia Química Industrial com MBA em Administração pela Fundace-USP. Possui experiência de 16 anos no setor, em empresas como Wal-Mart Brasil, Bertin e JBS-Friboi. Hoje, atua como consultor internacional no segmento de alimentos.

1 Comment

  1. Guga Bianco disse:

    Parceiros importantes merecem apoio nessas horas. O Brasil precisa ajudar!