Por Raimundo Alberto Tostes1
O problema da Febre Aftosa no Mato Grosso do Sul e a suspeita no Paraná expõe o que temos de pior na Defesa Animal do país: a incapacidade do Governo Federal em manter um controle ao menos razoável do trânsito de animais ao longo de suas fronteiras, o número insuficiente de recursos humanos – principalmente de Médicos Veterinários atuando nas equipes de campo, a carência de recursos materiais e o estado de indigência de laboratórios de referência para o diagnóstico de enfermidades infecciosas.
A preocupação com a Febre Aftosa é continental e demanda esforços que envolvem o setor público e privado. Contudo, é deplorável que ao atuar na investigação de focos o Ministério da Agricultura aja de maneira tão unilateral, obtusa, confusa e enviesada politicamente.
Contradizendo os postulados técnicos que o próprio Ministério adota, foram tomadas medidas que tornam a interpretação dos casos suspeitos no Paraná muito confusa.
No Paraná, esta situação se prolonga há quase quatro meses, sem que a Febre Aftosa – que é uma doença de altíssima infectividade – não tenha manifestado ao menos um surto clínico nos municípios envolvidos. Em mais de 3000 amostras submetidas às provas do ELISA 3abc/EITB poucas foram reagentes.
Há propriedades em que não um único animal reagente! Em centenas de amostras submetidas ao cultivo celular não houve o isolamento do vírus. Uma doença que ao longo dos últimos anos tem se mostrado quase da mesma forma no Uruguai, no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul e agora na Argentina, contrariando todas as expectativas, ao chegar ao Paraná é “inaparente”, “indetectável” e cujo vírus não é isolado de modo algum.
Ao mesmo tempo em que escasseia competência e transparência à equipe técnica do Ministério, abunda-lhes a auto-suficiência e a arrogância atrozes que consomem os soberbos.
O diagnóstico da Febre Aftosa no Paraná está debilmente edificado sobre a condição de reagentes de alguns animais submetidos a exames sorológicos. Tais exames devem levar em consideração fatores altamente relevantes no contexto da realidade brasileira: o fato dos rebanhos nacionais serem submetidos a vacinações periódicas e de que a qualidade da vacina utilizada é potencialmente capaz de interferir na leitura dos resultados.
Ao contestar a dubiedade dos exames sorológicos o Ministério, em um gesto pomposamente simplório, descarta a ocorrência de falsos positivos, vulgariza o conhecimento científico e ignora numerosas e consistentes vozes técnicas em contrário, inclusive vozes do próprio Ministério.
Todo este drama vivido pelos produtores paranaenses nos faz ver que precisamos que a capacidade do Estado em reconhecer e detectar doenças como a Febre Aftosa seja posta à prova pelo crivo de agências independentes, cuja competência não esteja maculada ou contaminada por interesses políticos.
O caráter estritamente técnico da ocorrência (ou não) de uma doença deve ter como foro de discussão o amplo e largo páteo da ciência e não a zona recôndita e obscura de gabinetes nos quais os interesses políticos promovem o eclipse da verdade e lançam os fatos na escuridão.
Vemos, assombrados, que a mais danosa conseqüência desta infame estória de Febre Aftosa no Paraná é a de estabelecer culpados unicamente pela suspeita. E agora, o que esperar de um produtor que perceba o menor sinal de uma enfermidade infecciosa em seu rebanho?
Receio que tenhamos visto surgir uma época em que o medo incutido no imaginário popular por esta trapalhada nos leve ao banimento da assistência veterinária do front dos problemas no campo.
O Ministério da Agricultura avilta a classe veterinária do Paraná, em especial aos técnicos da Secretaria de Agricultura e toda uma equipe de colaboradores de instituições paranaenses as mais diversas: órgãos de pesquisa, universidades, laboratórios. A equipe técnica do Ministério da Agricultura do Governo Federal basta-se a si mesma.
A nós fica um ônus dolorosamente pesado. Mas resistiremos. Não nos abateremos pela truculência das blitz pseudo-técnicas do Ministério da Agricultura. Não nos resignaremos como mansos cordeiros ouvindo prédicas vazias sem ousar contestar. Resistiremos ante ao fundamentalismo científico de uma meia dúzia de tecnocratas arrogantes. Mas não beberemos no cálice da amargura e do ódio.
Estaremos aqui, como sempre estivemos desde o princípio desta crise, trabalhando, colaborando e contribuindo para o bem estar da comunidade. Estaremos aqui esperando ver brilhar uma tríplice luz de ciência, cidadania e justiça. Mesmo reconhecendo que estejamos hoje tão carentes do suporte tecnológico, tão agredidos no usufruto de nossa cidadania e tão ansiosos pelo equilíbrio da justiça.
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1Raimundo Alberto Tostes, médico veterinário, professor doutor e Coordenador do Curso de Medicina Veterinária do CESUMAR
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É uma loucura o que vem acontecendo no plano de Defesa Sanitária Animal neste país, e talvez o setor produtivo da cadeia pecuária não esteja dando a devida atenção ao fato.
Como é que pode ter sido detectado oficialmente pelo Mapa foco de uma doença como a Febre Aftosa em propriedade do Estado do Paraná há várias semanas, e até hoje não ter havido uma definição epidemiológica/sanitária conveniente para o episódio?
Está certo, o dono da propriedade tem que lutar pelos seus direitos, técnicos da Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná afirmam que não se trata da doença, mas o patrimônio pecuário nacional não pode correr este risco. Tem que ter uma resolução e rápida.
Imaginem, se o Mapa estiver certo, a chance de escape do vírus desta propriedade, durante todo este tempo, é muito grande.
Ainda neste século 21, Argentina e Uruguai tiveram centenas de focos da doença com prejuízos imensos, por erros de avaliação do problema.
Temos aqui no Brasil o Centro Panamericano de Febre Aftosa que pode acabar com qualquer dúvida, dando a transparência que se exige a respeito do assunto.
Os representantes dos elos da cadeia (ABCZ, Abiec, CNA, Câmaras Setoriais etc) têm que exigir uma definição urgente para o caso. O setor não merece correr mais este risco.
A dúvida continua.
A quem realmente interessa esse foco e essa demora na solução? Quem está realmente ganhando com isso?
Inexplicavelmente, houve um aumento de 20% das exportações no mês de janeiro e a arroba continua caindo, “por conta da aftosa”.
As palavras do professor paranaense provêm da dignidade e da alma. Todos sabemos que há quase 50 anos o Brasil criou e descriou o Grupo Executivo para Controle e Erradicação da Febre Aftosa (Gecofa), com enorme gasto, e até agora ainda não existe um Protocolo de Atitudes (ação) formalizado para balizar os procedimentos de diagnósticos da doença que, no mundo todo, praticamente, só interessa ao Brasil.
Fomos pegos de calças curtas e o Mapa, como criança que não fez o dever de casa, não quer admitir. Por isso os técnicos ficam queimando diárias e teimando, com a arrogância dos que desconhecem os fatos.
Olá Raimundo, parabéns pelo artigo.
Gostei do modo como colocou as informações e o seu raciocínio sobre este problema que vem afetando fortemente o nosso mercado.
Com certeza esse excelente profissional, Dr. Raimundo Alberto Tostes, é um profundo conhecedor de Patologias dos Animais Domésticos, assim como, um renomado profissional da área de Enfermidades Infecciosas. Portanto, concordo plenamente com a sua iniciativa aqui postada e é com imensa satisfação que vejo, até que enfim, alguém expressar os verdadeiros acontecimentos sobre o que acontece em nosso País. É uma verdadeira bagunça e uma grande incompetência de muitos órgãos governamentais, isso não sou eu quem digo, é o que a nação brasileira visualiza todos os dias.
Parabéns Prof. Dr. Raimundo A. Tostes, mais uma vez eu pude relembrar os meus tempos de faculdade.
Caro Dr. Raimundo Tostes,
Essa febre aftosa é de natureza apenas comercial/econômica, que veio rapidamente atender interesses econômicos de frigoríficos e exportadores de carne. Com a velocidade de um relâmpago, tão logo o preço da arroba ensaiou pequena reação, voltando ao nível de R$60,00.