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Felipe Kleiman fala sobre o sucesso dos produtos cárneos Kosher, destinados a comunidade judaica

Felipe Kleiman concedeu essa entrevista ao BeefPoint, onde descreve os caminhos pelos quais a carne Kosher vem ganhando mercado através da diferenciação do produto, além da certificação milenar do processo de produção de alimentos Kosher. Fala de como o produto conquistou confiabilidade na comunidade judaica e planos para expandir ao mercado tradicional e apresenta formas interessantes de agregar valor em cortes de dianteiro, mais consumidos na comunidade judaica.


Felipe Kleiman é uruguaio naturalizado brasileiro, vive no Brasil desde 1979. Passou a infância e adolescência no interior do Rio Grande do Sul, tradicional região de pecuária de corte. Cursou a faculdade de direito da PUC em Porto Alegre. Atuou em diversos segmentos de comércio, serviços e consultoria. Felipe Kleiman atua também em comércio exterior junto a importadores e traders israelenses e europeus.

Atuando no mercado de carne bovina Kosher desde 1999, assumiu a direção da empresa Kosher Express em 2002. Na época a empresa comercializava carnes Kosher importadas da Argentina. Com sua entrada no negócio, o desafio foi produzir no Brasil carnes da mesma qualidade. Viajou pelo Brasil em busca de animais de genética Angus, já que o ponto de partida, a pecuária da pampa gaúcha, passava por momentos de dificuldade que se estenderam por longo tempo.

Desenvolveu parcerias de produção de novilho precoce e super precoce da raça Angus no Brasil central. Alavancou as vendas, conquistando espaço no mercado Kosher. Foi responsável pelo projeto de ampliação do negócio que hoje conta com uma planta frigorífica de segundo ciclo e fabricação de embutidos, além de duas lojas-conceito, uma no bairro dos Jardins e a outra – QG da empresa com sede própria – no bairro de Higienópolis, em São Paulo. Nasceu então a Livenn, uma marca conceito de alimentos Kosher de alta qualidade. Hoje a empresa produz também carnes certificadas Nelore Natural em parceria com o Frigorífico Independência.

Felipe Kleiman concedeu essa entrevista ao BeefPoint, onde descreve os caminhos pelos quais a carne Kosher vem ganhando mercado através da diferenciação do produto, além da certificação do processo de produção de alimentos Kosher. Fala de como o produto conquistou confiabilidade na comunidade judaica e planos para expandir ao mercado tradicional e apresenta formas interessantes de agregar valor em cortes de dianteiro, mais consumidos na comunidade judaica.

BeefPoint: Você poderia fazer uma breve apresentação sobre o surgimento e o crescimento da marca Livenn e da Kosher Express?

Felipe Kleiman: O Kosher Express trabalha na comercialização da carnes Kosher da marca Livenn, que é um projeto social junto à comunidade judaica. É um projeto que não visa lucro, talvez a rentabilidade, como forma de tornar o negócio saudável. Mas é um projeto evidentemente social, com objetivo de oferecer aos membros da colônia judaica alternativas de produtos Kosher.

Na lei judaica, há diversas regras alimentares, mas o alimento onde há mais rigor do ponto de vista de se consumir Kosher é a carne. É interessante conhecermos um pouco do histórico da colônia judaica, da oferta de carne Kosher para entendermos quais foram as razões pelas quais o Kosher Express foi fundado.

A carne é o produto alimentar de maior importância na dieta religiosa. Não pela questão nutricional, mas pela questão “ou é Kosher ou não é Kosher”. Há outros casos em que pode ser mais aceitável um produto que não passou pela certificação Kosher, mas no caso dos produtos de origem animal, carne e aves, a certificação é obrigatória, condição sine qua non.

Nós tínhamos um histórico, pelo fato da comunidade judaica ser pequena, de poucos negócios atuando com carne bovina e de frango Kosher, com poucas opções em termos de qualidade, atendimento, preço, conveniência. Pode-se dizer que a situação era caótica nesse aspecto. Isso, há cerca de 10 anos atrás. Nesse período, praticamente havia um único player atuando nesse mercado. Não era função social, e que por ser pequeno, por ter pouco volume, e por problemas de ordem empresarial, não oferecia qualidade e o preço era bastante elevado.

Do outro lado, temos uma comunidade numerosa na cidade de São Paulo. Parte com poder aquisitivo alto e parte com situação contrária. E um grupo de pessoas quis dar uma basta nisso, quis moralizar o mercado com uma iniciativa. Criticar é fácil, nós inclusive recebemos críticas “não, está muito chique, tem que usar isso para baratear mais”. Já barateamos bastante os preços, atendemos várias expectativas do público. Mas na época, tinha um pessoal bastante insatisfeito. Imagina, tem-se um padrão de vida: compra a roupa que quer, compra o carro que quer, mantém os móveis que quer, e quando se fala em carne não é o que quer, é o que tem. E isso, falando de uma qualidade que deixa muito a desejar. Há também um problema social em relação ao alto custo da carne Kosher. Para famílias de menor renda, que têm 4 ou 5 filhos, tornava-se difícil suprir adequadamente a necessidade de proteína de carne na quantidade necessária em função do preço elevado.

Então um grupo de voluntários, da comunidade judaica de São Paulo, especificamente da mesma sinagoga, 5 ou 6 pessoas, resolveu fazer algo prático para acabar com isso. Montaram um açougue que vendia carne importada da Argentina, pois como o processo de abate tem uma complexidade grande, e ter uma equipe de rabinos para fazer o abate é algo bastante complicado, o mais fácil foi montar uma parceria com alguns provedores de carne Kosher da Argentina. Montaram uma pequena casa de carnes, originalmente numa garagem, tinha uma geladeira, armazenava em uma local terceirizado, mas oferecia carne Kosher de boa qualidade.

Com o passar do tempo e tendo-se um crescimento, apesar de lento, as pessoas compravam mais do Kosher Express, fazendo com que esse player, que já existia na época, se profissionalizasse mais. Isso alavancou a concorrência. E o Kosher Express também cresceu em volume. Começou com 500 Kg mensais. Hoje temos um volume de frango, bovinos e embutidos de 30 a 40 toneladas mensais e até 50 em meses de pico. Quando eu entrei no Kosher Express, em 2002, o desafio era produzir no Brasil com a mesma qualidade produzida na Argentina, a fim de reduzir o custo, em uma época em que o dólar começava a tornar desfavorável a importação.

Nesse período, começamos a produzir carne de animais Angus aqui no Brasil, através de parceiros. E começou a haver um crescimento maior porque a qualidade era superior e o produto era tão bom quanto o produto da Argentina. Antes, comprávamos o produto “normal” argentino, que era de qualidade. Aqui se fazia um produto diferenciado, um novilho de 18 meses, com 17 a 18 @. Se não for melhor, é pelo menos equivalente, apesar de se falar em cruzamento industrial, meio sangue.

As vendas cresceram paulatinamente e o projeto ganhou simpatia e visibilidade na comunidade. Acabou ganhando força para buscar, junto aos membros da comunidade, apoio financeiro a fim de alavancar o projeto definitivamente. Ninguém esperava lucro, mas que o negócio pudesse um dia atingir um sistema de retro-alimentação e não dependesse de financiamento.

BeefPoint: Como o Kosher Express vem trabalhando junto aos consumidores a comunicação do produto?

Felipe Kleiman: Aconteceu uma mudança no Kosher Express, que continua sendo a mesma empresa totalmente remodelada. Foi criada uma marca nova, uma “marca livre”. Todo o projeto foi feito em cima de uma pesquisa de opinião. Foi contratada uma empresa francesa, a Chetochine Consulting Group, uma das mais importantes do mundo em pesquisa de varejo.

Eles foram até a comunidade descobrir o que as pessoas querem hoje. As pessoas querem algo moderno, com apelo forte de saudável. E que o Kosher fosse apenas uma especificação obrigatória, mas não que não fosse “o diferencial”. Vale lembrar que antigamente, se era Kosher, então acarretava, infelizmente, várias situações de qualidade inferior. Kosher era relacionado com baixa qualidade. Então as pessoas queriam que o Kosher fosse apenas um sine qua non, mas que perdesse o brilho diante das outras características que as pessoas esperavam. Essa empresa de pesquisa nos forneceu um feedback maravilhoso sobre toda essa manifestação.

Além disso, pudemos contar com uma empresa de propaganda e design fantástica, a Zero19 de Campinas, responsável por toda a nossa comunicação visual. Baseados na pesquisa de mercado foram propostas várias formas de abordagem de programação de identidade visual. A programação visual que foi abordada reporta claramente as demandas que foram descobertas através da pesquisa. O nome foi uma construção lenta de muitas rodadas de debates, de nomes que reportassem as coisas que estão descritas no anseio do público.

Falou-se em “n” coisas, sempre em nomes não judaicos. O Kosher não precisa necessariamente ser judaico, o Kosher tem um ponto de partida religioso, daí para frente ele pode ser algo cosmopolita, e é o que as pessoas queriam. As pessoas queriam uma coisa de qualidade, uma coisa que dá satisfação simplesmente de olhar, de pegar, de levar para casa um produto de uma empresa moderna que tem uma outra cara.

Diante de uma centena de nomes votados, havia uma referência à palavra vida. Em vários idiomas. Em Holandês, “Leven” significa vida. Fez-se uma votação com os membros, os voluntários, mais o pessoal da empresa, o pessoal do design, e ficou Livenn.


Figura 1. Rótulo de produto da marca Livenn

BeefPoint: Para uma carne ser considerada Kosher, quais são os principais atributos necessários?

Felipe Kleiman: Primeiro os atributos que dizem respeito aos animais em si, ao pré-abate, são bastante elementares. Primeiro o animal deve estar saudável, sem nenhum critério especial, tem que estar se movimentando com as próprias pernas e estar consciente, capaz de reagir a estímulos visuais. Aí o caso de animais que caem no curral e ficam pisoteados, com estruturas imóveis, não servem. Mas isso acontece uma vez por dia, talvez, nos frigoríficos grandes que abatem mil cabeças, é uma proporção pouco significativa.

No pré-abate não há grandes especificações. Os animais Kosher são os animais que conhecemos comercialmente, exceto o porco. Temos, por exemplo, bovino, frango, peru, pato, cordeiro e caprino. O suíno é o único proibido dos mamíferos comerciais. Todos os ruminantes com casco fendido são Kosher.

O abate precisa ser feito não apenas sob supervisão, e sim por uma pessoa habilitada para tal, da religião judaica, que estudou e teve uma formação teórica e prática em abate. A degola precisa ser um procedimento o mais indolor possível, o animal é imobilizado sem atordoamento, porque isso desclassificaria o animal – o animal atordoado seria como um animal em coma, semi-morto, um animal inadequado para o abate.

O abate começa com a secção dos grandes vasos, e é preciso cortar a maior parte da traquéia e do esôfago. E o detalhe mais importante disso é a faca, que precisa ser especial, comprida e reta como uma régua, não ter ponta nem curva, e ela precisa ter o fio absolutamente indefectível.

O rabino tem que fazer um exame na unha a cada degola para ver se o fio da lâmina está lisinho, se está correndo macio, ou se tem algum dentinho, para poder degolar, sob pena de o animal não estar Kosher. Um detalhe importante é que a maior ciência disso é a faca. Fazer a degola é fácil, amolar uma faca da maneira correta, não apenas que ela esteja cortando, mas que ela esteja lisa, isso é uma coisa que atinge um grau obsessivo de perfeição.

Feita a degola, o único ponto de controle, que é o que vai definir se o animal é Kosher ou não, é a revisão das partes internas. Há uma revisão básica das vísceras, ver se o animal engoliu algum prego, se tem algum tumor.

Onde entra o conhecimento avançado e um rabino de 10, 15 anos de experiência e de estudo, é a parte da revisão do pulmão. A lei judaica desqualifica para consumo animais que tenham aderência no pulmão oriunda de alguma fissura no órgão, tanto entre partes do pulmão como pulmão-coração, pulmão-diafragma. Estas aderências são fiozinhos de tecido que se formam. Uma vez identificada, é mapeada e extraída cuidadosamente do pulmão.


Figura 2. Revisão externa dos pulmões, rabino examina aderência

Se houver em baixo da aderência um furo, esse animal já está condenado sumariamente. Isso se verifica através de dois procedimentos. Um é a apalpação interna. Após a retirada das vísceras do animal, o pulmão permanece na carcaça para que um rabino possa apalpar em volta e mapear exatamente onde há aderência. Ele tem um bloco com número do boi, e marca, sobre um desenho do pulmão, onde encontrou uma aderência. Eventualmente, se encontra um animal que está tão cheio de aderências que é impossível classificar, simplesmente ele já o condena. Em geral, em um gado saudável, de um país tropical como o Brasil, não acontece muito isso.


Figura 3. Desenho do pulmão para mapeamento das aderências

Um segundo rabino irá fazer o exame efetivo das aderências. Ele vai receber o pulmão em cima de uma mesa, que é como uma pia, tem água corrente e tem um bocal de ar para inflar o pulmão através da traquéia. Ele tira da mesa rolante o pulmão que já vem com o papel do mapa feito pelo outro rabino, faz o enchimento com ar e, baseando-se no desenho que recebeu, deve procurar as aderências. A cada aderência, ele precisa examinar sua natureza e arrancá-la com delicadeza. Se tiver um furo embaixo, o animal está condenado, se não tiver um furo, se for uma aderência superficial, que se formou a partir da pleura, então esse animal está apto ao consumo.

BeefPoint: Qual é o percentual de desclassificação dos animais no abate Kosher?

Felipe Kleiman: Em um gado jovem com um manejo sanitário muito avançado, há uma taxa de condenação de 10 a 15%. A condenação de um gado comum varia de 20 a 30% em média, eventualmente, varia de região para região.

As aderências têm, basicamente, duas origens. Podem ser fruto de verminose. Tem uma verminose pleural que afeta os animais, em determinadas épocas. Isso também está condicionado a secas ou chuvas. Li em um artigo de uma revista que essa verminose acontece muito na seca, e o fato de o animal estar subnutrido, comendo pastagem de baixo valor nutricional, deixa o sistema imunológico mais vulnerável. A verminose geralmente é mais superficial, são fios mais fininhos, macios. O outro motivo de aderência é seqüela de pneumonia, geralmente ocorrida na época do desmame. A hidatidose também é motivo de condenação sumária.

Nos temos já mapeado situações micro-regionais que fazem muita diferença e não se sabe exatamente o motivo. Temos um fornecedor de gado meio sangue Angus que tem duas fazendas, uma a 200 Km da outra. Tenho certeza que não é pela questão genética. Uma dessas fazendas tem um índice de condenação muito alto, mais de 30%. E a outra, entre 10, 15%. Tem algum fator micro-regional que não conseguimos detectar. Sabemos que quando combinamos abate Kosher, ele não traz o gado dessa fazenda mais problemática. Nessa os animais são destinados ao programa de carne Angus do nosso parceiro José Roberto Morganti, da Supreme Meat.

Depois do processo de abate, tem mais uma implicação de ordem religiosa que é a salga da carne. Na verdade não é uma salga como charque, a carne precisa ser submersa em água normal por 30 minutos, depois ela precisa ser recoberta com sal grosso e deve ficar em gotejamento por uma hora para eliminar o excesso de sangue. Ela passa, então, por uma lavagem com água corrente, para retirar o sal fisicamente, e depois por 3 imersões também em água normal, limpa, para retirar os vestígios de sangue da superfície, e de sal.

Depois disso, o procedimento de preparo não muda em nada, exceto na fábrica de embutidos, onde fazemos processados de carne. Todos os ingrediente devem ser Kosher, devem ser examinados para saber se não há nenhum traço de insumos proibidos. Para finalidade de uso com carne, insumo proibido pode ser qualquer coisa à base de proteína de leite, pois a carne e o leite são proibidos de serem misturados pela religião judaica. E outros insumos, como corantes e qualquer produto à base de insetos, também são proibidos, mas isso é mais simples, dá para saber na fórmula exatamente o que não comprar.

BeefPoint: Há uma estimativa do tamanho do mercado de carne bovina Kosher no Brasil?

Felipe Kleiman: O que sabemos é que o Brasil tem 180 mil judeus. Só em São Paulo são 80 mil. Hoje há um mercado em São Paulo de mais ou menos 15 mil pessoas que são consumidores habituais Kosher. São os religiosos que seguem isso por uma questão religiosa e não por uma circunstância qualquer. No Rio de Janeiro deve haver outras 7 a 8 mil pessoas.

Quando digo que o projeto tem uma função social, não é apenas de melhorar a qualidade de vida de consumidores, e sim de poder atrair mais pessoas, não para podermos ganhar dinheiro, mas também para poder haver escala. Uma das bases do projeto Livenn é de atrair. Todo judeu que come Kosher sabe o grau de importância, até em detrimento de outras práticas. São práticas religiosas que fazem parte das pessoas que seguem à risca a religião, mas, existem graus de importância muito distintas. Qualquer judeu que come Kosher como uma prioridade, uma convicção, sabe que uma das coisas mais importantes é que um outro judeu, mesmo que não seja praticante da religião, também coma Kosher.

Então, um dos objetivos do projeto é ampliar o consumo do Kosher combatendo os principais motivos de rejeição. As pessoas rejeitavam o Kosher porque era ruim, caro e difícil de achar. Nós trabalhamos todos os fatores de qualidade da carne. De processamento, o visual, o atendimento, o preço e a conveniência. Temos lojas bastante adequadas, mesmo considerando as questões de atendimento, estão bem localizadas, em pontos de alta circulação das pessoas da colônia judaica. A nossa idéia é também poder levar os produtos para os principais supermercados das regiões que têm uma quantidade grande de judeus.


Figura 4. Ponto de comercialização Livenn em São Paulo

O objetivo é conseguir reduzir o índice de rejeição das pessoas não religiosas, daquelas que estão preocupadas com as questões de qualidade do produto, que eles vejam num produto Kosher, que ele não perde para outros produtos convencionais. Isso tudo tem um trabalho sendo feito através de ações de marketing de campo, de degustação, e através de eventos dentro da colônia judaica. Depois, obviamente, esperamos crescer também para o setor não judaico. Já há, regularmente, outras capitais brasileiras que têm mercados varejistas de produtos Kosher, atendemos constantemente o Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre, Recife, Belém etc.

BeefPoint: Uma das características da carne Kosher é que ela é geralmente, ou quase sempre, de cortes do dianteiro. Como vocês têm trabalhado essa questão garantia de maciez do dianteiro, de escolha de cortes? Como trabalhar a questão de qualidade, lembrando que maciez é um dos principais quesitos de qualidade?

Felipe Kleiman: Aqui tem duas coisas interessantes, dois paradigmas. Primeiro é que realmente uma parte grande das peças do dianteiro são carnes mais duras, pela própria função na estrutura física do animal. O outro paradigma é que existe muito mais no dianteiro do que o público conhece.


Figura 5. Somente o dianteiro pode ser consumido na produção Kosher

Nós partimos sempre do princípio de que é fundamental que possamos ter uma qualidade de boi excelente para poder ter um dianteiro excelente. Assim, tem realmente carnes do dianteiro que são muito nobres. Temos cortes muito interessantes que são fruto de pesquisa nossa, que nada mais é do que explorar de maneira artesanal, avançada, o que já existe. Partimos de conhecer anatomicamente todos os músculos do dianteiro e fizemos durante muitos anos vários tipos de testes para poder tentar entender, porque não se resume só a paleta acém e peito, tem muito mais que isso.

Na paleta, se falarmos em cortes primários, nos referimos a cinco ou seis cortes. Se separarmos cada um, respeitando a anatomia, temos mais de 10. O próprio acém, tem mais de 10 músculos. Óbvio, o acém tem partes que não adianta muito diferenciar uma da outra porque grande parte delas vai ter aquela consistência tradicional do acém que se destina à panela, mas trabalhamos com a idéia de um boi de qualidade. Não sei quem reclama a autoria dessa frase “não existe carne de segunda, existe boi de segunda”. Isso é verdade, a única maneira de conseguir produzir um corte de dianteiro pelo menos compatível com a maioria dos cortes de traseiro é se o produto tem uma boa origem e qualidade.

Desenvolvemos durante muito tempo um trabalho com a carne do meio sangue Angus, que realmente tem um grande impacto, principalmente nesse caso que pesquisamos novos cortes, novas aplicações. Nós estamos trabalhando hoje com um volume alto de gado Nelore. Também sabemos que é verdade que, num gado de qualidade, bem acabado, com um bom rendimento de carcaça, a possibilidade de se ter cortes macios é muito maior do que num animal que não atingiu o peso de abate e que também não tem acabamento de gordura.

Por outro lado nos temos uma variedade grande de cortes próprios que foram desenvolvidos por nós mesmos que partem desse princípio da experimentação, pegar todos os mini-músculos e tentar detectar a vocação daquele produto. Tem produtos que se corta no sentido paralelo das fibras, que é o modo “errado”, mas atinge-se uma qualidade melhor, isso é uma coisa que acontece raramente, mas tem cortes que fazemos assim.

Temos hoje, dentro do miolo do acém, cortes interessantes, na paleta temos desenhos de cortes interessantes, a própria raquete é um produto que quando eu entrei aqui as pessoas não gostavam porque tem aquele nervo no meio. Hoje é uma carne das que tem mais saída, porque desenvolvemos outros cortes baseados nela, limpando e separando a carne daquele nervo, e isso proporciona um churrasco muito saboroso. Compatível com o miolo de alcatra. Isso dito por pessoas que não são da colônia e que, portanto, comem regularmente carne de boa qualidade de traseiro.

BeefPoint: Vocês conseguem ter cortes de dianteiro, trabalhados de uma forma especial, que são similares a cortes tradicionais do traseiro considerados de altíssima qualidade.

Felipe Kleiman: O que não dá para inventar muito são os formatos, mas o desempenho de maciez, sabor e suculência, tem muitos produtos nos quais conseguimos um alto grau de similaridade em termos de sabor e qualidade com cortes tradicionais de traseiro. Um filé mignon é uma coisa impossível de ser feita, mas se falarmos em cortes como um Baby Beef, um Chateaubriand, “enganamos” bons consumidores de carne.

BeefPoint: O que você definiria como boi ideal em idade, peso, acabamento de gordura e raça, as diferenças para este trabalho?

Felipe Kleiman: Vou falar do ponto de vista do consumidor. A melhor carne que eu tenho comido nos últimos 5 anos é a carne que produzimos a partir do gado meio sangue Angus, obrigatoriamente confinado, por pelo menos 120 dias, animais com 18 meses, ou até abaixo. Costuma-se abater animais com 15 a 16 meses, com peso de carcaça superior a 17,5 @ e com acabamento de gordura de 6 a 8 mm, machos castrados, fêmeas também e com o mesmo peso. É uma performance de confinamento até um pouco desconhecida do público. As pessoas até acham que nos enganamos quando falamos em fêmeas de 18 meses com 18 @. Mas é verdade, sabemos do que estamos falando.

Eu acho que as carnes do dianteiro de um animal dessa qualidade são capazes de colocar em total confusão um degustador profissional de carnes. Quando eu digo isso, realmente estamos falando de uma diferença de qualidade gigante de um animal da raça Angus para a raça Nelore. Você é capaz de colocar em curto-circuito a cabeça de um degustador profissional de carnes com muitos dos cortes preparados com a carne do dianteiro do Angus.

O mercado como um todo pode se beneficiar desse conhecimento. Falta ao mercado criar produtos com valor agregado. Vende-se por aí a peça X inteira ou em bifes. A criação de produtos diferenciados com o porcionamento como base, pode modificar muito os hábitos do consumidor e a rentabilidade da carne bovina.

BeefPoint: Qual é o padrão ideal de Nelore

Felipe Kleiman: O padrão ideal de Nelore, será uma briga ainda durante alguns anos, até que os criadores consigam atingir animais um pouco mais precoces. Mas padrão ideal de Nelore é que se consiga chegar as 17, 18 @ o mais cedo possível, 24 a 30 meses.

BeefPoint: Vocês não abatem animais Nelore que passaram por esse período de confinamento, semelhante ao de animais Angus?

Felipe Kleiman: Não. Sempre tentamos trabalhar com produtos diferenciados. Quando trabalhamos durante anos somente com Angus, qual era a razão? Dar seqüência à tradição que havíamos construído de vender carne argentina. Continuamos com esse trabalho num momento que o consumidor brasileiro mal começa a despertar para a qualidade da carne Angus.

Em determinado momento, resolvemos colocar um produto também com um valor diferenciado, baseado nessa demanda por alimentos mais saudáveis que existe hoje em dia. Então, o que nós buscamos? O Nelore Natural, um animal que é certificado pela ACNB (Associação dos Criadores de Nelore do Brasil), e que é produto exclusivamente de pastagens e altos critérios de classificação de carcaça e idade. Nosso parceiro fornecedor, que é o Independência Alimentos, adquire todos os animais de pastagens daquela região, do pantanal, do Mato Grosso do Sul. Região de Aquidauana, Bonito, Anastácio.

Não quisemos simplesmente sair do Angus e ir para o Nelore “vala-comum”. Mantemos dois produtos muito distintos entre si para que o consumidor escolha. Temos inclusive a certificação da ACNB, junto com esse parceiro. Em função de demanda dos consumidores (principalmente mulheres), fomos para um animal que tem menor quantidade de gordura. Vai interferir na maciez da carne, mas o consumidor quis isso, desde que seja realmente saudável.

BeefPoint: No comércio de carnes há, algumas vezes, rejeição à carne embalada a vácuo, as pessoas querem ver a carne ser cortada. Você poderia falar dessa experiência, de vender carne de valor agregado e a carne ser 100%, ou quase 100%, embalada a vácuo, ou congelada?

Felipe Kleiman: Nós tivemos aqui a rejeição do público, em relação a embalagem a vácuo. A mesma que acontece no mercado normal brasileiro. Todo mundo sabe que as pessoas têm quase um “instinto” de querer saber exatamente o que estão levando. Embalagem a vácuo, a pessoa precisa confiar um pouco mais na marca ou no estabelecimento que está comprando, pois as características fundamentais da carne não podem ser aferidas de imediato.

Embalagem a vácuo apresenta a carne de uma maneira um pouco desagradável ao consumidor pela cor e o líqüido na embalagem, mas está provado cientificamente que é o melhor método de conservação de carne resfriada. E que é normal ter alterações visuais e de odor, e em 10 minutos a carne é restabelecida ao estado normal. Por que eu digo que é um desafio a ser vencido com a confiança também, não só com a informação? Uma embalagem a vácuo pode estar em perfeitas condições de consumo, ou não, e a carne estar com a mesma aparência perfeita por fora. Ou seja, o mesmo caldo, a mesma cor. Pode haver alteração na cor ou no caldo, mas no linear, uma carne vencida é igual à carne que está em perfeitas condições antes de abrir o pacote. Por isso o cliente tem que ter confiança na marca e no estabelecimento para saber que quando chegar em casa e abrir, só vai encontrar uma coisa: uma carne que vai voltar ao normal, que vai recuperar a cor vermelha e que não vai ter aquele odor desagradável. É a forma como o vácuo ainda vai vingar.

Se a pessoa não sobrepujar o que ela está vendo através das informações que recebe, e que ela acredita – que aquela carne tem melhores condições do que se estivesse em uma embalagem convencional -, se ela não trabalhar o instinto através da informação, ela continuará rejeitando. Nosso público não é diferente, rejeita bastante, mas temos um trabalho que nos qualifica através da confiança.

É como dizer ao consumidor: “por favor leia a etiqueta que colocamos, que não é obrigatório, mas que fazemos questão de colocar com todas as instruções, dicas de conservação e explicando a questão do vácuo, do cheiro desagradável nos primeiros segundos de abertura, faça a experiência, abra o pacote. Se a senhora acabou de abrir o pacote, leia as instruções e ligue-nos caso fique insatisfeita”.

Eu acho que o consumidor ainda vai entender o vácuo como uma coisa extremamente positiva para ele, e isso só vai acontecer quando ele sobrepujar esse instinto, de rejeitar aquilo, baseado em informações que realmente convençam.

Um exemplo interessante do que falamos sobre confiança do consumidor e que o marketing cumpre papel fundamental é o exemplo da Coca-Cola. Quem beberia um líqüido escuro sem saber e confiar que é uma bebida refrescante?

BeefPoint: Que nível de confiança você acredita estar a carne Livenn em relação ao consumidor?

Felipe Kleiman: Eu acredito que os clientes já aceitam a idéia da embalagem. Nossa história tem construído uma relação de muita credibilidade junto com o mercado. É algo em que os clientes são críticos e nos retornam a percepção deles. Mostramos o fato de termos investido pesadamente em tecnologia. Com a credibilidade que adquirimos, nós mostramos que isso é o melhor.

Para podermos transportar em boas condições e manter esse preço, atingir uma qualidade de entregas e de durabilidade é preciso trabalhar com o vácuo. Não vou dizer que os clientes aceitam passivamente, tem gente que reclama, mas nós não podemos atender de duas maneiras diferentes, porque nós temos uma base de produção que fica a 50 km dos nossos pontos de venda.

Não podemos fazer carne em bandejinha ou em sacola com a ponta amarrada. Por isso acabamos de certa forma impondo, “olha, é um projeto moderno, usa o que há de melhor em tecnologia, você tem que confiar nisso”. Em contrapartida, percebem que o que há de melhor é o que decidimos investir em nosso negócio.

Compramos uma máquina muito cara, que é uma seladora de bandejas com atmosfera modificada. As pessoas simplesmente não estavam preparadas para isso. Se destinava à carne moída. A comunidade judaica consome muita carne moída, faz muitos pratos típicos. Uma máquina pequena que embala 4 bandejas por vez custou R$ 130 mil, mas a bandeja é grande, porque ela precisa ter espaço para a injeção dos gás carbônico. E as pessoas detestam porque ocupa espaço no freezer. Tenta-se explicar que espaço no freezer é para alimentos altamente perecíveis, o produto na atmosfera modificada não precisa congelar, porque ele dura quinze dias. “Daqui a 15 dias você vai lá e compra mais”. Embora façamos um trabalho “boca-a-boca” com o cliente, não adianta se ele quer comprar e quer armazenar em casa.

Estamos pensando em colocar a carne moída e congelada em tubete, mas é feio. A carne moída quando você aperta com plástico, o branco da gordura se espalha, porque a gordura é mais macia que a carne. Se uma carne tem teor de gordura de 10%, aparenta 50% quando embalada no tubete ou no vácuo. Quisemos dar ao consumidor o que há de melhor, essa bandeja de atmosfera modificada só é usada aqui no Brasil pela Bassi.

BeefPoint: A Livenn, buscando atender a demanda da comunidade judaica, tem desenvolvido produtos a base de carne bovina e de aves similares a tradicionais produtos de carne suína, como o presunto. A oferta desse produto pode levar a um aumento de demanda por carne bovina, uma vez que na categoria “lanches rápidos” quase não há ofertas de carne bovina. Na sua opinião, qual a viabilidade de se produzir presunto, com os cortes bovinos de menor preço, para se competir no mercado tradicional de presunto, dominado pela carne suína?

Felipe Kleiman: Eu acredito que na indústria de embutidos, nunca ninguém cogitou desenvolver produtos somente a base de carne bovina, sem adição de carne suína. Acho que está muito enraizado na cultura do embutido, que vem basicamente da Europa. De um lado você tem o modelo italiano, de outro o modelo alemão, ou outros, como o polaco, húngaro, de produção de embutidos. Nesses países, pelas condições de inverno, a produção de carne bovina sempre foi mais difícil, as pequenas propriedades sempre trabalharam com o suíno. Um animal que se confina numa área pequena.

Por outro lado, os produtos sempre foram aprimorados, mas mantendo as formulações básicas. Hoje se usa produtos funcionais, proteína de soja, alta tecnologia, mas também não se abre mão daquele produto básico, daquele gosto que foi impresso ao longo dos anos, da carne suína.

No projeto, uma das bases fortes é o embutido. Para atingir volume, viabiliza-lo economicamente tentado atingir o público não-judeu com embutidos, porque o público não vai deixar de comer um filé mignon para comer uma ponta de contra-filé, mesmo que seja muito boa. Então, na carne em si, não vai haver esse tipo de fenômeno. Vamos tentar desenvolver esse tipo de oportunidade no embutido e também no frango.

De fato, todos os embutidos que produzimos têm grande potencial de mercado também fora das comunidades judaicas do Brasil, por oferecer uma alternativa à carne suína sem abrir mão de sabor e qualidade. Quanto ao nosso produto similar ao presunto, acredito que ele pode competir, em certa escala, com o presunto suíno. Porém deverá encontrar mercado em nichos mais seletos. Esse produto demanda muita tecnologia e cuidados artesanais para atingir a qualidade esperada.

Quanto à produção do presunto alternativo pelo mercado como um todo, penso que essa moda deve pegar, pois há uma grande demanda por produtos alternativos. Nos Estados Unidos, o pastrami de peru divide o mercado meio a meio com o pastrami bovino. Pelo que me consta, no mercado brasileiro tem um presunto de peru de altíssima qualidade.

Sobre os embutidos cárneos, quero acrescentar que, em breve o consumidor estará mais informado e exigirá padrões de qualidade de matéria prima mais elevados. Penso que podemos chegar a ter um certificado de “CMS Free” (livre de carne mecanicamente separada).

BeefPoint: Nos embutidos são utilizados cortes de dianteiro que não são macios?

Felipe Kleiman: Nós usamos basicamente como matéria-prima para os embutidos carnes do acém, músculo, e cortes magros. Pelo nosso padrão de toalete, já vem do frigorífico a carne 100 VL, é 100% “red meat” (Visual Lean, 100% vermelha). A única gordura que pode ser vista na nossa carne, ou é oriunda do marmoreio – não é externa -, ou de cortes especialmente preparados com gordura.

Esse mercado interessa bastante, é um mercado que está sendo desenvolvido a longo prazo, 10 anos, mas que pode representar um volume grande para o projeto, e que pode ajudar a sustenta-lo. Hoje o projeto está numa fase inicial, está dentro do previsto.

BeefPoint: Como você avalia hoje no mercado a demanda por carne de qualidade, carnes especiais, com garantias e certificação em relação ao que é ofertado hoje em São Paulo, por exemplo?

Felipe Kleiman: Eu vejo que há poucas opções para o consumidor de classe A de produtos realmente alternativos, não apenas com rótulos alternativos. Produtos de carne orgânica, simplesmente não existem. Tem alguns produtos do Friboi, mas a grande parte de gado orgânico, a carne é exportada.

Sem dúvida a população de alta renda não só está preocupada com a saúde, como tem um poder aquisitivo que lhes permite pagar mais caro por produtos alternativos aos modelos tradicionais de produção.

No frango temos uma parceria com a Korin, que também tem uma presença de mercado bastante interessante no Brasil inteiro, nas principais capitais. Eles trabalham com frangos criados no método alternativo, sem produtos de origem animal, sem a tradicional farinha de pena, sangue e vísceras, e sem a adição de antibióticos na dieta.

Esse cliente informado, que têm condições de buscar esse produto encontra apenas frango da Korin. Pode ser que ele vá achar um hamburger orgânico do Friboi, mas fora isso ele talvez nem saiba o que é o Nelore Natural, ou ele nem acredite suficientemente nisso.

Acho que o público tem um paradoxo. Sabe que existe algo de errado nos modelos tradicionais de produção, gostariam de pagar mais pelos alternativos, mas muitas vezes não sabem quais são os bons e quais são aqueles que são só fruto de marketing. Ao mesmo tempo que o cliente quer comprar e tem disposição para pagar, existe uma carência de produtos, e também não está informado exatamente quais são os produtos que atendem a necessidade dele de alimentos mais saudáveis no caso de uma certificação. Em geral, o Brasil ainda está engatinhando na certificação voltada para o consumidor.

Se analisarmos pelo SIC (Serviço de Informação da Carne), que tem uns 4 anos, é um órgão que foi criado à imagem de um órgão da França e de outros países que existem há 20 anos. A própria questão dos mitos em relação ao consumo de carne bovina, que tem sido trabalhada no mercado consumidor. Há pesquisas apresentadas em congressos de cardiologia, na Expozebu, Expoinel, por um cardiologista brasileiro renomado que fez um trabalho que prova que a carne vermelha faz muito bem e é fundamental na dieta humana, e desmistifica grande parte dos horrores atribuídos à carne bovina.

Mas de uma forma geral existe um mercado consumidor que precisa ser trabalhado. Da mesma forma que não existe produtos suficiente para este mercado, não existe informação suficiente chegando ao público.

BeefPoint: Qual é a principal forma que vocês planejam para expandir a carne Kosher para segmentos de mercado que estão preocupados com alimentação saudável, mas que não são ligado à comunidade judaica?

Felipe Kleiman: Quando falamos em carne Kosher para o mercado não-Kosher, me baseio muito nos embutidos. Temos algumas ações de marketing. Estamos atingindo uma qualidade, produtos inovadores, estamos chegando num presunto de carne bovina, que falta um pouquinho de visual mas o gosto e consistência estão equivalentes. Há dois anos estamos investindo muito no desenvolvimento de produtos, então a ferramenta básica para isso tudo será o marketing. Os apelos são variados, não adição de carne suína, lançar e mostrar a credibilidade mundial que uma certificação Kosher possui.

De outro lado, você tem um fenômeno interessante nos EUA, não pelas questão da carne suína, mas há um mercado de mais de 10 milhões de consumidores habituais nos EUA de produtos cárneos Kosher, e 80% desse grupo não são judeus. As pessoas acreditam nos EUA, Canadá, Europa que o produto Kosher é um produto que tem melhor qualidade. Pelo simples fato de que ele tem um protocolo de certificação milenar e que ele vem acima de qualquer outra razão, comercial, ou de produção, ou de performance industrial. E também por saberem, mesmo sem conhecer outros detalhes, que existem os protocolos de certificação, além dos que existem por parte dos órgãos de defesa sanitária e ligados ao controle de produto animal, sempre há uma supervisão rabínica.

Nos EUA existe uma massa de pessoas que preferem até pagar até 8% (fora esse 8 milhões de pessoas), por um produto que tem certificação. Não são consumidores habituais do Kosher, são consumidores que em situações de comparar dois produtos e se o preço estiver um pouquinho maior no Kosher, se dispõem a pagar.

No Brasil, nós estamos longe disso ainda, mas existe uma abertura para um mercado de pessoas de uma classe social mais alta, que circulam em viagens internacionais, e que têm acesso a esse conhecimento. E que seriam pessoas altamente permeáveis ao consumo de produtos Kosher porque eles representam uma garantia a mais em relação ao produto não Kosher.

Embora o produto não-Kosher siga as especificações de controle de produtos de origem animal, como é o caso do SIF no Brasil, nós pretendemos – é um trabalho longo, que não podemos atropelar – através de ações de marketing atingir esses consumidores, que teriam que ser fatalmente de classe A, com o mesmo apelo que o Kosher tem nos EUA. É possível achar salame Kosher em qualquer lugar nos EUA. E além de poder explorar isso, explorar a não-adição de carne suína. Para aquelas pessoas, independente de conhecerem ou não a religião, uma coisa que sabem que é sine qua non é que naquele embutido Kosher não tem carne suína.

O que pretendemos também, é que a partir da informação, mostrando a credibilidade mundial do Kosher, a partir do momento em que ele está comprando a idéia da qualidade, do controle do produto Kosher, ele automaticamente está se afastando do produto com ingredientes controversos ou delicados.

Se o Kosher tem uma série de controles assim, automaticamente vai figurar no inconsciente do consumidor como um produto que está livre desses ingredientes que não usamos. Nosso produto é 100% carne. Vai água e gordura porque é formulação, mas não é “socado” proteína de soja para ganhar peso e absorver água.

A coisa mais difícil no Brasil hoje é você pegar uma salsicha que tenha “mordida”, ela não tem, esmaga com a língua no céu da boca. Isso porque ela não é composta de carne predominantemente, mas de outros ingredientes. Tem até um fabricante internacional de equipamentos para produção de salsichas cujo slogan tem no seu núcleo a expressão “Knack”.

A salsicha Livenn tem uma característica parecida com a salsicha do Uruguai. No Uruguai não existe embutido “de guerra”. Todo embutido é nobre. A mortadela no Uruguai é nobre, custa quase o preço do presunto, não é como aqui. Nossa salsicha tem “knack”.

11 Comments

  1. Elio Micheloni Jr disse:

    Toda informação traz conhecimento e a explicação acima é uma aula de como se “fazer” um mercado através de estudos e dedicação. O mercado de carne muda rapidamente no Brasil onde consumidores, pequena parte, argumentam sobre origem da carne que compram.
    O segmento Kosher demonstra que o mercado é maior do que imaginamos e o Sr. Felipe Kleiman faz aquilo que nenhum frigorífico fez pela sua marca. Explicar o porque da qualidade.
    Aproveito para perguntar, para onde vai o traseiro deste fenomenal meio-sangue angus?

    Resposta do entrevistado:

    Prezado Sr Elio

    Agradeço pelos comentários.
    Os traseiros desses animais são comercializados pelo Sr José Roberto Morganti, da Supreme Meat.

  2. Marilú Montes Dias disse:

    Quanta minúcia e cuidado. Interessantíssimo todo o processo, do qual já tinha uma idéia, porém não imaginava que fosse tão criterioso. Parabéns ao Sr. Felipe pelos ótimos esclarecimentos e por alavancar o método Kosher.

  3. Antonio Davoli disse:

    Posso dizer de fato , pois como já os acompanhei em varios abates sei do respeito e da exigência pela qualidade dos produtos comercializados pela comunidade.

    Gostaria eu que em todo segmento da carne existisse pelo menos uma boa porcentagem da exigência e respeito da comunidade Kosher pelo produto .
    A todos da comunidade e em especial ao meu amigo Felipe , parabéns e um forte abraço .

  4. Rosa Teresa Moreira Machado disse:

    Artigo interessante.

    Ilustra bem o papel do marketing e da pesquisa para desenvolver produtos diferenciados no mercado de alimentos, a partir da base cultural. A cultura judaica reforça a imagem e o conceito desses produtos.

  5. Fernando Furtado Velloso disse:

    Amigo Felipe,

    Parabéns pelos resultados alcançados, caminho trilhado e clareza de objetivos.
    Forte abraço,

    Fernando Velloso

  6. Fabio Schuler Medeiros disse:

    Felipe
    Parabéns pelo belo trabalho que tive oportunidade de conhecer!
    Dedicação e respeito as tradições e a cultura de seu povo associado a produtos de altíssima qualidade!
    Abraço

    Fábio

  7. Gumercindo Loriano Franco disse:

    Quero parabenizar o autor e a equipe Beefpoint por abordar um tema tão interessante e pela clareza das informações. Trata-se de uma cultura milenar admirável que muito contribui com nosso país

  8. Marcos Cesar Dea disse:

    Agradeço a equipe do BeefPoint pela belíssima reportagem, que mostra novos caminhos para exportação, já que fomos afetados diretamente pela aftosa e nossos limites foram reduzidos.

    Parabéns Felipe pelo brilhante trabalho.

    Aproveito para perguntar se este tipo de abate onde a produção é acompanhada e examinada pelos próprios rabinos não interferem diretamente no fluxo de produção do setor de abate e desossa.

    Abraços,
    Déa

    Resposta do entrevistado:

    Há sempre alguma interferência na produção. O quanto só pode ser avaliado se estudarmos cada caso em particular, dependendo da estrutura x performance da produção de abate e desossa.

  9. Carlos Guilherme Dorilêo Leite disse:

    Parabenizamos ao BeefPoint pelo assunto, e ao Felipe agradecemos à aula desse importante segmento da carne.
    A sociedade matogrossense de medicina veterinária-somatovet, que tem como missão, o ensino continuado, coloca-se à disposiçâo para um melhor conhecimento do assunto, no estado de Mato Grosso.

    Um grande e fraternal Abraço.
    Carlos Dorilêo

  10. Flodoaldo Alves de Alencar disse:

    Parabéns pela abordagem do tema!

  11. Ivanilde Tinoco Souza disse:

    Parabenizamos ao BeefPoint pelo assunto,Mzel tov