O efeito da indução da interrupção da gestação sobre a fertilidade foi avaliada em 50 novilhas mestiças, com gestação de fetos do sexo masculino entre 55 e 90 dias de idade. O aborto foi induzido pela administração de cloprostenol sódico, após o diagnóstico do sexo fetal. Os animais foram inseminados no segundo estro normal após o aborto. A eficiência do tratamento na indução do aborto foi de 86%, não sendo influenciada pela via de administração. Os intervalos do aborto à primeira inseminação e do aborto à concepção foram de 38,94+-4,96 e 47,32+-15,89 dias, respectivamente. Não houve diferença no número médio de serviços por concepção pré e pós-interrupção da gestação (1,22 vs. 1,34; P>0,05). A indução do aborto no terço inicial da gestação, em novilhas, não compromete a fertilidade dos animais.
Introdução
A identificação precoce e a interrupção das gestações de fetos do sexo masculino poderiam ser uma alternativa para aumentar a proporção de nascimentos de fêmeas nos rebanhos. O desenvolvimento da técnica da sexagem através da ultra-sonografia transretal possibilitou a identificação do sexo fetal, inicialmente pela visualização das estruturas genitais no período de 75 a 90 dias de gestação, e posteriormente pela identificação do tubérculo genital após apenas 54 a 55 dias de gestação. Esta técnica é não invasiva, de execução rápida, pouco traumática para os animais gestantes, e de risco mínimo para o feto examinado. A eficiência da sexagem fetal pela ultra-sonografia é próxima de 100%, tanto na caracterização de fetos do sexo masculino como feminino.
Nos bovinos, o corpo lúteo é a principal fonte da progesterona plasmática, sendo a presença de um corpo lúteo funcional imprescindível para o estabelecimento e manutenção da gestação. A descoberta do papel da prostaglandina F2a na indução da luteólise nos bovinos possibilitou aos técnicos o controle exógeno da função luteal e, consequentemente, a interrupção de gestações pela administração da mesma ou de seus análogos sintéticos.
Os benefícios da identificação precoce e interrupção de gestações de fetos do sexo masculino, contudo, dependeriam do não comprometimentos da fertilidade dos animais submetidos ao aborto. Diversos relatos apontam para uma associação entre aborto e redução da fertilidade no período subseqüente. Este estudos, entretanto, consideram abortos que ocorreram em diversas fases da gestação, e por etiologias variadas, não sendo parâmetros adequados para comparação.
Os objetivos deste trabalho foram comparar a fertilidade de novilhas, antes e após a indução de aborto com cloprostenol e a eficiência desta droga aplicada por diferentes vias.
Material e métodos
Foram utilizadas 50 novilhas mestiças, gestantes e apresentando fetos do sexo masculino. A determinação do sexo do feto foi realizada no período de 55 a 90 dias de gestação, pela identificação e caracterização da posição relativa do tubérculo genital, conforme descrito por Curran et al. (1989). Os diagnósticos foram realizados utilizando-se um aparelho de ultra-som equipado com um transdutor linear retal bifreqüencial de 6/8 MHz (Scanner Falco, Pie Medical).
A interrupção das gestações foi induzida pela administração de 530mg de cloprostenol sódico (Ciosin, Coopers) pela via intra-muscular após o diagnóstico do sexo fetal. Os animais foram avaliados por palpação retal, 7 a 8 dias após a administração do luteolítico, para se determinar a efetividade da indução do aborto e verificar as estruturas ovarianas presentes. Nos casos em que a gestação não foi interrompida após o tratamento inicial, uma segunda dose de cloprostenol foi administrada. Nos animais em que foi confirmado o aborto, foi realizada uma segunda aplicação de cloprostenol, idêntica á primeira, 12 dias mais tarde.
Durante o período experimental, a detecção de estro foi feita pelo método visual, três vezes ao dia, utilizando-se também um rufião preparado pela técnica de aderência de pênis. Os animais foram inseminados a partir do segundo estro regular (intervalo de 19 a 22 dias) manifestado após o término do tratamento.
A eficiência da indução do aborto e o percentual de animais em estro após cada aplicação de cloprostenol foram avaliados pelo método do Qui-quadrado (Zar, 1984). O efeito da interrupção da gestação sobre a fertilidade dos animais foi determinado pela diferença no número de serviços por concepção antes e após a aplicação do produto para indução do aborto.
Resultados e discussão
A administração da primeira dose de cloprostenol sódico resultou na interrupção da gestação em 92% das novilhas (Tab. 1). Estes resultados são coerentes com a observação de que a administração de cloprostenol induz a regressão morfológica e funcional do corpo lúteo, com queda na concentração de progesterona para valores inferiores a 1ng/mL. A não interrupção da gestação em alguns animais foi provavelmente decorrente de falhas na indução da luteólise, ou da ocorrência de luteólise parcial, com a manutenção de uma produção mínima de progesterona, pois a redução na concentração deste esteróide para valores basais é considerada como incompatível com a manutenção de uma gestação em bovinos.
O percentual de animais que manifestaram estro após a segunda aplicação de cloprostenol foi maior em relação aos que exibiram estro após a primeira aplicação (84% vs. 46%, P<0,001), indicando que na maioria dos animais o aborto foi seguido do restabelecimento da atividade luteal cíclica, com a ocorrência de nova ovulação e formação de corpo lúteo. O intervalo entre os tratamentos utilizado (12 dias) possivelmente indicou, desta forma, que no momento da segunda aplicação o novo corpo lúteo estivesse no período de maior sensibilidade à ação da prostaglandina. Tabela 1: Eficiência na indução do aborto (%) e características relacionada à fertilidade subseqüente (médias e desvios padrão) em novilhas mestiças tratadas com cloprostenol sódico por via intra-muscular.
O intervalo médio do aborto à primeira inseminação foi de 38,94+-4,96 dias, e um coeficiente de variação de 12,74%. Considerando-se o período de espera voluntário estabelecido, o restabelecimento da atividade ovariana não se caracterizou como fator limitante para a fertilidade subseqüente ao aborto.
Não houve diferença no número de serviços por concepção antes ou após a interrupção da gestação (1,22 vs. 1,34; P>0,05), o que resultou em uma diferença de apenas 17% entre os intervalos do aborto à primeira inseminação e do aborto à concepção (38,94+-4,96 e 47,32+-15,89 dias, respectivamente).
O intervalo médio entre as concepções, calculado pelo número médio de dias entre as inseminações que determinaram as gestações pré e pós-aborto foi de 115,06+-17,73 dias. Este intervalo foi influenciado pelo período de gestação em que se induziu o aborto, que variou de 55 a 90 dias. O tempo necessário para o estabelecimento da nova gestação não foi afetado pelo período da gestação anterior, quando foi induzido o aborto.
A possibilidade de nova concepção após uma gestação depende da involução uterina, que é negativamente influenciada pela ocorrência de patologias puerperais. Quando o aborto é induzido em fases mais adiantadas da gestação não ocorrem as alterações necessárias para o destacamento normal entre a carúncula e o cotilédone, e a presença de restos placentários retarda a involução uterina e propicia o desenvolvimento de infeções, reduzindo a fertilidade. Nos primeiros dois meses de gestação, entretanto, o processo de implantação está entre as fases de justaposição e aderência, e os placentomas ainda em formação.
Conclusões
A interrupção da gestação em novilhas pela administração de cloprostenol no terço inicial da gestação, conforme executado (2 doses) não compromete a fertilidade subseqüente, e pode ser utilizada em casos de gestações indesejadas.
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Meus cumprimentos pelo trabalho da mais alta relevância e impacto econômico positivo imediato.
Lembrando que não era a primeira vez que ficava agradavelmente surpreso com um artigo seu, decidi usar a ferramenta “busca” do BeefPoint com a palavra “Fernandes”. Encontrei mais 7 trabalhos excelentes, cuja leitura recomendo vivamente a todos.