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Fome, agricultura e cooperativismo

Por Octavio Mello Alvarenga1

Chega, afinal, ao Ministério da Agricultura o mais destemido, o mais tinhoso e o mais competente pregador do cooperativismo no Brasil: Roberto Rodrigues.

O combate à fome, proposto pelo presidente Lula, tomará novo alento. Foi acionado um dispositivo intelectual diferente daqueles que vigoraram até agora. Fome é comida, comida é agricultura, e o tema da alimentação e o combate à miséria têm de ser encarados sob uma ótica compósita, unindo a lucidez ao idealismo.

Em abril de 1993, ao tomar posse como presidente da Sociedade Rural Brasileira, Roberto Rodrigues insistia que “a verdadeira modernidade nesse combate (da fome e da miséria) advirá da soma da agricultura à tecnologia”. Será este somatório que deverá atingir os 22 milhões de brasileiros com renda insuficiente para suprir suas necessidades básicas de alimentação.

Muito se falou, escreveu e legislou sobre o tema. Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas pretendeu combater a fome referendando o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico do ministro Horácio Lafer, no qual era preconizada, como medida inicial, “maior produção agrícola”.

Integralmente voltado para a equação fome versus comida viveu o pernambucano Josué de Castro, que em 1946 publicou a primeira edição do seu “Geografia da fome”, três anos depois da criação da FAO. Embora as condições do Brasil de hoje sejam bastante diferentes quanto à população rural e urbana, e a explosão demográfica do país exija outra postura analítica, a “Geografia” de Josué de Castro continua sendo leitura obrigatória, com suas análises implacáveis dos hábitos e carências alimentares, de nossas endemias, manias e lendas, sejam de seu amado Nordeste, sejam do Sul ou da Amazônia.

Mais do que nunca será aconselhável que a nova equipe governamental releia um trabalho do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês), de fins de 1963, imenso volume de capa amarela e letras gigantescas: “Reforma agrária”. A introdução se autodefine: “As reformas agrárias surgem no mundo de hoje como uma resposta à fome”. Conseqüência do trabalho do Ipês, que ficou com pecha de obra da direita reacionária, foi a promulgação do Estatuto da Terra, uma lei redigida em termos avançadíssimos, enfiada goela abaixo do Congresso Nacional pelo presidente Castello Branco.

O diabo é que, combatendo os governos militares, a oposição passou a combater (ou ignorar, ou boicotar) um instrumento de combate à fome, fazendo o mesmo jogo dos antiquados coronelões latifundiários que pretendia enfrentar. Dessa forma, o movimento pela reforma agrária gestou o ovo da anti-reforma, difundida, praticada e afinal vitoriosa, tendo como paradoxais apoios dois extremos: a direita de um lado, contando com a ala menos progressista da sociedade brasileira, e a esquerda – magoada, ferida e incapaz de analisar (e sobretudo apoiar) com isenção o que se passava nos organismos oficiais criados por Castello Branco.

Herbert de Souza, o magérrimo Betinho, começou sua pregação antifome pedindo ajuda a grandes empresários do agribusiness, como Olacyr de Moraes (então considerado o rei da soja), e aos donos de armazéns, depósitos de alimentos e grandes cadeias de restaurantes.

Essa filosofia de rezar pelo maná que virá dos céus – como benesses dos que participam dos “bancos de alimentos”, tão salientados em clima natalino – é sem dúvida respeitável. Ser caridoso sempre é louvável. Mas isso se constitui num pensamento subsidiário do que Betinho adotou ao relançar o Programa Cidadania, numa mesa-redonda de televisão, do qual também participei ao lado da senadora Marina Silva, em abril de 1995. De lá para cá, neste país desigual, onde a população dobrou em 30 anos, alguns dados são tranqüilizadores e outros arrepiantes. Se a média de 6,2 filhos por mulher brasileira, existente em 1950, caiu para 4,4 filhos em 1980 e para 2,3 no ano 2000, por outro lado, na faixa etária dos 15 aos 19 anos, em que se concentra grande parte das mães de baixa renda, para cada 100 mulheres nasciam 8 filhos, hoje nascem 9. Nove bocas pedindo comida!

O economista José Graziano da Silva atuando em sintonia com Marina Silva, garantia de competência no Ministério do Meio Ambiente, formarão um supercooperativismo governamental, tendo Roberto Rodrigues na base desse grande e esperançoso triângulo.

As qualidades do novo ministro da Agricultura se refletem integralmente no discurso de encerramento do IV Congresso de Agribusiness, promovido pela SNA, em março de 2002. Numa oração permeada de dados e comparações, relembrou Roberto Rodrigues a observação de um velho italiano de Jaboticabal ao comparar o vulto de uma bela mulher com um búfalo. E diante do espanto dos companheiros: “É. Um búfalo. Ela não sabe a força que tem”.

E o novo ministro completa: “O setor detém 25% do valor da produção nacional, gera 37% dos empregos do país e é responsável por 41% das exportações”.

O recém-eleito presidente Lula, ao dizer que não temos o direito de errar, fazia a apologia da cooperação, de um mutirão econômico-social que não deve, não pode falhar.

Originalmente publicado em: AgroanalysiS v: 22, n: 9, 2002. Fundação Getulio Vargas. Instituto Brasileiro de Economia.

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1Octavio Mello Alvarenga é presidente da Sociedade Nacional de Agricultura.

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