No Japão, ser Kobe requer uma linhagem pura de gado da raça Tajima-gyu (e não qualquer raça antiga japonesa cruzada com gado americano como é a norma aqui). O animal também precisa ter nascido na província de Hyogo e, dessa forma, criado em pastagens locais, com água local e em território local em toda sua vida. Precisa ser um touro ou uma vaca virgem e demora consideravelmente mais para criar a raça Tajima-gyu para consumo do que a maioria das outras raças, o que se soma ao custo.
O texto a seguir foi escrito por Larry Olmsted (jornalista especializado em nichos de mercado de alto nível) em sua coluna na revista americana Forbes. O autor explica a diferença entra as nomenclaturas Kobe e Wagyu, e as normas de regulamentação de rótulos dos Estados Unidos.
“Você acha que já provou a famosa carne de Kobe japonesa? Pense novamente. É claro, existe um pequeno número de pessoas que já a experimentaram – eu experimentei, em Tóquio, e é deliciosa. Se você sempre vai ao Japão, eu entusiasticamente recomendo que você se permita esse luxo, porque, embora seja cara, é única e você não pode tê-la nos Estados Unidos. Não como steaks, não como hambúrgueres e certamente não como a onipresente “Kobe sliders” em seu bistrô vizinho da moda.
É isso. Você me ouviu. Eu não falei errado. Não estou confuso como a maioria da mídia de alimentos norte-americana. Vou expor isso da forma mais clara possível:
Você não pode comprar carne bovina Kobe japonesa nos Estados Unidos. Não nas lojas, nem pelo correio e certamente não em restaurantes. Não importa o quanto você gaste, o quão sofisticada for a churrascaria que você for ou em qual dos muitos chefes de cozinha famosos que regularmente trazem “Kobe beef” em seus cardápios, acredite, você foi enganado. Sinto muito por dizer isso a você, mas não importa o quanto você gostaria de acreditar que já provou o produto, se ele não for da Ásia, você quase que certamente nunca comeu a famosa carne de Kobe do Japão.
Você pode ter comido uma imitação do Meio-Oeste, das Grandes Planícies, da América do Sul ou da Austrália, onde eles produzem muito do que eu chamo de “Faux-be” beef (carne bovina falsa). Você pode até ter comido carne Kobe importada do Japão antes de 2010. Agora, é ilegal importar (ou até mesmo trazer para consumo pessoal) qualquer carne bovina japonesa. Antes de 2010, você podia importar somente carne bovina japonesa fresca sem osso, mas nenhuma era a Kobe verdadeira. Pelas leis japonesas, a carne bovina Kobe pode somente vir da província de Hyogo (de onde Kobe é a capital), onde não existem abatedouros aprovados para exportar pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). De acordo com seu grupo comercial próprio, a Kobe Beef Marketing & Distribution Promotion Association no Japão, onde a Kobe Beef é uma marca registrada, Macau é o único lugar para onde o produto é exportado – e somente desde o ano passado. Se você comeu carne bovina de Kobe real nesse país nos últimos anos, provavelmente alguém a contrabandeou em sua bagagem.
“Como isso é possível?”, você me pergunta, quando vê as virtudes da Kobe sendo exibidas em programas de culinária na televisão, por famosos chefes de cozinha, e nos cardápios em todo o país? Uma dúzia de lojas de hambúrguer só em Las Vegas oferecem hambúrgueres Kobe. Procure no Google e encontrará dúzias de vendedores online felizes por pegar seu dinheiro e enviar a você steaks muito caros. As revisões de restaurantes do New York Times repetidamente elogiam a carne bovina Kobe servida em restaurantes sofisticados de Manhattan. Nenhuma edição de alguma importante revista de alimentos deixa de reforçar essa grande mentira da carne bovina Kobe. Então, eu possivelmente poderia estar certo?
A resposta é tristemente simplista: apesar do fato de a Kobe Beef, bem como a Kobe Meat e o Kobe Cattle serem termos patenteados e/ou marcas registradas no Japão, não são nem reconhecidas e nem protegidas pela lei dos Estados Unidos. De acordo com os regulamentadores americanos, Kobe Beef, diferentemente de dizer Suco de Laranja da Flórida, significa quase nada (a parte da “carne bovina” ainda deve vir das vacas). Assim como o recente uso do termo “natural” nos rótulos de forma regulamentada, esse é um adjetivo usado principalmente para confundir os consumidores e lucrar com essa confusão.
Isso importa porque os consumidores da carne Kobe estão dispostos a pagar um grande prêmio por isso, devido à reputação antiga da carne Kobe por excelência. A indústria de alimentos está levando os consumidores a acreditar que aquilo pelo qual pagam muitos dólares (como um hambúrguer “Kobe” de US$ 40 da cidade de Nova York) é algo relacionado a essa herança de excelência. E não é.
Todos os mitos sobre as vacas recebendo massagens e bebendo cerveja enquanto ouvem música clássica são somente isso, mitos, mas apesar de tudo, a carne bovina Kobe é produzida sob alguns dos padrões legais alimentícios mais rígidos do mundo, enquanto que a produção de carne bovina “Kobe doméstica”, junto com aquelas produzidas na Austrália e na América do Sul, é tão regulamentada quanto o faroeste.
No Japão, ser Kobe requer uma linhagem pura de gado da raça Tajima-gyu (e não qualquer raça antiga japonesa cruzada com gado americano como é a norma aqui). O animal também precisa ter nascido na província de Hyogo e, dessa forma, criado em pastagens locais, com água local e em território local em toda sua vida. Precisa ser um touro ou uma vaca virgem e demora consideravelmente mais para criar a raça Tajima-gyu para consumo do que a maioria das outras raças, o que se soma ao custo. A carne tem que ser processada em um abatedouro de Hyogo – nenhum deles exporta aos Estados Unidos – e, então, passar por um rígido exame de classificação do Governo. Existem somente 3.000 cabeças de gado certificado para Kobe Beef no mundo e nenhum deles está fora do Japão. O processo é tão rígido que quando a carne bovina é vendida, seja nas lojas ou nos restaurantes, precisa ter um número de identificação de 10 dígitos para que os clientes saibam de qual vaca particular Tajima-gyu o produto veio. Em contraste, quando você pede “Kobe beef” nos EUA, normalmente não pode nem dizer de qual tipo de vaca veio – ou de onde. Ou o que torna o produto “Kobe”.
A única razão pela qual existe carne bovina chamada de Kobe vendida nos EUA é porque o Governo deixa os vendedores chamarem muitas coisas de carne bovina Kobe. Porém, a razão pela qual os consumidores compram o produto é porque a indústria pecuária em Kobe levou a vida inteira construindo uma reputação de excelência, uma reputação que essencialmente tem sido roubada.
Existem duas partes diferentes para o amplo uso errado do nome Kobe. Historicamente nos Estados Unidos, restaurantes e distribuidores tinham chamado genericamente virtualmente qualquer carne bovina de qualquer lugar do Japão de Kobe e muitos restaurantes sofisticados que compravam carne bovina do Japão colocaram o produto no cardápio como Kobe, apesar de não ser verdadeiramente carne bovina de Kobe. Porém, nos últimos dois anos, não houve carne bovina japonesa nos EUA. Então, o termo Kobe atualmente tem ainda menos significado e a carne pode vir de muitos diferentes países e não ter nada em comum com a verdadeira carne Kobe, exceto que vem de vacas. O argumento frequentemente levantado pela indústria de alimentos de que essa carne Kobe não japonesa é algum tipo de recriação do produto real vinda das mesmas raças de vacas também é um grande mito.
Se você ainda não acredita em mim porque foi inundado com muita carne bovina Kobe falsa, leia sobre isso nas próprias palavras do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) sobre como no início de 2010 toda a carne bovina do Japão, incluindo aquela “normalmente chamada como carne bovina Kobe” não poderá entrar, “incluindo na bagagem de passageiros”. Esse ainda é o caso, como você pode ver no mais recente Manual de Produtos Animais, produzido pelo Serviço de Inspeção Sanitária Animal e Vegetal (APHIS) do USDA de 1o de março de 2012, que afirma especificamente que a carne bovina do Japão, resfriada ou congelada, inteira ou corte, com ou sem osso, terá sua “Entrada Recusada”.
É impossível saber exatamente qual carne você está obtendo por US$ 100, mas uma coisa é certa – não é carne bovina japonesa de Kobe. Nos últimos dois anos, isso não foi nenhum tipo de carne bovina japonesa.
E a “Kobe doméstica” ou Wagyu? Os consumidores espertos devem ter notado que nos últimos anos, alguns cardápios e embalagens de carne mudaram para esses termos. Eu também já vi “Kobe estilo americano” e “Wagyu Americano” (eu até já vi carne suína Kobe, bacon Kobe e salsicha de porco Kobe!). Não tenho certeza se essas são tentativas para ser um pouco menos desonesto, mas se sim, eles falharam, uma vez que nenhum desses termos significa nada para o comprador.
Restaurantes em Dubai estão cheios de lagostas vivas do Maine, que viajam do outro lado do mundo no gelo com altos custos para oferecer aos consumidores um dos melhores tipos de crustáceo. Os clientes satisfeitos pagam mais de US$ 100 para provar a famosa lagosta do Maine. Porém, e se essas lagostas fossem de espécies diferentes, do Golfo Pérsico, rotuladas como “lagostas domésticas do Maine”? Ou “Lagostas dos Emirados Árabes Unidos do Maine?”. Isso seria uma fraude total. Felizmente, os donos de restaurantes em Dubai não são como os dos Estados Unidos, onde esse tipo de fraude de alto preço é passado milhares de vezes por dia com a “Kobe doméstica”, ou carne bovina falsa.
Kobe é a capital da província de Hyogo, de onde toda a carne bovina Kobe autêntica vem. Hyogo tem clima, tradição e ambiente adequado para criar vacas com uma carne realmente deliciosa, graças ao nível extraordinário de gordura de marmoreio. Entretanto, é um lugar ruim para cultivar laranjas. Então, imagine se você é um produtor de laranja em Kobe e, de forma compreensível, ninguém quer pagar um prêmio por seu suco. Você pode tentar bastante, fazer seu trabalho da melhor maneira possível e construir um nome positivo para seu produto ou você pode encontrar um lugar onde eles levaram gerações aperfeiçoando seu trabalho e construindo uma reputação para sua marca e simplesmente roubá-la. Enquanto as leis de seu país não se importam, esse é um caminho rápido e fácil de roubar consumidores. “A carne bovina doméstica Kobe” é o equivalente dos Estados Unidos de um produtor de Kobe engarrafando e vendendo “suco de laranja doméstico da Flórida” para fazer com que os consumidores paguem um prêmio por um produto que não tem relação com a reputação de seu nome.
Carne bovina “Kobe doméstica” significa o mesmo que colocar a palavra “doméstica” na frente de qualquer outro produto que é feito melhor em outro lugar: você beberia uísque escocês doméstico? Eu não. Você gastaria US$ 50.000 em um relógio suíço doméstico? Compraria champagne doméstico (bem, de fato, os americanos compram, e em grandes quantidades, frequentemente sem conhecimento, pela mesma razão – não existe lei aqui contra rotulagem falsa).
Vários leitores escreveram comparando o uso errado da Kobe com o do Champagne, mas na minha opinião, a questão da carne Kobe é pior. Quase todos os consumidores informados sabem que Champagne é um lugar da França famoso por produzir excelentes vinhos espumantes e muitas vezes quando você compra champagne, está comprando algo de Champagne. Kobe é exatamente o mesmo cenário, um lugar conhecido por produzir uma excelente carne bovina, exceto que nenhuma das vezes que você compra carne Kobe você está obtendo algo de Kobe. Além disso, os famosos chefes de cozinha e editores das principais revistas de alimentos não tentam rotineiramente tentar fazer com que os americanos comprem champagne falso.
E o termo mais inocente, Wagyu (frequentemente, Wagyu doméstico ou Wagyu australiano?). Esse é frequentemente citado como sinônimo ou uma “tradução” de Kobe. Veja isso no cardápio de uma loja e pergunte sobre isso e você ouvirá que trata-se de uma raça de gado de onde se origina a famosa carne bovina Kobe japonesa. Muitos sites que vendem “Wagyu” dizem exatamente isso. Outra grande mentira. Realmente, muitas outras grandes mentiras.
A carne bovina Kobe real vem de uma raça muito específica de bovinos a raça Tajima-gyu e, pela lei, somente dessa raça. É claro, o Japão tem muitas raças de gado Ocidentais e Europeias. Então, quando vejo o termo Wagyu no cardápio, sei exatamente o que isso significa: carne bovina de origem desconhecida que provavelmente tem um preço excessivo – e certamente não é do Japão. Eu sei que as pessoas da Associação Americana Wagyu não estão felizes por vocês saberem disso.
Isso está longe de ser um conceito maluco. Considere a Cargill, uma das maiores e mais bem sucedidas produtoras de alimentos do mundo. A Cargill tem usado a tática correta e não tem uma marca da suposta carne bovina Wagyu ou Kobe com um modificador. Ao invés disso, eles criaram várias de suas próprias marcas de carne registradas em vários pontos de preço, incluindo Angus Pride e Sterling Silver. Essa última é um de seus produtos premium, obtido das 12% melhores carnes classificadas pelo USDA e maturadas por pelo menos 21 dias. Essa é uma marca própria – se você gosta da carne bovina Sterling Silver, deveria comprá-la. Se não gosta, nunca compre de novo. É assim que o capitalismo funciona. Eu nunca experimentei esse produto, de forma que não posso dizer, mas eu já gosto dele simplesmente porque não finge ser algo que não é.
Aqui está outra alternativa. Chame esses produtos do que eles são: carne bovina estilo japonesa. Não afirme falsamente que é do Japão, nem que vem da mesma raça que a carne Kobe. A loja me vende “bolo de carne estilo italiano” e eu sei o que estou comprando – algo que você nunca teria na Itália.
O site da Associação Americana Wagyu diz que o termo Wagyu inclui tudo, das vacas Angus às Holandesas, mas propõe que o aperfeiçoamento da raça “American Wagyu” começa com a importação de touros Tottori Black e Kumamoto Red. Agora acontece que essas são duas raças de alta qualidade que, em alguns casos, produzem carne bovina que no Japão é considerada superior à Kobe. Porém, mesmo se todos os produtores forem honestos e presos a esse pedigree, a American Kobe seria questionável, uma vez que as raças vermelhas são especificamente proibidas na produção da verdadeira carne de Kobe. Porém, esses pedigrees não são puros, porque eles intencionalmente são cruzados com nossas vacas para produzir algo que frequentemente tem somente uma minoria da hereditariedade da raça japonesa – ainda, eles continuam chamando o resultado de Wagyu.
Somente para deixar claro, não estou dizendo que algumas das carnes rotuladas como Kobe doméstico ou Wagyu não sejam boas ou até excelentes. De fato, eu acredito que é totalmente possível criar uma carne melhor do que a Kobe real. Mas é impossível saber se isso é rotulado de forma banal e sem consistência. Se esses cruzamentos dão melhores gados resultando em carne melhor, eles deveriam simplesmente vendê-los de acordo com isso e cobrar um prêmio por “Fred’s Special Angus/Kumamoto Mix”, ou dar ao produto um nome fácil de lembrar, ao invés de chamá-lo de algo que claramente não é.
Eu também visitei o site do Kobe Beef America. Clique no “Porque carne bovina Kobe Americana?” e você pode ver por si mesmo que eles admitem que o que estão vendendo é diferente do que eles mesmos chamam de “verdadeira carne bovina Kobe japonesa”. Por que? Aqui está o problema: o sabor da “American Kobe beef” foi criado para agradar o paladar americano – porque o produto real é muito saboroso para nós! Claro, se você pagar mais de US$ 100 por um bife em um restaurante sofisticado você pode esperar que esse seja saboroso. Por essa lógica, todos deveríamos começar a comer chocolate suíço doméstico e caviar russo doméstico pelo nosso próprio bem, porque as versões reais são muito saborosas.
A ironia nisso tudo é que nós realmente produzimos uma carne bovina excelente aqui nos Estados Unidos, e deveríamos ter muito orgulho disso. Muitos consumidores, incluindo os de paladar mais sofisticados, preferem seu sabor do que o da Kobe. Vá até o The Palm ou ao Del Frisco e compre um filé de costela com osso, maturado, USDA Prime e você se perguntará por que alguém se incomodaria em fazer carne bovina estrangeira falsa. Precisa de mais ironia? No Japão, a Kobe não é nem considerada a melhor carne bovina, ela só tem o melhor burburinho por aqui. Se os produtores de Kobe não tivessem feito um trabalho tão bom na construção de sua reputação, essa não teria sido roubada. Da mesma forma, se nossos chefes de cozinha famosos soubessem mais sobre qualidade da carne, eles poderiam fraudar um Matsuzaka Sirloin “doméstico” para enganar seus inocentes clientes ao invés dessa carne e cobrar US$ 200 ao invés de US$ 100.
Eu recentemente comi em um restaurante que oferecia um frango que nunca tinha ouvido falar em seu cardápio. Quando perguntei, o dono me disse, “É uma raça muito rara na França, mais rara do que a famosa Bresse. É como a carne bovina Kobe do frango”. Então, é da França, perguntei? “Não, Califórnia, próximo a Los Angeles”.
Isso caracteriza muito o que está errado com nossa produção de alimentos e leis de rotulagem. Apesar dos fatos, você poderá ir a muitos restaurantes amanhã, questionar o cardápio, e ser absolutamente assegurado de que a deles é a carne bovina Kobe japonesa real. E não é.
Depois dessas análises, minha conclusão é que esses produtos são coletivamente uma tentativa de enganar o consumidor americano para pensar que estão comprando algo que não estão, a preços muito altos, comercializando sobre sua antiga reputação de excelência pertencente aos produtores de gado de Kobe, no Japão, cuja carne nunca é vendida em nossas lojas.
Porém, a Kobe é só a ponta do iceberg de rotulagem – existem literalmente centenas de outros itens alimentícios, de extravagantes, como Champagne e Cognac, a itens mais comuns, como o queijo Parmigiano-Reggiano, cuja produção e venda nos EUA violariam várias das muito antigas e bem conhecidas marcas registradas estrangeiras – exceto que essas marcas não são reconhecidas pela lei dos Estados Unidos. Assim como a carne bovina falsa, essa produção doméstica é feita principalmente por uma razão – aproveitar o benefício da reputação de qualidade da marca criado por alguém, especialmente estrangeiros que não têm recursos nas cortes dos Estados Unidos.
E por isso, podemos agradecer ao Governo dos Estados Unidos.
Depois de tudo, embora eu ache que toda a coisa da American Kobe seja moralmente suspeita, pode-se esperar que qualquer atividade comercial que não é explicitamente contra a lei e pode se beneficiar disso se beneficiará disso, independente de ser certa ou errada. Eu acho que não posso culpar os comerciantes por trás desses esquemas por sua natureza humana inata. Mas eu posso culpar o Governo.
Isso não é um equívoco, do tipo, “ei, esquecemos de regulamentar a rotulagem da carne bovina Kobe”. Isso é parte de um padrão de ações deliberadas existente há mais de um século como parte do Governo Federal de ignorar ativamente as marcas estrangeiras e as reivindicações de propriedade intelectual para apoiar as indústrias domésticas. Isso tem sido feito de propósito e continua sendo feito de propósito, à custa do consumidor americano (e dos produtores estrangeiros). Isso também é impressionantemente hipócrita e voa diretamente na cara das capitalizadas tentativas do Governo de combater a pirataria nas áreas de música, filmes, tecnologia e softwares. Eu acho que se não fôssemos os pioneiros nas indústrias de computador e software e não fôssemos a sede de Hollywood, e esses negócios fossem localizados em outros países, iríamos alegremente produzir nossas próprias versões “domésticas” dos softwares estrangeiros, tecnologia e entretenimentos sem recompensa aos países que inventaram e registraram suas marcas.
Vou contar uma breve história da abordagem de pirataria intencional com relação aos alimentos e bebidas estrangeiras do Governo dos Estados Unidos: O Tratado de Madrid em 1891 esteve entre os primeiros importantes acordos internacionais de proteção da produção de alimentos geograficamente designada. Esses são conhecidos hoje de diversas maneiras como Indicações Geográficas (GIs), termo coletivamente favorecido pela União Europeia (UE), ou por vários termos nacionais de Designações de Origem geograficamente protegida. Em cada caso, eles se referem a produtos associados com a produção em um lugar particular como justificativa para proteção dessa combinação de lugar/produto. Normalmente, a lógica é uma combinação de história, tradição de produção e lei local. O produto tipicamente se desenvolve ou é feito lá melhor por razões ambientais, como o famoso terreno de giz de Champagne ou o solo vulcânico onde crescem os lendários tomates San Marzano. Em muitos casos, o produto também é feito sob regras muito específicas de pureza, com supervisão rígida, muitas vezes por séculos. Como resultado, quando você como consumidor compra um item, deve saber exatamente o nível de qualidade e pureza que está comprando, seja para pêssegos da Geórgia, seja para suco de laranja da Flórida, para Champagne ou para carne Kobe.
O queijo Parmigiano-Reggiano é, talvez, o mais perfeito exemplo. Esse produto tem sido feito em uma área (cidades vizinhas de Parma e Reggio Emilia, daí seu nome), sob regras rígidas, há mais de 700 anos. Cada passo da produção, do tipo de vacas usadas para produção de leite até onde elas podem pastar, ao que elas podem comer (flores selvagens) e o que não podem (hormônios, antibióticos) é regulamentado. Também o número de horas que podem passar de quanto a vaca é ordenhada até que o leite seja usado para a fabricação do queijo. Nada além de leite, soro, sal e renina é permitido. Cada círculo de queijo precisa ter um tamanho uniforme e idade mínima e ser envelhecido na mesma área e do mesmo modo.
Não deve haver outro alimento no mundo mais rigidamente regulamentado em sua produção e, além disso, cada um dos círculos é testado por uma organização do Governo, com muitos deles rejeitados. Como resultado, não existe algo como queijo Parmigiano-Reggiano ruim. Se você comprar o produto real, tem a garantia de um queijo com uma qualidade excepcionalmente alta que é conhecido no mundo dos lácteos como o “Rei dos Queijos”. Os círculos são tão valiosos que são afixados com hologramas e suas cascas são gravadas para proteger contra falsificação. Infelizmente, muitos americanos nunca compraram o produto real, porque, embora esse esteja realmente disponível aqui, o falso Parmigiano-Reggiano custa menos e é comum em nossas lojas.
Há doze décadas, o mais alto perfil dos muitos alimentos que entraram no Tratado de Madrid protegido era o Champagne. Todas as grandes potências mundiais na época foram escolhidas para assinar o tratado, com exceção dos Estados Unidos. Como resultado, o termo “Champagne” foi protegido em quase todos os outros países de primeiro mundo desde 1891. O Tratado foi revisado muitas vezes e em cada vez, os Estados Unidos se recusaram determinadamente a assinar. Essa não é uma questão esquecido pelo resto do mundo. Somente a UE tem uma lista de mais de 600 produtos geograficamente designados que são protegidos por lei, mas quase nenhum deles os Estados Unidos concordaram. Apesar dos requerimentos repetidos por mais de um século pela França e, nas últimas décadas, pela Organização Mundial de Comércio (OMC) e UE, os Estados Unidos tem teimosamente e intencionalmente se recusado a se tornar parte desse tratado ou de dúzias de outros como esse.
Por que? Se eles fizerem isso, os vendedores de “Kobe”, os fabricantes de queijo “parmigiana” e os produtores de “Champagne” em locais como Nova York não poderiam mais enganar os consumidores para comprarem seus produtos.
Isso surpreende muitas pessoas que eu sei que pensam que sabem o que é Champagne e descobrem que vários vinhos espumantes rotulados como Champagne são produzidos domesticamente. De fato, vários leitores escreveram para mim para expressar sua surpresa de que uma coisa dessa seja possível ou legal. Não estou falando de vinhos feitos com o tradicional “método champenoise” e rotulado de acordo com isso. Estou falando de garrafas produzidas domesticamente e rotuladas como Champagne, puro e simples. Venda Champagne de Nova York em quase qualquer outro lugar no mundo civilizado e você vai preso. Venda isso aqui e você tem lucro. Esse é o resultado pelo qual os Estados Unidos lutaram.
Isso não é uma mera brecha. Em 2006, o Congresso esclareceu ativamente as leis de rotulagem de álcool especificamente para permitir a continuidade da produção doméstica de “Champagne”. Para ser preciso, essa permissão foi destinada a companhias que fabricavam “champagne” domesticamente até então e as novas companhias não podem mais rotular dessa forma hoje. Porém, existem muitos desses produtores antigos. Além disso, como a maioria dos produtos alimentícios, a garrafa precisa incluir o país de origem, mas, considerando que muitas pessoas acreditam que o Champagne não pode vir de outro lugar senão a França, raramente eles procuram no rótulo por um aviso pequeno dizendo “feito na Califórnia”. Quando eu compro suco de laranja da Flórida 100%, não fico checando para ver se é feito na China.
Ao invés de juntar o status quo de nossos aliados mais próximos para proteger sua propriedade intelectual – e proteger os consumidores americanos – os Estados Unidos tem assumido o outro lado da questão.
Talvez os legisladores simplesmente tenham perspicácia. Hoje, depois de mais de um século, o resultado de tudo isso é que a lei dos Estados Unidos encoraja a tendência mais quente atualmente no mundo dos alimentos. Desde que você não se importe com a qualidade, você pode agora sentar para um jantar completo de itens gourmet falsos, como as famosas azeitonas Kalamata da Grécia e um presunto curado doméstico espanhol ou italiano, seguido pela massa feita com os tomates San Marzano renomados no mundo, da “Itália” e coberta com Parmigiano-Reggiano, “O Rei dos Queijos”. O prato principal? Carne bovina Kobe, é claro, talvez coberta com carne suína Kobe, todas acompanhadas com Champagne e Burgundy tinto. Termine isso com uma taça de vinho do Porto ou um bom copo de chá Darjeeling e você terá consumido uma refeição que pode ter sido totalmente produzida em uma fábrica perto de você.”
O texto é de Larry Olmsted, publicado na revista americana Forbes, traduzid e adaptado pela Equipe BeefPoint..