Diversos frigoríficos do país começaram a se queixar do “excesso de rigor” de fiscais agropecuários e resolveram centrar fogo em auditores mais jovens, a mais nova geração de fiscais contratada após a Operação Carne Fraca, que identificou um esquema de corrupção entre fiscais e funcionários de empresas de carnes. Frigoríficos consultados pelo Valor dizem que, para não extrapolar as 48 horas semanais de trabalho permitidas por lei – e evitar os “mensalinhos” descritos em delação premiada de executivos da JBS contra mais de 200 fiscais – ou não serem alvo de futuros questionamentos de favorecimento, os auditores estão endurecendo as diligências, multando mais, interditando unidades e até cancelando o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) de abatedouros no Paraná e em São Paulo. Em 2017, quando foi deflagrada a Carne Fraca, o então ministro Blairo Maggi determinou a contratação de 300 médicos veterinários por concurso público e outros 300 de forma temporária.
O objetivo era minimizar o crônico déficit de fiscais nos abatedouros, crítica ampliada nos últimos anos com a reação de importadores como os europeus. De lá para cá, contudo, as reclamações dos frigoríficos só aumentaram. E a suspensão, nesta semana, dos abates do frigorífico Big Boi em Maringá (PR) foi um estopim para tornar pública as crescentes divergências entre frigoríficos e fiscais federais, que chegaram aos ouvidos da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em fevereiro, durante evento sobre autocontrole das indústrias de alimentos no país.
Péricles Salazar, presidente da Abrafrigo, associação que reúne pequenos e médios frigoríficos, assinou na terça-feira uma carta em que critica o que chama de “atual linha de conduta” dos fiscais agropecuários que atuam na inspeção de estabelecimentos de carnes bovina, suína e de frango e de leite.
Ele sustenta que os auditores estão “exorbitando de suas funções e preocupados única e exclusivamente em punir as empresas a ponto de inviabilizar economicamente as atividades de muitas delas (…) Nas atuais circunstâncias os fiscais nas plantas estão travando a atividade empresarial com abuso de autoridade”, disse o dirigente.
Francisco Turra, ex-ministro da Agricultura e presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa gigantes do mercado de carne de frango como a BRF, admitiu ao Valor que há “excessos pontuais” praticados por fiscais, principalmente por falta de padrão nos critérios de fiscalização, muitas vezes aplicada de forma diferenciada mesmo em plantas de uma mesma empresa. “Os excessos não podem atrapalhar um setor que já está em dificuldades, com margens apertadas, mas que é muito importante para a produção de alimentos.
Por isso, pedimos ao ministério mais treinamento aos fiscais”, frisou. O Sindicato Nacional dos Auditores Federais Agropecuários (Anffa Sindical) se defende. Sustenta que os fiscais agem dentro do permitido pela legislação e realça que muitos frigoríficos passaram a ser mais fiscalizados após a contratação dos 600 veterinários e que, por isso, houve um aumento do número de irregularidades identificadas.
“Em vista do veiculado depois da Carne Fraca, é natural que os fiscais novos entrem com reservas e ressalvas para não serem considerados corruptos. Mas o maior problema ainda é a falta de fiscais”, afirmou Marcos Lessa, vice-presidente do Anffa, ao Valor.
O secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, José Guilherme Leal, disse que estão sendo feitas novas rodadas de treinamento e admitiu que o novos fiscais receberam apenas cursos online. Mas ele informou que o treinamento é constante.
“Temos que relativizar o que é um possível excesso dos fiscais e quem não tinha fiscalização e passou a ter”. No caso apurado no Paraná, o Big Boi alegou que precisava ampliar sua capacidade de abate, mas que o único fiscal encarregado não concordou em trabalhar mais do que as 48 horas semanais permitidas. Logo, parte do abate ficou suspensa e a atitude do fiscal foi encarada como dura. Procurada, a empresa não se pronunciou.
O Ministério da Agricultura respondeu, em nota, que o Big Boi tem autorização para operar em apenas um turno, mas que “diariamente vem extrapolando as horas sem prévia comunicação ao serviço de inspeção local”. E que vinha tendo “dificuldades técnicas”.
Fonte: Valor Econômico.