Fechamento – 12:15 – 06/12/01
6 de dezembro de 2001
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10 de dezembro de 2001

Ganho e tendência genética na raça Marchigiana

José Bento Sterman Ferraz1 e Joanir Pereira Eler1

Por definição, o valor genético aditivo esperado (Expected Breeding Value) de um animal é o valor que ele teria como reprodutor, ou ainda, é igual a duas vezes a diferença que seus filhos têm em relação aos filhos de outros reprodutores, desde que os reprodutores que estejam sendo comparados sejam acasalados com vacas escolhidas ao acaso da população. A razão para dobrar essa diferença dos filhos é que os filhos só têm metade dos genes dos pais. Em última análise, o valor genético aditivo é o que os rebanhos selecionadores vendem, pois expressa o potencial genético dos animais vendidos. Este valor mostra o quanto os filhos de um animal seriam desviados em relação à média de todos os reprodutores em utilização, ou seja produziriam “a mais” ou “a menos” que a média dos filhos dos outros reprodutores, que tenham sido utilizados na mesma população de animais onde estivemos estimando os valores genéticos.

Os EPD (expected progeny differences), conhecidas no Brasil como DEP (diferenças esperadas de progênie) são por definição a fração de uma superioridade de progênie devidas aos efeitos dos genes do reprodutor. Como metade do patrimônio genético dos filhos vem da mãe e metade do pai, os EPD ou as DEP equivalem à metade dos EBV. Assim, comparando-se um tourinho A com EPD ou DEP = + 13,0 kg para peso aos 365 dias, com o tourinho B que tenha uma DEP de +3,0 kg, significa que os filhos do tourinho A teriam 10 Kg de peso aos 365 dias a mais do que os filhos do tourinho B,se acasalados com vacas escolhidas ao acaso. Este conceito de EPD ou DEP é usado, em geral, pelos criadores de gado de corte, ao passo que os de gado de leite, utilizam-se dos termos PTA (predicted transmiting ability ou habilidade prevista de transmissão), TA (transmiting ability, ou habilidade de transmissão), ou ainda PD (predicted difference) ou SC (sire comparison ou comparação entre reprodutores). Em essência, todos estes termos estimam a metade do valor genético de um reprodutor.

O ganho genético de uma população representa como os valores genéticos aditivos estão mudando nessa população. Normalmente, esses valores genéticos são apresentados em gráficos, com o eixo “X” representando o ano de nascimento dos animais, e o eixo “Y”, representando a característica. As médias dos valores genéticos aditivos de todos os animais nascidos naquela população em determinado ano são colocadas nos gráficos e a curva resultante mostra como essas médias se comportaram ao longo do período analisado. A análise criteriosa das mudanças dos valores genéticos ao longo dos anos, ou seja do ganho genético, talvez seja uma das melhores maneiras de verificar a eficiência de um programa de avaliação genética. Programas que se utilizam dos resultados gerados (DEP’s) em suas decisões de acasalamentos obtêm maior velocidade em seus ganhos genéticos.

Através de uma técnica matemática conhecida como regressão linear, as médias dos valores genéticos aditivos são analisadas e resultam num número que expressa o ganho médio da população analisada, em um determinado período. Esse número é conhecido como tendência genética. A análise da tendência genética resulta em uma idéia sobre o comportamento médio dos valores genéticos da população ao longo de todo o período. Em bovinos de corte, é possível serem obtidos ganhos genéticos da ordem de 1, ou até mesmo 1,5% da média da característica, por ano. A tendência genética é expressa em unidades da característica/unidade de tempo. Assim, analisando a evolução de uma característica como peso à desmama, numa população com média de 170 kg nessa característica, é possível, em populações rigorosamente selecionadas, observarem-se ganhos de 1,7 kg/ano, ou até mesmo algo como 2,5 kg/ano (1 a 1,5% da média).

A Associação Brasileira de Criadores de Marchigiana começou a se organizar para fazer suas avaliações genéticas em 1996, mas somente em 1999 apresentou ao público seu 1º Sumário de Touros Marchigiana. Na realidade, os criadores já vinham se organizando e aquele sumário foi resultado da análise dos animais nascidos até a safra 1997. Essa organização dos criadores gerou um efeito muito interessante.

A Figura 1 apresenta o comportamento dos valores genéticos aditivos ao longo do período 1988 a 2000, para a característica peso aos 120 dias, uma das mais relacionadas com a habilidade materna das vacas, na raça Marchigiana, segundo a avaliação realizada neste ano pelo Grupo de Melhoramento Animal da FZEA/USP. A tendência genética foi de 0,11 kg/ano, que, tendo em vista a média da característica, de 138,2 kg, corresponde a 0,08% da média, ou seja, menos de 10 vezes o ganho possível.

No entanto, uma análise mais criteriosa mostra que houve uma grande inflexão na curva mos 2 últimos anos, pois ela mudou drasticamente de inclinação. Se calcularmos essa tendência genética com os dados dos 2 últimos anos, ou seja quando o programa de melhoramento entrou em ação, teremos o valor de 0,62 kg/ano, cerca de 5,6 vezes maior e correspondente a 0,4% da média, um ganho bastante razoável.

Raciocínio semelhante pode ser feito com peso à desmama (Figura 2), peso aos 12 meses (Figura 3), peso aos 18 meses (Figura 4), perímetro escrotal aos 12 meses (Figura 5) e altura (Figura 6), apresentados a seguir.

Aplicando-se o mesmo raciocínio que foi utilizado com o peso aos 120 dias de idade, ou seja, comparando a tendência observada desde 1988 com aquela dos últimos dois anos e calculando-se a tendência em percentual em relação à característica, tem-se os surpreendentes resultados apresentados na Tabela 1.

Conforme pode ser visto, houve um enorme incremento na velocidade de ganho genético se for considerado apenas o período em que o programa de avaliação genética funcionou. Certamente isso não foi efeito das avaliações genéticas realizadas, mas sim, um efeito claro da organização dos criadores e da clara definição de quais seriam as características consideradas importantes no programa de avaliação da raça.

Há que se ressaltar que, na característica altura, houve uma importante mudança de sinal da tendência genética, indicando um clara importância que os criadores estão dando para a diminuição da altura nessa raça.

Ainda estamos longe dos valores ideais, mas, com certeza, estamos no caminho e direção corretos. À medida que os criadores forem acreditando, cada vez mais, nas avaliações genéticas e mais criadores participarem desse processo, o progresso genético da raça será progressivamente melhor.

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1Professores Titulares – Universidade de São Paulo
Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos

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