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Genética às avessas

Por Gilberto Pires de Oliveira Dias1

Usar o julgamento dos bovinos nas exposições para servir de critério de seleção de um reprodutor ficou relegado a coisa do passado. Na pecuária de leite, a exposição ficou no seu devido lugar: serve apenas para mostrar o que o melhoramento genético está fazendo e não o contrário, para fazer ela o melhoramento genético.

Este processo não se deu igualmente, e na mesma velocidade, em todos os países. A Holanda continuou, por muitos e muitos anos, favorecendo as exposições em detrimento do trabalho objetivo de coleta de dados, e usando os campeões como possíveis melhoradores. Ficou tão atrás que teve de recomeçar, desprezando praticamente todo o seu rebanho e importando embriões de fêmeas dos Estados Unidos.

Surpreende-nos, portanto, que ainda hoje se fale em seleção visando critérios para a exposição no gado de corte. Especialmente com as raças zebuínas. Formaram-se então alguns grupos inconformados com o arcaísmo da seleção de nelore, que passaram a desenvolver um trabalho de seleção baseado em genética aditiva, usando critérios objetivos.

O termo arcaísmo está sendo emprestado de Preston & Willy (Intensive Beef Production, de 1974) que, já há quase 30 anos, diziam que os critérios de seleção para a exposição são arcaicos, quando se referiam à exposição de Perth, na Escócia. Preston fez testes de progênie com os animais que vinham de melhoramento genético, comparando-os com os campeões das exposições, demonstrando cabalmente a diferença entre melhoramento genético e seleção para pista.

Em seu artigo “A cara do nelore” o dr. Orestes Prata Tibery Jr. mostra uma preocupação com os critérios atualmente utilizados nas exposições. Na verdade, nós deveríamos estar preocupados com os critérios para melhorar a raça nelore realmente naquilo que é essencial e naquilo que é seu ambiente: pasto.

Animais que estão em preparo para a exposição não se relacionam com a pecuária brasileira. Os selecionadores de gado para exposição, em geral tratam esses animais em cocheira, superalimentados, e, não raras vezes, começando esse processo com reforço na amamentação por intermédio de amas-de-leite. Ora, a correlação com produtividade a campo é mínima, pois esses animais são criados em um ambiente totalmente diverso da realidade.

Não adianta nada falar em ganhos de peso da ordem de 1.500 gramas por dia se isso é obtido com o uso de rações, quando 99% dos animais do Brasil vivem a pasto.

Quantos campeões de Uberaba foram ao mesmo tempo e coincidentemente expoentes nos sumários de nelore que medem os resultados das progênies a pasto? Aqui podemos citar, entre outros, os eficientes e sérios trabalhos da CFM, do Qualitas, do Paint, da Jacarezinho (Sumário Aliança) e o da USP.

Quem quiser que veja os gráficos do progresso genético das diversas características produtivas desejáveis.

Finalmente, raça não significa registro. A zootecnia diz que raça é um conjunto de animais que apresentam grande número de características iguais.

Portanto, o registro não atesta que um animal e só ele pertença a determinada raça. Não é a toa que o exame do DNA mostra, na maioria dos nelores, a presença de Bos taurus. Mesmo nos PO. Onde está então caracterizada a propalada pureza racial do gado registrado? Além disso, o registro das raças zebuínas não é uma garantia da sua qualidade, nem um certificado de produção. Todos os animais que nascem, com exceção dos que têm defeito grave, recebem um registro que lhes atesta serem dotados de características fenotípicas no padrão estabelecido para a raça. Isso não significa que o animal tenha a capacidade de ser um reprodutor melhorador.

Ao contrário, apenas 20% dos animais recebe um Ceip do Ministério da Agricultura porque apresentam desempenho superior e podem ser considerados melhoradores. Os outros 80% são animais para corte, que não deveriam ser recomendados como reprodutores.

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1Gilberto Pires de Oliveira Dias é pecuarista e sócio da Fundeio Agro Pastoril Ltda., que faz parte do grupo de melhoramento de nelore Qualitas

Artigo originalmente publicado em O Estado de São Paulo, 19/02/2003

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