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Geraldo Perri Morais: a qualidade como força na negociação com o frigorífico


Geraldo Perri Morais é engenheiro eletrônico formado em 1970, tendo trabalhado nessa área por 10 anos. Em 1980 voltou para Araçatuba/SP, começando a trabalhar com a família e desde então está no ramo de recria e engorda de gado. Tem duas fazendas no Mato Grosso do Sul.

Foi da diretoria da UDR de Araçatuba de 1986 a 1994, fez parte do conselho fiscal da Cobrac durante 4 anos e agora é vice presidente da ABRAPEC, associação recém-criada em Araçatuba.

Geraldo Perri Morais concedeu essa entrevista ao BeefPoint, onde fala sobre o mercado atual do boi e perspectivas para melhoria das negociações entre produtores e frigoríficos. Mostrou uma visão inovadora do problema e aponta algumas soluções ainda não utilizadas pelo setor, que já trazem bons resultados para a Abrapec.

BeefPoint: O senhor poderia nos falar sobre o funcionamento, objetivos e número atual e máximo de associados da ABRAPEC?

Geraldo Perri Morais: A Abrapec é uma associação de produtores, a maioria pecuaristas sediados em Araçatuba. Temos aproximadamente 90 associados, com perspectiva de abater acima de 50 mil animais/ano. Os associados têm suas fazendas na grande maioria no Mato Grosso do Sul, uma boa parte em Mato Grosso e alguns em Goiás, Paraná e em São Paulo. Uma parte das fazendas em São Paulo está sendo deslocada para outras localidades. A maioria dos produtores faz recria e engorda e alguns o ciclo completo.

A ABRAPEC foi fundada em novembro de 2004 e visa obter uma melhor remuneração do nosso produto. Boi não é commodity para ter preço igual, sem distinção de qualidade.

A associação não possui numero máximo de associados, porém de acordo com o estatuto, os novos associados devem ser indicados por um associado da ABRAPEC e serem aprovados pelo conselho.

O intuito não é ter um número excessivo de participantes, pois se espera que todos os membros sejam ativos e participem das discussões e da formulação de planos e estratégias. A idéia não é só entrar, é entrar e participar.

A ABRAPEC visa aumentar o valor agregado do produto, não brigamos por preço com o frigorífico, discutimos formas de melhor remuneração pelo produto diferenciado que produzimos.

BeefPoint: Quais são os maiores problemas encontrados pela entidade até o momento?

Geraldo Perri Morais: O maior problema é a conscientização. É muito difícil convencer os pecuaristas que é mais fácil eles se reunirem em associação do que resolverem seus problemas sozinhos.

O pecuarista não sabe o poder que tem. O produto dele é um produto importante e de alto valor agregado, importante no mercado externo e interno. Eu acho que nós temos muito a fazer ainda, para mostrar a força do setor.

A idéia da formação da associação começou a partir do momento que se viu a desigualdade do setor. Os produtores começaram a se juntar para aumentar o poder de barganha.

Varias idéias surgiram e a que teve mais aceitação foi bater forte na negociação do produto, já que temos um produto de qualidade. A partir disso, o pessoal começou a chegar num ponto comum.

Com a parceria e a valorização do produto, a receptividade do projeto aumentou. A partir daí surgiu um número ainda pequeno de pessoas, se eu não me engano foram 30 pessoas, que fundaram a associação. Desde então estamos crescendo lentamente e chegamos a 90.

Estamos neste momento tentando ampliar a conversa com o setor. O pecuarista é muito individualista, quando uma pessoa vai se associar a primeira pergunta é sobre o ganho e não é isso que a associação procura. Isto será uma conseqüência do modo de produção de cada um e do trabalho em conjunto.

BeefPoint: Como está ocorrendo a negociação com os frigoríficos? Recentemente a Abrapec realizou um abate experimental em um grande frigorífico exportador, quais foram os resultados desse início de relacionamento entre produtor e frigorífico, tendo a associação como facilitador para o produtor?

Geraldo Perri Morais: Nós fizemos uma lista de empresas para procurar. O Bertin já tinha o interesse de abater e tinha o interesse de dar uma premiação pelo nosso produto, desde que atendesse as exigências do mercado.

A negociação com o frigorífico passou por várias etapas, desde o conhecimento dos produtores até o abate. Durou de novembro até dezembro onde o frigorífico solicitou 500 cabeças para um abate experimental.

Neste abate eles classificaram de acordo com o que eles queriam e mostraram a tabela para a gente. Foram ao todo 18 níveis de classificação, resultando em 18 gradações no prêmio. De acordo com a porcentagem de classificação que os animais atingissem, eles pagariam mais.

Dos 450 animais abatidos quase 50% passaram no padrão deles. Após o abate a tabela foi discutida e algumas restrições foram impostas. O premio máximo do frigorífico era 6% e o mínimo 1%. Questionamos o mínimo (1%), pois achamos muito baixo. Uma tabela nossa foi feita e nesta discussão foram 2 meses.

Antes do carnaval eles passaram uma tabela para gente, uma intermediária entre a proposta deles e a nossa. Aceitamos para começar os abates e a parceira logo. Aí ocorreu a baixa violenta do boi e todos os problemas decorrentes desde então.

Após isso o frigorífico abriu a tabela para todos e nós voltamos à negociação.
O prêmio máximo continua em 6% e o mínimo foi para 2%. O bom é que começou, só não deslanchou mais por causa do preço do mercado hoje.

A base da parceria foi não discutir preço, este problema é individual. O prêmio é tabelado e cada um tem que se adequar aquilo para ter o prêmio. O frigorífico vai preparar relatórios sobre os abates dos produtores e assim serão feitas tentativas de melhoria generalizada do produto.

Vamos ver como vai andar com o Bertin, para depois tentar com outros frigoríficos. Eu acredito que os outros frigoríficos já pegaram esta tabela de premiação e espero que haja uma concorrência para que assim os prêmios melhorem. Cada frigorífico premia de acordo com as suas preferências.

Você consegue um prêmio no Bertin de até 3,5% num boi de 260 Kg. É isso que queremos. Poderemos escolher para qual vender, escolheremos o que o nosso gado mais se adeque à tabela de premiação. Mesmo que as tabelas estejam longe do ideal, é bom para abrir espaço de conversa.

BeefPoint: Na sua opinião, como o frigorífico está encarando essa nova realidade? A venda em grupo está sendo bem recebida? Quais as principais exigências dos frigoríficos?

Geraldo Perri Morais: O Bertin está adorando, esta fazendo até propaganda dessa nossa parceria.

Eu acredito que quanto mais associações desse tipo existirem, melhor. Tanto para nós quanto para eles. Nós não somos contra se formar outras associações. Acredito que assim o mercado pode melhorar.

A exigência deles é de acordo com a qualidade do gado, e o mais importante foi a melhoria da 1a tabela. Conversas bilaterais estão acontecendo e isto é um ponto positivo.

BeefPoint: Como o senhor vê a evolução do poder de negociação do produtor e do trabalho da Abrapec?

Geraldo Perri Morais: Eu acho que o mais importante é pecuarista se conscientizar que em associações a força dele aumenta muito. Porém você tem que ter um produto de qualidade para oferecer. É uma força do número de animais, conjugado com qualidade. Tendo os dois, você terá um poder de fogo muito maior.

O trabalho da Abrapec é reunir o maior número de produtores e elevar a qualidade do produto oferecido, para negociar na qualidade e não na quantidade oferecida.

No nosso caso não houve pressão por quantidade por que eles conhecem os produtores e sabem que produzimos um volume grande e de qualidade.

BeefPoint: Recentemente a CNA organizou uma reunião, que teve como resultado 3 resoluções: boicote por 30 dias, criação de centrais de venda e aquisição/arrendamento de plantas frigoríficas pelos produtores. Qual a sua opinião sobre isso?

Geraldo Perri Morais: Nós somos associados do sindicato rural de Araçatuba, e o sindicato aqui não se definiu ainda em relação a isso. Não temos uma posição. Vamos esperar a posição do sindicato.

Eu sou muito favorável, como produtor, a esta iniciativa, a um fortalecimento da causa. Mas a Abrapec não tem posição pública, como associação.

BeefPoint: Como o senhor vê a denúncia de formação de cartel?

Geraldo Perri Morais: Acho que ainda está presa a detalhes jurídicos, exame de documentos. Esta ameaça de denúncia servirá como forma de pressão política para a partir daí se abrir uma conversa com os frigoríficos. A situação chegou em um ponto insustentável. Pela movimentação do setor você percebe que a coisa é grave. A união dos pecuaristas denuncia isto, é uma coisa que nunca ocorreria em outra situação.

BeefPoint: Qual é a sua opinião sobre a alternativa de formação de centrais de venda?

Geraldo Perri Morais: Em vez de central de vendas deve-se fazer uma central de informação, onde todo mundo tem acesso aos dados. Assim os pecuaristas verão que é importante fornecer a informação precisa e não sonegar informação.

Os pecuaristas têm que entender o valor da informação, ninguém vai entrar em competição direta. Depois que você fechou o negócio, transfere a informação. Com informações precisas, pode-se analisar o mercado e prever o que acontecerá.

Este é um serviço que vários órgãos oferecem. A nossa diferença é que o nosso será feito pelos próprios produtores, os reais interessados no assunto.

BeefPoint: Qual o conselho o senhor daria para os pecuaristas que estão pensando em criar uma associação ou cooperativa? Quais são os pilares fundamentais?

Geraldo Perri Morais: Ler seu artigo sobre negociação (risos). Acho que as associações têm que se concentrar em suas regiões, fazer um trabalho localizado.

O interessante seria a troca de informação entre as associações dos grandes centros de comercialização.

Temos que diferenciar nossa associação dos sindicatos. Nós visamos a parte econômica e deixamos a política para os sindicatos. A Abrapec atua só na parte econômica. Os integrantes da Abrapec participam e apóiam o Siran (sindicato rural), mas o Siran fica com a parte política e a Abrapec com a econômica.

BeefPoint: Na sua opinião, o que está melhorando na cadeia da carne? E o que está piorando?

Geraldo Perri Morais: A melhoria da cadeia é visível. Melhoria genética, precocidade dos animais, qualidade do produto, entre outros fatores. O ponto vulnerável é a comercialização, o relacionamento com a indústria.

Isto só melhorará com a transparência da relação entre frigoríficos e produtores. Acho que exemplos de outras cadeias produtivas podem ajudar a abrir o caminho.

Os frigoríficos poderiam adotar índices que indicassem um caminho, uma tendência. Índices que fossem semelhantes ao índice BM&F/ESALQ. Um exemplo interessante de ser estudado é o do Consecana, da cadeia produtiva do açúcar e álcool.

BeefPoint: Qual a sua visão de futuro da cadeia da carne?

Geraldo Perri Morais: O futuro é enorme para a carne. A Europa retirando o subsídio que fazia com que o produto deles se tornasse muito competitivo, o produto nosso fica mais competitivo e com melhores chances no mercado mundial.

Geograficamente o Brasil é privilegiado, territorialmente é imbatível a única comparação é com a África, que tem terras, apesar de baixa disponibilidade de água.

O mercado interno também tem futuro, está melhorando. Temos que acreditar que o poder aquisitivo da população irá melhorar. O consumo interno tem um grande potencial.

0 Comments

  1. Rubens Ernesto Niederheitmann disse:

    Quero parabenizar o sr. Geraldo Perri Morais que, em entrevista ao BeefPoint, apresentou uma forma de encarar a questão comercialização da carne bovina.

    Não dá mais para ficar apenas buscando culpados fora da alçada do setor produtivo e esperar que alguém resolva a questão.

    Só consegue respeito de fato, quem mostra competência e vai à luta que é o que os produtores de Araçatuba estão fazendo de uma maneira organizada em associação e apresentando qualidade para poder exigir a devida remuneração.

    Apesar de estarem no início, já demonstram maturidade e avanços animadores na relação com os frigoríficos.

    Aliás está crescendo no Brasil o número de pessoas que pensam como a ABRAPEC. É preciso que elas se manifestem mais.

    Parabéns,

    Rubens Ernesto Niederheitmann
    Produção Paranaense de Carnes e Leite à Base de Pasto

  2. Alexandre Kaatz de Almeida Castro disse:

    Muito boa a reportagem.

    Atenciosamente,

  3. Leandro Carlos Freling disse:

    Muito interessante. Parabenizo pela matéria,

    Tive a oportunidade de participar no MS da reunião dos produtores e acreditava que iria ver e escutar propostas para solucionar problemas, no entanto mais uma vez a politicagem tomou conta da pauta… Pois se fosse como deveria ser, apresentariam propostas, teriam convidado os frigoríficos para discutir soluções conjuntas, mas nada…

    Aí me deparo com uma entrevista com fundamento, onde o entrevistado coloca-se sem culpar ninguém e sim buscando a solução para o problema seu ponto de vista.

    Acreditar nessas soluções é que gera riqueza e harmonia.

    Se pensarmos que se resolvem problemas colocando a culpa em alguém, ficaremos sempre atrás das soluções.

    Atenciosamente,

  4. Eduardo Miori disse:

    O artigo mostra de maneira clara e direta o caminho para os produtores que pretendam evoluir no mercado.

    A busca da qualidade associada à organização e interação de produtores são elementos estratégicos para o setor.

    A ABRAPEC realmente inova em termos de associações de pecuaristas e gostaríamos muito de ter a oportunidade de participar deste grupo, principalmente por compartilharmos de sua visão e objetivos.

    Mais um bom serviço do BeefPoint ao segmento da carne.

    Eduardo Miori
    Maria Isabel Perez Miori
    Guaraçaí-SP

  5. Marcos Francisco Faustino Dias disse:

    Caso a tabela de premiação acertada (2 a 6%) entre o Frigorífico Bertin e a Abrapec de Araçatuba, esteja aberta para conhecimento dos demais pecuaristas, gostaria de conhecê-la.

    Grato.

    Marcos Faustino
    Paranaíba, MS