Há alguns meses atrás, o presidente Lula proferiu uma interessante frase: “Hoje eu acordei invocado, e liguei para o Bush”.
Hoje eu também acordei invocado, mas como certamente o Bush não atenderia telefonema meu (e nem eu desejaria que tal ocorresse), meu contato será com você, meu caro leitor.
Cada vez que leio sobre o milagre do agronegócio brasileiro, mais “invocado” eu fico. Seria eu um masoquista, a desejar a derrocada da minha própria atividade? Certamente não. Apenas NÃO acredito na continuidade da expansão do agronegócio brasileiro. Ao menos NÃO às taxas que vêm ocorrendo nos últimos dois anos. Sem nenhum ordenamento lógico – ato aliás impossível, quando se está “invocado” – vou listar algumas de minhas “invocações”:
– CUSTO de FERTILIZANTES: o governo FHC docemente permitiu a total desnacionalização da indústria de fertilizantes no Brasil. Embora mantenham as antigas razões sociais, para reles simulacro de concorrência, apenas três empresas multinacionais dominam o mercado. Não é de se espantar que alguns adubos – em especial os nitrogenados – tenham quase dobrado de valor em DÓLAR – em apenas um ano. E isto antes do petróleo a US$ 40 o barril.
– NEGÓCIOS da CHINA: o sistema bancário chinês é extremamente frágil, e o nível de endividamento, em particular o de empresas importadoras, é enorme. A mentalidade oriental também difere muito da nossa, quanto a cumprimento de contratos. Em relação à mais deslavada pirataria e falsificação de produtos, praticamente um “hobby” nacional, respondem: “O Ocidente nunca nos pagou “royalties” pela pólvora, macarrão e papel – todas invenções chinesas”. Eles têm uma certa razão, mas o que importa no caso, é que calotes e quebras de contratos afloram no horizonte.
– LOGÍSTICA: não dá mais para espichar. Rodovias, armazéns, ferrovias e portos brasileiros já chegaram ao limite. Como se pode projetar crescimentos constantes (e safra agrícola é concentrada em uma época do ano), em condições de logística tão precárias? Enquanto isto, a fantástica malha hidroviária brasileira – de 42.000 km – permanece sub utilizada.
– EXPORTAÇÕES: Apesar de todo nosso ufanismo exportador, ainda representamos apenas 1% do comércio internacional. E este mísero autor quase tem ataques apoplécticos quando ouve estridentes comemorações à performance de exportação de carne bovina: creio que, neste início de 2004, tivemos incremento de 50% sobre o mesmo período de 2003.
Isto está sendo obtido através de verdadeiro GENOCÍDIO de MATRIZES. A vaca abatida hoje é o boi gordo que não se terá daqui a três anos. Aguardem 2005 e, ainda mais 2006, e verão um problema gravíssimo de abastecimento interno e externo (o que nos levará a perder alguns mercados tão alegremente comemorados hoje). Mas, talvez, ao menos isto ajude a resolver a açodada implantação do SISBOV – pela simples inexistência do que “rastrear”.
Como a invocação ainda não terminou, vou tratar de assunto que nada tem a ver com a tresloucada diatribe que cometi acima. Gosto do presidente Lula como ser humano. Não gosto dele como presidente. Discordo da política econômica dele, como já o fazia em relação à do ministro Pedro Malan. Quase idênticas, aliás. A manutenção de elevados superávit primários, a decorrente falta de investimento público, e o aumento constante da carga tributária – inibem qualquer possibilidade de crescimento constante e saudável. Mas devo admitir que o presidente Lula me surpreendeu favoravelmente em um aspecto. Ele tem resistido à tentação do populismo, como poucos presidentes o fizeram. Não que eu concorde com salário mínimo a R$ 260,00 – e ainda menos com taxação de inativos. Mas reconheça-se: há que se ter coragem e “cojones” para defender atos assim, e em pleno ano eleitoral.
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Eu sou do tempo que o Brasil era o país do futuro. Aos 60 anos descobri que este futuro era por conta dos ufanistas do passado.
A sua “invocação ” parece-me bem oportuna, diante dos ufanistas do presente, quando aponta questões vitais e pelo visto o nosso Presidente Lula ainda não teve um acesso de invocação, objetivando tratá-las de frente.
Parabéns pelo artigo.
Gostei muito deste texto, principalmente por me parecer condizente com a realidade que quietamente tenho observado.
Como comemorar superávites quando vemos aumentar a cada dia a fragilidade de nosso sistema agropecuário? Digo isso por perceber, apesar de minha ainda inexperiência profissional de veterinária recém-formada, que ninguém no governo tem a mínima idéia do que é defesa agropecuária, por exemplo. Que políticas são essas junto aos serviços de defesa animal e vegetal?
Concluo que só temos tido os tais “superávites” devido a situações de mercado favoráveis à nossa exportação. Caso tenhamos que “brigar de verdade” por um espaço, ficaremos em desvantagem. Será que este “crescimento” conseguirá se sustentar sem os devidos “alicerces”?
Vale lembrar a adesão de novos países à União Européia, por exemplo. Estes “novos membros” nada são além de países produtores de “commodities” como nós, só que mais próximos do mercado consumidor.
Prezados Senhores,
Sem a competência para me invocar, como o articulista, fico sem entender como se propagam os índices de arrecadações de tributos e impostos no Brasil.
Nenhum índice de crescimento econômico pode se equiparar a tais índices. Na vida real estamos vivenciando uma das maiores recessões já verificadas no Brasil e também os maiores índices de inadimplência.
De onde está saindo tanto dinheiro. Parece-me que o Estado brasileiro é o único setor competente para negociar, ou estão se especializando na fabricação de garrotes (talvez pela experiência metalúrgica).
Espero que este boom de arrecadação se reverta em mais escolas, saúde, estradas e tudo mais que possa satisfazer a nós brasileiros.