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Ian Hill: pecuária de corte com qualidade e eficiência


Ian David Hill nasceu na costa leste da Inglaterra, em uma região totalmente voltada ao setor rural. Fez curso técnico noturno em Aprendizagem de Assuntos Rurais. Ingressou na Universidade e graduou-se em Administração e Economia Rural em 1973.

No mesmo ano foi trabalhar em uma empresa de melhoramento de sementes. Durante seu treinamento, viu as oportunidades que a empresa oferecia no exterior e veio ao Brasil pela primeira vez em setembro de 1975, para acompanhar um projeto piloto em Passo Fundo, RS. Retornou para a Inglaterra em fevereiro do ano seguinte. Gostou tanto do País que estabeleceu como meta retornar e trabalhar no Brasil.

Conseguiu um emprego em um grupo inglês, representado no Brasil pela Agropecuária CFM, onde trabalhou por 15 anos, de 1977 a 1992. Em 1993 a CFM fez uma grande liquidação, vendendo várias propriedades. Umas das propriedades, localizada em Valparaíso, SP, foi adquirida pelo Grupo Grendene, e assim nasceu a Agropecuária Jacarezinho, onde Ian Hill foi contratado para ser seu gerente geral, cargo que ocupa até hoje.

A Jacarezinho é uma das mais avançadas empresas do País em relação à pecuária de corte. Possui um forte trabalho de avaliação genética animal. A propriedade é uma das pioneiras na utilização de CEIP (Certificado Especial de Identificação e Produção). Recentemente, a Jacarezinho desenvolveu um sistema próprio de certificação por qualidade, o QuaLex (Qualidade e Excelência). A agropecuária participa também da conexão Delta G e é filiada á Fundação Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo).

Veja a abaixo a entrevista concedida por Ian Hill ao BeefPoint.

BeefPoint: Estando a frente de uma das mais modernas fazendas de gado de corte do País, como o senhor avalia os avanços na produção de carne bovina no Brasil?

Ian Hill: Eu sinto que o Brasil está melhorando, cada vez mais. Andando pelo País você vê que a qualidade das pastagens está bem superior ao que era. Mas o Brasil é ainda um País de grandes extremos. Ou a coisa é muito boa, ou é péssima. Ou você tem coisas realmente de ponta, até melhores que no primeiro mundo ou têm o outro extremo.

Na média a pecuária no Brasil melhorou muito, mas temos que ter muito cuidado com a média. Se você tem um pé na geladeira e o outro no fogo, na média você está confortável. Temos que ter um padrão de produção.

O Brasil melhorou em termos de conscientização. A pecuária está conseguindo hoje criar metas, criar objetivos. A partir daí, os extremos dentro da produção devem diminuir.

Em relação às exportações, o caminho para o Brasil se manter neste mercado é, cada vez mais, melhorar e desenvolver o produto que está oferecendo. E também, os meios como este produto está sendo produzido e industrializado. O mercado lá fora é muito exigente. O Brasil está um pouco atrasado em seus controles sanitários, controles de rastreabilidade e identificação de seus produtos.

Nós vamos sentir cada vez mais pela economia externa, que, se o Brasil quer ser “player” deste mercado, teremos que nos enquadrar. Fazer o produto de acordo com o que eles querem. Isto vai dar a oportunidade para o Brasil vender a carne lá fora. Vai ser um produto vendável, e não apenas uma commoditty, que é comprada em função apenas de oportunidades econômicas. Isto também nos defende de futuras variações que possam ocorrer no mercado, como variações cambiais, por exemplo. Isso nos dá uma segurança para proteger nossos mercados.

BeefPoint: Quais os avanços genéticos observados pelo senhor?

Ian Hill: Hoje há um reconhecimento grande dos programas de melhoramento genético no Brasil. Se for feita uma análise de resultados, de vendas nos pregões pelo Brasil este ano, que não é um ano fácil de se vender genética, irá se perceber que a liquidez de animais com avaliação genética está muito superior a de animais apenas registrados, que só trazem informações sobre sua genealogia. Hoje o produtor está muito consciente que ele precisa comprar esse insumo valioso para seu negócio, que é a genética, com dados na mão, demonstrando que este animal é bom, e que irá produzir para o produtor as características que ele procura.

Está havendo no Brasil uma educação muito rápida sobre isso, o mercado já está sinalizando esta boa aceitação. Nos currais dos frigoríficos você pode constatar a qualidade dos animais que estão sendo abatidos hoje, indicando uma melhoria genética do rebanho.

BeefPoint: Como o senhor compara a pecuária que produz carne com a pecuária das grandes exposições e dos leilões de preços milionários? Existe semelhança entre animais de pista e de produção? Há complementaridade? Há vantagens para a pecuária de produção ao se associar à pecuária “show”?

Ian Hill: O gado de exposição, o gado de elite, é um outro setor de mercado. Não é muito ativo dentro do rebanho comercial do Brasil. É um mercado específico, com compradores específicos. Há ganhos, ou especulações, em sua comercialização, evidenciando que é uma parte do setor que também vai muito bem.

BeefPoint: Mas há uma relação com o produto carne? Ele é a semente que está no topo da pirâmide de produção ou esta semente é formada por animais que estão fora das pistas, animais testados e avaliados?

Ian Hill: O que o mercado está sinalizando hoje, é que os animais que têm avaliação é que estão no topo da pirâmide. Mas você pode ter duas pirâmides. Uma pirâmide menor que é o mercado de animais de elite, e outra pirâmide que é o mercado comercial. O cliente de genética tem que identificar o que ele quer, traçar seus objetivos. São dois mercados específicos. Mas ambos os mercados estão bem.

BeefPoint: Recentemente o senhor esteve na Escócia proferindo uma palestra. Qual foi sua impressão, como o mundo está vendo o Brasil em relação ao mercado de carne bovina?

Ian Hill: O Brasil está sendo visto como uma grande ameaça. Eles estão vendo um fluxo enorme de carne vindo do Brasil, e estão muito preocupados, porque eles são muito vulneráveis. Já sofreram com a aftosa e com a vaca louca. Hoje eles estão sofrendo muitas pressões políticas, pois o negócio deles é totalmente sustentado por subsídios.

O governo está tentando reduzir estes subsídios, pois estes subsídios oneram muito o governo. A população da Europa está ficando mais velha e o governo precisa de mais dinheiro para os gastos com a previdência.

Por outro lado estes subsídios não podem ser tirados de uma hora para outra, pois o governo não sabe o que fazer com a população rural e com as áreas rurais que ficariam vazias. Os donos de propriedades rurais têm hoje, em média, 57 anos, então a flexibilidade desta população é muito pequena.

Como a Europa está muito vulnerável, obviamente eles estão muito sensíveis em ver uma máquina de produção como o Brasil, que tem uma potência enorme em desenvolver sua pecuária com uma velocidade muito rápida, expandindo em números enormes, de um dia para o outro. Eles observam este cenário e querem se proteger.

Uma das maneiras que eles usaram para se proteger, em minha opinião, foi a questão dos transgênicos, a resistência aos transgênicos. Caso a Europa importasse transgênicos, eles também seriam obrigados a permitir o seu plantio. No momento em que os transgênicos fossem plantados, eles iriam reduzir custos e aumentar a produção. Então eles precisariam aumentar os subsídios sobre essa produção.

Obviamente, os produtores europeus irão querer proteger seus mercados. Eles vão querer igualdade, vão querer que os produtos que estão sendo exportados para lá sejam produzidos sob os mesmos sistemas exigidos lá. Em termos de sanidade, rastreabilidade, cuidado com agrotóxicos, assuntos sociais.

Cada vez mais haverá a necessidade do Brasil realmente encarar programas de rastreabilidade. Rastreabilidade de verdade e não somente certificação de identificação. E também programas de qualidade, como o EurepGap.O nosso próprio programa o QuaLex, em breve será reconhecido na Europa. São programas que garantem a qualidade destes produtos.

BeefPoint: Programas citados pelo senhor, como o EurepGap por exemplo, são exigências reais? Há uma preocupação em como os funcionários são tratados nas fazendas, ou a correta utilização dos agrotóxicos, por exemplo, ou seria uma reserva de mercado, uma espécie de barreira branca para dificultar a entrada de produtos estrangeiros no mercado europeu?

Ian Hill: Ambos os sentidos estão corretos. Há quatro ou cinco anos atrás, descobriram na Europa, que em Gana, estavam utilizando mão de obra escrava de crianças, para produzir cacau. Os europeus ficaram quase um ano sem comer chocolate em forma de protesto. A ações das empresas ligadas à produção de chocolate afundaram.

BeefPoint: Como o senhor vê hoje em dia a relação produtor frigorífico no Brasil? O que a Jacarezinho e a Conexão Delta G têm feito para melhorar esta relação? Qual sua opinião sobre este setor?

Ian Hill: Isto não é nenhuma novidade. Há 28 anos que estou aqui no Brasil e escuto a mesma coisa. E é a mesma coisa que se escuta na Austrália, e na Inglaterra, sobre relacionamento entre pecuarista e frigorífico. Eu acho que é uma falta de convivência, uma falta de parceria, uma falta de negociação.

No Brasil pode haver esta sensação um pouco mais acentuada, pois no Brasil o pecuarista é muito individualista. As conquistas que o setor agrícola do Brasil já fez com as parcerias de produção são um bom exemplo. Já está passando da hora do pecuarista quebrar estes paradigmas, e eu acredito que irá quebrar, pois temos gerações novas entrando na pecuária. Há que se formar parcerias, conversar com os frigoríficos, e ajudar os frigoríficos também, porque deve haver problemas em ambos os lados.

Desde que criamos a Conexão Delta G e fizemos uma parceria com o frigorífico, nossa oferta de animais aumentou, nos tornamos muito mais interessantes para o frigorífico e também tivemos uma forma bem melhor para acertar nossos problemas com o frigorífico.

BeefPoint: Como está essa parceria hoje em dia?

Ian Hill: Andando muito bem. Temos uma parceria com o Frigorífico Marfrig. Há uma tabela de premiação pela qualidade da carcaça e uma tabela de premiação por fidelidade, isto é, quanto mais boi a gente mata, mais recebemos, melhora a premiação. Temos também um feedback de informação para o nosso programa genético, o que nos ajuda muito.

BeefPoint: Como o senhor avalia o cenário da pecuária de corte atual? Na avaliação de muitos, o Brasil está quebrando recordes de exportação, o preço da carne internacional está mais alto, e os frigoríficos exportadores estão ganhando muito dinheiro. Por outro lado, o pecuarista não está sendo recompensado, os preços da arroba e do bezerro não reagem e os custos de produção estão aumentando. Qual a sua visão a este respeito?

Ian Hill: Descordo totalmente. Voltamos à velha lei da economia, a da oferta e procura. Os preços estão assim, pois há muita oferta. Não tem esse negócio de cartéis. Pode ser que existam algumas combinações que possam amenizar mudanças bruscas.

O produtor tem que parar de ficar chorando sobre o preço. Se ele não gostar do preço, que mude de setor. O que ele tem que fazer é produzir eficientemente e baixar os custos, pois esse é o momento de baixar os custos. No momento que o preço estiver bom ele vai surfar e ter lucros maiores.

Quantos anos os frigoríficos trabalharam com prejuízo? E as usinas de açúcar e álcool? Em 1999, 2000, estávamos vendendo o litro do álcool a R$ 0,14 e gastando de R$ 0,28 a R$ 0,30 para produzir. O que aconteceu no setor? Diminuiu a oferta, todo mundo deu seus pulos, reduziu custo e deixou a coisa da forma mais eficiente possível. Uma das razões de nossa pecuária não ser tão eficiente hoje, é que o setor sempre esteve bem.

O pecuarista está tendo que concorrer com a agricultura, que vem tomando suas áreas. A pecuária não é tão eficiente como a agricultura. Pela quantidade de terra que você precisa, você tem que imobilizar o menor volume de capital possível para ter retorno, e a agricultura estão inflacionando o mercado de terras.

BeefPoint: Para o futuro, quais são os desafios para o produtor de carne brasileiro? Qual a lição de casa que o produtor tem que fazer? O que deveríamos estar fazendo e não estamos.

Ian Hill: Em primeiro lugar, o que o pecuarista tem que fazer é adequar a lotação melhor, adequação de lotação. Esta é uma das chaves para melhorar a produção, melhorar o índice de fertilidade do rebanho nacional, que é baixo. Procurar fazer com que nossas vacas produzam um bezerro bom por ano. Utilizar uma genética boa. Tudo o que se produz de capim, é a genética que vai interpretar, da forma mais adequada para o que o mercado está querendo.

Temos que zelar e ter consciência sobre nossos programas de sanidade. Ainda tem gente no Brasil que acha que não precisar vacinar boi, porque atrasa o acabamento, ou por outro motivo. Isso é uma ignorância total. Temos que cuidar deste patrimônio.

Daí se começa a montar o resto da história, programas de certificação, rastreabilidade, melhoria genética, etc.

BeefPoint: Qual a sua visão para o futuro da pecuária brasileira? O que você vislumbra para os próximos anos?

Ian Hill: Um rebanho muito mais eficiente, controle dos programas sanitários, um Brasil totalmente livre de aftosa sem vacinação, para que todos os mercados possam ser explorados. Mercados enormes como Estados Unidos e Japão.

A conscientização dos benefícios que os programas de melhoramento genético trarão aos rebanhos. Vejo também uma migração da pecuária para fora das zonas com terras mais aptas à agricultura. E uma forte integração entre pecuária e agricultura.

Nós temos nossas zonas semi-áridas praticamente inexploradas pela pecuária, onde é possível fazer uma pecuária barata, e pouco ofensiva ao patrimônio ecológico do País.

0 Comments

  1. Marco Antonio Brighenti Ribeiro disse:

    Parabens pela entrevista. Muito boa as questões abordadas e as respostas colocadas pelo entrevistado, irretocáveis.

  2. Walter José Verdi disse:

    Em sua análise da condição estrutural, do atual sistema de produção pecuário, Ian Hill toca em um ponto crucial que é a quebra dos paradigmas de hoje, exaltando toda a cadeia produtiva a se unir, a exemplo do que fazem os produtores de algodão, que se organizam em associações nacionais e regionais de produtores, e têm obtido seguidas vitórias até na OMC, no que se refere ao balanço desleal dos subsídios.

    Os pecuaristas em geral, têm atentado para estas necessidades, porém de uma maneira muito tímida. Apesar de vermos crescer significativamente a adesão em programas de qualidade, participação em eventos como os da Associação do Novilho Precoce, e um estreitamento maior de relacionamento com os frigoríficos, no sentido de se oferecer o que o mercado pede.

    Resta no organizar, e definirmos a melhor estratégia para melhor aproveitarmos as oportunidades deste vasto mercado ainda mal explorado.

  3. Marcelo George Mungai Chacur disse:

    A entrevista concedida por Ian Hill (Agropecuária Jacarezinho – Valparaíso – SP) sobre a qualidade e eficiência na pecuária de corte vem ao encontro dos ensinamentos acadêmicos na área de agrárias.

    Como professor/pesquisador na Área de Reprodução Animal (Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE – Pres. Prudente – SP), vislumbramos essa eficiência não somente em sala de aulas mas nas propriedades onde desenvolvemos pesquisas com touros e vacas.

    O mercado consumidor, entre eles a dona de casa, dita as regras com relação ao caminho a ser seguido. Devemos aumentar a produtividade dos rebanhos com a utilização de biotecnologias da reprodução, melhoramento genético e sanidade.

  4. Renato Batista disse:

    Perfeita a visão do Ian Hill

    A mensagem que devemos mentalizar é os Pecuaristas devem se unir e buscar soluções integradas para o negócio.

    Um abraço,

    Renato Batista
    Campinas/Divinópolis do Tocantins

  5. Marcelo Alcantara Whately disse:

    Gostaria de comentar sobre a questão do preço do boi gordo comentado por Ian Hill.

    Ele disse que o produtor tem que dar seus pulos, mudar de setor, baixar custos e produzir eficientemente.

    Mas como um pequeno ou médio pecuarista vai mudar de setor, se não possuir outra fonte de renda? Acho difícil mudar uma propriedade de gado de corte para outro setor.

    E também sobre “O produtor tem que parar de ficar chorando sobre o preço”, acho que é útil lutar por preços melhores.

  6. Felipe Cordeiro disse:

    Como meu grande amigo, eterno professor e orientador da minha monografia que me conduziu em trabalhos com touros, assim como seu comentário eu também acho extremamente importante a visão do Ian David Hill.

    Durante minha formação acadêmica no período dos estágios tive a grande oportunidade de estagiar na Agropecuária Jacarezinho e visualizar o que sempre ouvi sobre produção, reprodução e melhoramento genético todos sendo bem realizados de forma séria, com ótimos resultados e o melhor produzindo excelentes animais que na minha opinião são os melhores do País, com baixos custos de produção e realmente grandes raçadores.

    Gostaria de parabenizar ao meu amigo Ian David Hill pela entrevista concedida ao BeefPoint, e nada melhor como hoje 04-07-2005 onde já faz até um pouco de tempo desde a reportagem para visualizarmos o que Ian relatou em seu artigo, a pecuária hoje está em “crise” para quem gosta assim ou está estacionada, se pegarmos a desvalorização em R$ da arroba do boi, percebemos que existe uma grande variação onde o mesmo não observamos com grande mudanças em relação a moeda americana.

    De acordo com o Anualpec última edição, a arroba em Dólar continua estável no mercado.

    É muito importante a conscientização de todos sobre o que realmente é produção animal, o que realmente é genética, o que realmente melhora atualmente.

    É importante ter dados confiáveis, dados estatísticos sobre a produção dos animais e não o mercado de grandes especulações como é o mercado de genealogia (elite) que também é um bom mercado, ou seja, um ramo “diferente” com focos em outros objetivos, salvo algumas empresas que já adotaram algum sistema de avaliação genética.

    Parabéns Ian pela entrevista.

    Grande abraço.

    Felipe Cordeiro
    Médico Veterinário