Diferenças nas características digestivas existentes entre animais de diferentes grupos genéticos destinados à produção zootécnica, vêm sendo estudadas há vários anos como opção para seleção de animais mais produtivos e eficientes. As possibilidades de melhora na produção através da seleção de animais mais eficientes, ou seja, da variação na capacidade digestiva entre animais, precisa ser mais bem avaliada. Diversos fatores vão interferir nas diferenças observadas em relação à capacidade digestiva e eficiência produtiva de bovinos de corte, sendo uma área de grande importância nas pesquisas para o futuro do melhoramento animal.
Microorganismos ruminais
A população microbiana do trato digestivo de ruminantes, em particular do rúmen, é fator determinante para a quantidade de nutrientes disponibilizados para absorção no intestino desses animais. Algumas diferenças foram observadas entre populações microbianas do rúmen de bovinos e búfalos, com diferenças também nas capacidades digestivas entre as espécies. Diferenças na população microbiana do rúmen foram observadas não somente entre animais de espécies diferentes, como também entre indivíduos da mesma raça. Essas diferenças de fauna e flora microbiana refletem diferentes comportamentos de pastejo, seleção de dietas, taxa de ingestão e cinética de ambiente ruminal.
Variações genéticas em relação à seleção de dietas
Dentro de espécies, as preferências e características da dieta variam entre as diferentes raças. Em ovinos, Brand (2000) encontrou grandes diferenças na seleção de dietas entre as raças Dorper e Merino. Já para bovinos de leite, Weler e Phipps (1986) encontraram diferenças de 30:70 até 77:23 para relação da seleção de forragem de baixa qualidade ou silagem de milho. As diferentes preferências por alimentos vão influenciar grandemente o ambiente ruminal, a população microbiana, e conseqüentemente a digestibilidade dos alimentos ingeridos.
Variações genéticas em relação às taxas de ingestão
Frisch e Vercoe (1977) trabalhando com bovinos da raça Brahman observaram diferenças significativas nas taxas de ingestão entre animais, porém sem efeito entre raças. As taxas de ingestão são moderadamente relacionadas com o metabolismo em jejum dos animais, tanto dentro de raças como entre raças. As correlações entre taxa de ingestão e metabolismo em jejum, variam de 0,33-0,45, evidenciando que a taxa de ingestão pode ser um indicador dos requerimentos de energia para manutenção em ruminantes.
Burrow (2000) demonstrou que a temperatura e adaptabilidade das raças vão interferir no comportamento de pastejo de bovinos de corte. Animais de raças adaptadas aos trópicos apresentam mais sessões de pastejo por dia, em relação a raças não adaptadas. As taxas de ingestão apresentam correlação negativa com tempo de retenção de alimentos no trato digestivo, e correlação positiva com o consumo voluntário de alimentos. Sendo assim, para animais em pastejo, a velocidade de pastejo vai depender dos tempos de retenção de alimentos no trato digestivo, e da liberação de espaço no mesmo. Já o tempo de retenção de alimentos no rúmen, vai afetar o padrão de fermentação ruminal, podendo alterar as proporções dos ácidos graxos voláteis e conseqüentemente a eficiência energética dos microorganismos ruminais. Entradas de grandes quantidades de alimentos no rúmen intercaladas por períodos de não ingestão, vão alterar a fermentação ruminal comparada com entradas constantes de alimentos.
A ingestão total de matéria seca apresenta correlação positiva com a conversão alimentar em novilhos oriundos de progênies com pais selecionados para alto ou baixo consumo alimentar residual (residual feed intake) (Richardson, 2003). Consumo alimentar residual é calculado como a diferença entre a ingestão atual e a ingestão esperada, baseada no peso vivo e taxa de crescimento de determinado período.
Variações genéticas na cinética de digestão e suas relações com a produtividade
Estudos desenvolvidos para avaliar as diferenças entre bovinos Bos taurus e Bos indicus mostraram que animais Bos indicus apresentam taxas de fermentação mais rápida, e menor tempo de retenção de alimentos no rúmen, comparados a animais Bos taurus. Frisch e Vercoe (1977) encontraram que as diferentes taxas de digestão entre Bos taurus e Bos indicus eram dependentes da dieta em questão. O autor observou que a taxa de digestão de feno de Pangola (3,8% de proteína bruta) foi fermentado mais rapidamente por animais Brahman do que Hereford, quando a dieta foi fornecida sem suplementação de nitrogênio. Quando houve a suplementação nitrogenada, não foi observada diferença entre as taxas de digestão entre as raças. A habilidade para digestão mais rápida de dietas deficientes em nitrogênio para animais Bos indicus está relacionado a maior capacidade de reciclagem de nitrogênio no rúmen desses animais.
Seleção para maior resistência a distúrbios digestivos
Segundo Reid et al. (1975), a susceptibilidade a distúrbios digestivos apresenta um fator genético herdável, sendo essa herdabilidade calculada entre 0.3 e 0.6. Os mecanismos fisiológicos que explicam essa maior resistência aos distúrbios metabólicos estão ligados principalmente à capacidade de ruminação e produção de saliva.
Seleção para menor produção de metano
Avaliações das diferenças no metabolismo energético entre animais vêm sendo estudado há vários anos, sendo a perda de energia na produção de metano uma das causas consagradas para a explicação dessas diferenças.
Conclusão
Há diferenças significantes na função digestiva entre espécies, raças e dentro de raças. Alguns dos fatores relacionados a essas diferenças apresentam alta herdabilidade, sendo uma boa alternativa para seleção e melhoramento animal.
Referências bibliográficas
BRAND, T.S. Grazing behaviour and diet selection by Dorper sheep. Small Ruminant Research. v. 36, p. 147-158, 2000.
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