Por Angélica Simone Cravo Pereira1
Como o consumidor poderá chegar à conclusão de que a carne a ser consumida está ideal para o consumo, se o consumidor não tem laboratório na hora de adquirir o produto?
Nos últimos anos, várias pesquisas têm sido realizadas, no intuito de desenvolver métodos de mensuração física, para a avaliação das características de produtos cárneos. Embora muitos métodos sejam publicados na literatura científica, somente um procedimento acaba sendo aceito internacionalmente.
A padronização de métodos é essencial para a comparação das características em diferentes grupos. Portanto, o entendimento dos métodos de mensuração das características físicas de qualidade na carne e produtos derivados é de essencial importância para a indústria da carne e conseqüente aumento do consumo. A necessidade de padronização das medidas é um contraste para aceitar métodos de avaliação dos componentes químicos da carne .
É importante salientar, que os atributos de qualidade organoléptica “percebidos pelo consumidor” são denominados “qualidade exigida” e aqueles mensurados em laboratório são denominados “características de qualidade”.
Princípios Gerais para os Métodos de Referência
A origem e o histórico da vida animal, os procedimentos durante o abate e o manejo pós morte das carcaças devem ser descritos tão precisamente quanto possível. A descrição deve incluir espécie, raça, sexo, idade, alimentação, transporte e manejo pré-abate, condições de abate, resfriamento e período de maturação. A taxa de pH e declínio da temperatura pós morte, além do pH final do músculo devem ser observados. O histórico do animal deveria ser preferencialmente conhecido, embora não seja essencial.
Considerando a metodologia de referência foram consideradas algumas técnicas utilizadas, a fim de avaliar algumas características, como capacidade de retenção de água da carne, maciez e cor da carne, considerando a importância da aplicação destas, por algumas razões:
1) Capacidade de Retenção da Água (CRA)
É a habilidade da carne para reter parcial ou totalmente a água nela contida. Assim, é a capacidade da carne de reter sua própria água durante a aplicação de forças externas, tais como, trituração, prensagem e aquecimento.
As características de cor, textura, consistência, suculência e maciez da carne são fortemente influenciadas pelo seu conteúdo de água. A manifestação da capacidade de retenção da água pode ser observada através: da exsudação (gotejamento) de líquido, observada na carne crua, não congelada; pela exsudação de líquido da carne descongelada; pela exsudação de líquido da carne cozida.
Ainda, a água existente no músculo pode se apresentar sob três diferentes formas:
– Água ligada: 4 a 5%. Água diretamente unida aos grupos hidrófilos da proteína.
– Água imobilizada: Corresponde a outras moléculas de água superpostas às moléculas ligadas.
– Água livre: Mantida por forças superficiais (capilaridade).
Os conhecimentos relacionados com a CRA são importantes para o entendimento dos fenômenos físicos, que se processam na intimidade da carne, como, por exemplo, a ocorrência de perdas de peso nos diversos cortes, durante os processos de armazenamento, permitindo a proteção contra tais perdas.
Equipamentos
O equipamento requerido é uma balança suficientemente acurada (+- 0,05g), sacos plásticos soldáveis, uma amostra que permita o escape do fluido (suporte perfurado) e temperatura ambiente controlada.
Ainda é essencial, que fatores relevantes, que possam alterar os valores de CRA sejam definidos. Isso inclui desde o tipo de músculo e a localização da amostra no interior do músculo e os parâmetros qualitativos da carne, tais como, pH final e temperaturas em que as amostras ou a carcaça são mantidas. Os processos de resfriamento são particularmente importantes.
2) Maciez da Carne
Estudos têm demonstrado, que consumidores podem diferenciar carnes, que variam na maciez e estão dispostos a pagar mais por um produto de melhor qualidade (Shackelford et al., 2001).
A maciez da carne ocorre devido à degradação de algumas proteínas estruturais por enzimas endógenas (proteólise pós morte). Além disso, o grau de maciez pode estar relacionado à três categorias de proteínas musculares: tecido conjuntivo (colágeno, elastina, reticulina e mucopolisacarídeos da matriz), das miofibrilas (actina, miosina, tropomiosina) e as do sarcoplasma (proteínas sarcoplasmásticas, retículo sarcoplasmático). A importância da contribuição desses elementos depende do grau de contração das miofibrilas, do tipo de músculo e da temperatura de cozimento. Medidas de força e compressão refletem em mudanças na estrutura miofibrilar (Lawrie, 1979).
Porém, a maior fonte de variação da maciez da carne são diferenças observadas nas taxas de extensão das proteólises pós morte (Delgado, 2000).
Os métodos e a interpretação das medidas são altamente variáveis.
Embora, algumas tentativas para a padronização dos valores tenham sido substituídos por técnicas instrumentais e sensoriais, parece ainda não serem universalmente aceitas (Honikel, 1998).
Segundo muitos pesquisadores, a mensuração da maciez é importante também para as carnes processadas. Entretanto, a metodologia discutida têm sido restrita para produtos “in natura”, ou ainda processados e o requerimento para a mensuração objetiva de suas características texturais são diversas.
Campo de Aplicação
Cada método de avaliação da maciez tem suas vantagens e limitações, porém um único método não descreve completamente o perfil de maciez da carne (Honikel, 1998). As amostras mais utilizadas são os músculos Longissimus thoracis e lumborum.
É aconselhável, que as amostras não excedam o período de armazenamento de 3 meses, para a realização das análises. Ainda, os efeitos de congelamento e rigor de descongelamento são variáveis e podem alterar os resultados. Além disso, a influência da temperatura e período de cozimento na deformação da força nas amostras é ampla. Há ainda, uma temperatura ideal para o cozimento, avaliada no centro geométrico da amostra, que pode ser definida e mensurada com acurácia.
O objetivo da mensuração da maciez é imitar as forças produzidas durante os processos de mastigação e mordida. Porém, nem sempre é claro quais propriedades estruturais da carne estão descritas durante a avaliação da maciez, embora altas correlações entre avaliações objetivas e subjetivas ainda são esperadas.
Entre os métodos mais conhecidos para a avaliação da maciez da carne estão o método de teste tensilar com o corte da amostra. Obtém-se, posteriormente a resistência da curva de deformação para a completa ruptura da amostra.
Outro teste muito utilizado para a análise é o Warner -Bratzler Shear Force (WBSF).
Shackelford et al. (1997) encontraram pequena variação na maciez da carne, utilizando os testes com o Warner Bratzler e painel sensorial treinado, painel de consumidores e a utilização do aparelho Warner Bratzler Shear Force. Porém, encontraram dificuldade na predição das respostas para os procedimentos objetivos, tais como painel sensorial treinado e Warner Bratzler Shear Force.
De acordo com esses pesquisadores, muitos fatores, entre eles, o modo de preparação da carne, tais como, método de cozimento, grau de acabamento, temperos adicionados antes, durante e após o processo de cozimento e as diferenças individuais, no que se refere à maciez, sabor e suculência. Assim, torna-se difícil avaliar e predizer, de forma objetiva, qual o tipo de carne, que o consumidor aprecia, em se tratando principalmente do aspecto relacionado à maciez.
3) Cor da Carne
É um dos principais atributos de qualidade do consumidor, em condições normais de conservação, a cor é o principal atrativo dos alimentos e é determinada principalmente pela mioglobina, uma proteína do músculo formada por uma proteína globular e uma porção não protéica.
A avaliação da cor pode ser realizada subjetivamente, ou com auxílio de instrumentos.
Campos de Aplicação
Existem três fontes de variação da cor em carnes:
1 – Devido ao conteúdo de mioglobina intrínsico no músculo, dependente de fatores, como a idade, alimentação e espécie animal.
2 – Período pré-abate e processo de abate, que podem alterar a coloração dos músculos, influenciando nas taxas finais de pH e temperatura.
3 – Durante o período de estocagem, distribuição e exposição, devido os processos de oxigenação e oxidação da mioglobina, que influencia de forma direta na coloração da carne.
Os colorímetros, de uma maneira geral, permitem a mensuração da cor com boas leituras. Por outro lado, os métodos mais conhecidos seguem o sistema desenvolvido por CIE (1976). Esta metodologia consiste em três espaços. O espaço L* indica a luminosidade e o a* e o b* são as coordenadas de cromaticidade, em que o eixo, que vai de -a* para +a* varia do verde ao vermelho e que vai de -b* para +b* variando do azul ao amarelo.
Neste aspecto, torna-se indispensável a utilização destes métodos, afim de obter uma identificação acurada da carne, que deve ser garantida como macia.
Referências Bibliográficas
CIE. Colorimetry 2 nd ed., CIE Publications n. 152, Comission Internacionale de I´Eclairage, Viena, 1986.
DELGADO, E.F. Fatores Bioquímicos que Afetam a Maciez da Carne. In: 1o Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Carnes. Anais. p.143-159, 2001.
HONIKEL, K.O. Reference Methods for the Assessment of Physical Characteristics of Meat. Meat Science, v.49, n.4, p.447-457, 1998.
LAWRIE, R.A. Meat Science. 3 ed. New York, 451 p. 1977.
LORENZEN, C.L., MILLER, R.K.; TAYLOR, J.F.; NEELY, T.R.; TATUM, J.D.; WISE, J.W.; BUYCK, M.J.; REAGAN, J.O.; SAVELL, J.W. Beef Customer Satisfaction: Trained sensory panel ratings and Warner-Bratzler shear force values. J.Anim.Sci., v.81, p.143-149, 2003.
SHACKELFORD, S.D.; WHEELER, T.L., KOOHMARAIE, M. Reapitability of tenderness measurements in beef round muscles. J.Anim.Sci., v.75 p.2411-2416, 1997.
SHACKELFORD, S.D.; WHEELER, T.L. MEADE, M.K.; REAGAN, J.O.; BYRNES, B.L.; KOOHMARAIE, M. Consumer impressions of Tender Select beef. J.Anim.Sci., v.79, p.2605-2614, 2001.
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1Angélica Simone Cravo Pereira é pós-graduanda em Qualidade e Produtividade Animal, FZEA – USP, Pirassununga.